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Arrarraquarra e o prazer de reviver uma história

Por Mauro Ferreira

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Muitos anos atrás, num programa de TV de humor ainda em preto e branco havia uma bela moça que se passava por francesa e dizia seu bordão com forte sotaque que era de “Arrarraquarra”. Era Jacqueline Myrna, na verdade uma romena descoberta por Moacyr Franco que logo brilharia no programa “A Praça é Nossa” de Manoel da Nóbrega. Adolescente, eu gostava. Da Myrna e do programa.

A cidade de Araraquara tinha entrado na minha vida bem cedo. Meu pai gostava de contar sua viagem em 1950 para assistir a inauguração do estádio da Fonte Luminosa e citava de cor, até morrer, a escalação do Vasco da Gama com o lendário Barbosa no gol (o mesmo do Maracanazzo) contra o time da Ferroviária da camiseta grená. Depois, na minha adolescência, a Ferrinha brilhou com Bazzani e Dudu, quase ganhou o campeonato paulista principal. No entanto, só fui conhecer a cidade já adulto, muitos e muitos anos depois. Antes disso, conheci muitos araraquarenses ilustres. Com a pandemia, revisitei-a em viagem imaginária.

No dia do vestibular de arquitetura em Mogi das Cruzes, fiz amizade com Luiz Antônio Martinez Correia, que largou o curso para virar um grande diretor de teatro. No início da minha vida como professor em Passos conheci o engenheiro Arquimedes Ciloni, que me apresentou seu conterrâneo e escritor Ignácio de Loyola Brandão, foi quem me abriu os olhos para a literatura. Ler de tudo e anotar as ideias num caderninho que levava para todo lado foram sacadas que sempre me ajudaram. Ler o livro “Dentes ao sol”, um dos seus primeiros romances, ambientado em Araraquara, também me mostrou ser possível escrever sobre sua própria aldeia.

Arquimedes foi embora de Passos para ser professor da Universidade Federal de Uberlândia (chegou a reitor). Foi quando conheci também o Cascão, o engenheiro Vanildo Trindade, que se tornou vereador pelo MDB (depois PSDB da cidade), em oposição ao PT que tinha Domingos Carnesecca Neto e Vera Botta, meus companheiros de partido. Cercado por essa gente de sotaque arrrrrrastado, fui ter com o Luiz Falcoski, arquiteto e professor da Universidade Federal de São Carlos durante o mestrado e desde lá dividimos muitas conversas e sonhos para cidades e um país melhor. Mais recente, veio o Lauro Monteiro, artista que nos levou a Portugal.

Enfim, Arrarraquarra é uma cidade que merece ser conhecida nem que seja por visita imaginária durante a pandemia. Francanos tem inveja, sabem por quê? Tem estação e trem funcionando, uma alameda com oitis, árvores cujas copas cobrem a rua de paralelepípedos tombada como patrimônio histórico, a Ferrinha tem um estádio de dar inveja e bons times que ganham títulos (masculino e feminino), uma UNESP com projeto do João Walter Toscano, um belo SESC projetado por Sanovicz e Elito funcionando há muitos anos. Sartre e Pelé já se encontraram em suas ruas, o seu Hotel Municipal (ou Francano?) continua funcionando todo restaurado, Mário de Andrade escreveu Macunaíma lá, Loyola Brandão também escreveu e ambientou livros na cidade, o Clube Náutico tem um paisagismo de cair o queixo, não derrubaram a fábrica antiga da Lupo (virou shopping), um Plano Diretor cheio de inovações falkósquicas. É ou não é para conhecer e invejar?

Obs.:Publicado em: “ANACRHÔNICAS DA FRANCA DO IMPERADOR” nº 06/2022

(*) Mauro Ferreira (Franca, 1952) é arquiteto (FAU Braz Cubas, 1974), mestre e doutor em arquitetura (EESC-USP) e professor na Universidade do Estado de Minas Gerais, no campus de Passos. Atua em sua cidade natal, realizando projetos de arquitetura e planejamento urbano.

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