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Assentados do Bela Vista, livres das amarras da burocracia e da morosidade

Por Ivan Roberto Peroni

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Por 40 anos os assentados do Bela Vista do Chibarro aguardavam por um momento histórico acreditando acontecer um dia em suas vidas, regadas à lutas, sacrifícios, desistências, coragem e medo. Os ingredientes de uma vida no meio do mato foram o remédio e também a esperança de quem poderia ser dono de um pedaço de terra num sertão abandonado.

Não vamos discutir as questões da invasão das terras pois eram elas de alguém que ludibriando o fisco teve esse chão tomado e em sendo na época terras do governo, e não fossem essas famílias que aqui chegaram nos anos 80, outras famílias teriam se apossado deste chão. Temos que falar então dessas famílias que vieram e permaneceram, criando um modo de vida, conjugando o verbo crer, ou acreditar, como fonte de audácia e a convicção de que – um dia essa terra será minha.

Nesta terça-feira, dia 12 de julho, quando foi confirmada a vinda do presidente do Incra, para a entrega de 107 Títulos de Domínio e 141 Contratos de Concessão de Uso (CCUs) para famílias do assentamento, é evidente que no dia 20, que marca a posse definitiva das terras, certamente haverá alguém de joelhos dizendo – obrigado Meus Deus, esse pedaço de chão é meu.

É verdade que muitos daqueles homens audaciosos que aqui chegaram nos anos 80 já sucumbiram e passados 40 anos quem tinha 30 hoje tem 70 anos; se não morreu, como tantos que eu conheci, pois na época eu como repórter estava enfornado no assentamento acompanhando a disputa de terras e os constantes incêndios nos barracos criados como divisor das terras, esses então que permanecem vivos têm uma história pra contar.

Foi essa gente dona de uma propriedade sem contudo ter um documento que provasse sua existência como proprietário, cavoucando o chão e plantando sem ter acesso a crédito e acesso aos bancos. No começo morando em taperas esses sertanejos da gota, não tinham um direito sequer, era apenas a terra de cara pro sol e Deus a olhar e a guarda-los por 40 anos.

É verdade que nem todos ficaram: muitos desistiram pelo caminho, muitos também deixaram de ser corretos, muitos fraquejaram, mas na medida que foram saindo e criando outras opções de vida, os que ficaram se garantiram pela crença e a convicção de que – este chão um dia será meu.

Passaram governos, presidentes, senadores, deputados, governadores, prefeitos, vereadores e nada em resolver o problema da posse da terra; a morosidade, a burocracia e o desprezo foram os companheiros dessa gente usada em determinados momentos como massa de manobra política e se agora conquistam o título de propriedade não há que se agradecer a esse ou aquele, tem que agradecer a Deus que os tornou corajosos, pacientes e crentes aos princípios da decência.

Como o fim da escravidão que deu aos escravos o direito de pensar e agir, os assentados também têm o direito de pensar, agir e tocar sua vida em frente pois ficam livres das amarras, criando o seu próprio mundo.

*Ivan Roberto Peroni, jornalista e membro  da ABI, Associação Brasileira de Imprensa

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