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Dinheiro caindo do céu!

Por Ivone Zeger

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Ascender socialmente ou ter reservas monetárias suficientes para não pensar em trabalhar são desejos que acometem a maioria dos seres mortais. Espécie de situação paradisíaca, quando se percebe que conquistá-la é quase impossível na relação entre o salário e o tempo de vida, os devaneios chegam a possibilidades que vão de ganhar na mega-sena a receber uma herança polpuda. Quem vive nessa esperança pode não se dar conta de que, em relação a heranças e sucessões, há regras e leis bastante reais, que passam longe de devaneios.

Assim, sem querer acabar com o sonho dos leitores, retomo, aqui, o tema herança para esmiuçar quem são esses ditos “sortudos”, os herdeiros, na forma como a lei os entende. Se você se reconhecer entre eles, bingo! Mas cuidado: ninguém é herdeiro por antecipação, nem mesmo os filhos. Esse é o primeiro aviso aos que pensam num futuro mais endinheirado apenas baseado na expectativa de herança, porque nenhuma lei tira o direito de uma pessoa gastar tudo o que tem.

Assim, herdeiros propriamente só passam a existir a partir do falecimento do autor da herança. Abre-se o processo de inventário e a lei pergunta: quem são os herdeiros?

São aqueles que recebem bens da pessoa falecida. Alguém pode se tornar herdeiro ou porque a lei lhe consagra o direito ou porque foi indicado em testamento pelo autor da herança.

No primeiro caso, ele pode ser um herdeiro necessário: estes não podem ser excluídos da sucessão, e são os detentores legais de, pelo menos, metade da herança. Eu explico: no Brasil, obrigatoriamente, metade dos bens deixados pelo autor da herança – o falecido – são destinados aos herdeiros necessários. É o limite que a lei impõe, tendo como base o conceito de proteger o patrimônio da família. Assim, os herdeiros necessários seguem uma linha de sucessão bem definida. Os primeiros da fila, digamos assim, são os descendentes, que são os filhos, na falta destes, os netos e bisnetos. Se não existirem descendentes, os próximos na linha de sucessão serão os ascendentes, ou seja, os pais e, na falta destes, os avós e bisavós. O cônjuge, em qualquer circunstância, é um herdeiro necessário e concorre com os descendentes e ascendentes. Ou seja, se não houver nem descendentes, tampouco ascendentes, o cônjuge herda tudo.

Se você mapeou sua situação e no seu devaneio não se vê como herdeiro necessário, portanto sem direito a concorrer, sem muitas delongas, a metade dos bens de um parente rico, tente outra categoria: herdeiro legítimo. Mas, antes de voltar a sonhar, saiba que o nome “legítimo” não dá necessariamente garantia de recebimento de herança. Essa categoria apenas indica que o herdeiro tem algum grau de parentesco com o falecido e que, portanto, integra a ordem de vocação hereditária e, eventualmente, pode ser chamado a suceder. Os herdeiros legítimos são os descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente e parentes colaterais. Quem são os colaterais? São aqueles que têm um ancestral comum, mas que não são descendentes, nem ascendentes entre si: irmãos, tios, sobrinhos, primos-irmãos, tios-avós e os sobrinhos netos.

Vale lembrar que em todos os casos, o cônjuge sobrevivente tem direito à meação, cuja amplitude depende do regime de bens adotado no casamento. O companheiro também tem esse direito de meação sobre os bens adquiridos onerosamente ao longo da união estável. Porém, é bom pontuar: meação não é herança.

Sigamos. Caso você realmente não tenha qualquer possibilidade de sonhar com uma herança polpuda advinda de parente, pode, ainda, imaginar a possibilidade de ser um herdeiro testamentário. Como mencionei, se fizer um testamento, o autor da herança não pode deixar de contemplar os herdeiros necessários com aquela metade destinada a eles pela lei. Mas a outra metade dos bens, a chamada “parte disponível”, pode ser legada a qualquer pessoa, parente ou não. Você conhece alguma pessoa que goste muito de você e tenha bens suficientes para legar? Ela já chegou a prometer algo como lhe deixar a mansão em Bariloche? Então, sonhe, mas aconselhe essa pessoa a fazer um testamento, só assim ela poderá realizar seu sonho. Sem testamento, quem herda a totalidade dos bens são os parentes na ordem estipulada acima. E se não houver parentes e tampouco testamento, todo o patrimônio se transforma em “herança jacente”, justamente aquela na qual, não havendo herdeiros legítimos ou testamentários, os bens que a compõem são declarados vagos e entregues ao Estado. E por mais amigo que você tenha sido da pessoa falecida, ou mesmo que ela tenha apalavrado a promessa de lhe doar bens, nada será seu.

Mas se você quer mesmo dar asas à sua imaginação e pelo menos na fantasia ser contemplado com o direito de uma vida hedonista e sem preocupações, foque na condição de herdeiro universal: é aquele que recebe a totalidade da herança, ou seja, fica com tudo só para ele. Seja porque é cônjuge sobrevivente sem filhos, ou porque filho único do autor da herança divorciado ou viúvo, enfim, há várias configurações familiares que possibilitam essa situação.

Ou, ainda, se diferentemente do exemplificado anteriormente, seu amigo não tem herdeiros mas tem palavra, então, é o momento de sonhar, e alto! Se ele quiser cumprir com a promessa de lhe fazer herdeiro, contratará um advogado e testará a seu favor a mansão em Bariloche e todos os outros bens. Como herdeiro universal, será tudo seu, e sua única obrigação será pagar os impostos.

Se na vida real nenhuma dessas possibilidades se apresenta, o melhor é parar de sonhar, acordar e trabalhar. Mas não lamente! Antes assim do que receber uma herança polpuda e, com ela, uma montanha de dívidas.

*Ivone Zeger, é advogada, consultora jurídica, palestrante, escritora e escreve para o RCIA ARARAQUARA

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