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Dos costumes que ficaram da Semana Santa, poucos se salvaram em Araraquara

Por Ivan Roberto Peroni

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Em uma sexta-feira como essa que a gente, costumeiramente chamava de Sexta-Feira Santa, alguns hábitos parecem vivos em nossas memórias; não é porque 60 anos se passaram que devemos sepultar aquilo que ficou marcado nas lembranças e cada um de nós, eu, você, temos uma pequena lembrança para resgatar e mostrar como foi importante viver dentro de uma cultura santificada e de muito respeito ao que Jesus fez por nós.

Era menino ainda e também era o tempo em que – comer carne, a gente dizia simplesmente “carne de vaca”, comer carne bovina que é a descrição que hoje se dá, ou então comer carne avermelhada que já era difícil por conta pobreza, na Semana Santa se tornava mais difícil ainda. Mas, nossos avós e nossos pais, mesmo que tivéssemos  a carne de vaca de forma alguma permitiam – a carne exposta à mesa. O sangue avermelhado remetia ao sofrimento de Jesus no calvário.

Por conta deste sentimento de dor quem sofria as consequências no sábado de aleluia era Judas que apanhava o dia todo, pendurado no poste, pedindo pelo amor de Deus que a semana passasse rapidamente. Era o Dia de Judas, data em que 30 moedas entraram para a história pelo fato dele ter entregue os caminhos de Jesus a Pôncio Pilatos. Foi a traição mais cara que se têm falado, pois ela ficou para a eternidade. Vejam o quadro da Santa Ceia em que os apóstolos estão reunidos, Judas saindo de mansinho com as moedas nas mãos indo contar para Pilatos os planos de Jesus para aquela semana que seria santa por toda a vida.

O drama de Judas não ficou apenas nisso. Me lembro que se transformou em peça teatral e os circos que se instalavam pelos lados do Jardim Primavera faziam em pelo menos 10 atos um espetáculo que lotava as arquibancadas. Pelo menos 15 dias – era a Semana Santa de cabo a rabo em um Circo chamado Guaraciaba. E os atos na falta de uma campainha tinham uma chamada característica para começar: a martelada que o homem do circo dava em uma enxada.

Alguns anos mais tarde quando fui trabalhar na Agência Folhas, da Folha de São Paulo, já era 1973 eu via que os hábitos do interior ainda se mantinham e que no Largo do Arouche os artistas se reuniam para trabalhar nos circos nesta Semana Santa. Ali os empresários de circos contratavam os atores e é evidente que fazer o papel de Cristo era sempre melhor remunerado, depois vinha Maria. Mais atrás José.

Mas, da sexta-feira não esqueço. Nem devo esquecer, afinal são essas recordações que nos deixam em pé desafiando a modernidade que cai diante dos nossos olhos a todo instante. Se eu contar para um jovem que as rádios de Araraquara, a Cultura onde trabalhei e a Voz da Araraquarense (hoje Morada) onde comecei, num dia como esse – sexta-feira santa só poderiam tocar músicas orquestradas, ninguém vai acreditar. Era uma programação especial. Música cantada não, só orquestrada. Era das 5 da manhã até meia noite, quando as rádios da cidade encerravam suas atividades diárias.

Nesta madrugada em que me coloco a pensar e a imaginar o que vou escrever sobre a data, sinceramente, acho que seria tão engraçado a gente poder ter pela frente o passado de volta nem que fosse por pelo menos um dia para que pudéssemos sentir a preciosidade dos hábitos e costumes que vivemos quando criança.

Tanto é verdade que – velar o corpo de Jesus nas igrejas, na noite de sexta-feira era uma decisão familiar e os pais nos cobravam. Tínhamos que ficar na Igreja da Santa Cruz ou São Geraldo por horas em silêncio. Sinal de respeito. Tenho pena dos padres que não encontram hoje, uma alma para velar aquele que entregou a vida para a humanidade para nos salvar. Assim, fecham-se as igrejas, acabam-se os circos e termina o espetáculo.

*Ivan Roberto Peroni, jornalista e membro  da ABI, Associação Brasileira de Imprensa

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