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Lei nº 14.181/21: educação financeira e defesa dos consumidores superendividados – 2ª parte

Por Tiago Romano

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Retomando o estudo da Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021 que alterou o Código de Defesa do Consumidor para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispõe sobre a prevenção e o tratamento ao superendividamento da população, neste segundo artigo vou abordar os demais direitos e garantias instituídos pela legislação na proteção dos consumidores.

Além das garantias citadas no primeiro artigo da série, outra garantia dos consumidores paira na obrigação dos fornecedores de produtos ou prestadores de serviços de que, no fornecimento de crédito e na venda a prazo deverão informar os consumidores, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre: o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de dois dias; o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor e o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito. Referidas informações devem constar de forma clara e resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento apartado, de fácil acesso aos consumidores. Além disso, o custo efetivo total da operação de crédito aos consumidores consistirá em taxa percentual anual e compreenderá todos os valores cobrados do consumidor, sem prejuízo do cálculo padronizado pela autoridade reguladora do sistema financeiro. E por fim, a oferta de crédito ao consumidor e a oferta de venda a prazo, ou a fatura mensal, conforme o caso, devem indicar, no mínimo, o custo efetivo total, o agente financiador e a soma total a pagar, com e sem financiamento.

É vedado, expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não: indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor; ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo; assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio ou condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais.

Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas: informar e esclarecer adequadamente o consumidor, considerada sua idade, sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes e sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento; avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto no Código de Defesa do Consumidor e na legislação sobre proteção de dados e informar a identidade do agente financiador e entregar ao consumidor, ao garante e a outros coobrigados cópia do contrato de crédito. O descumprimento de qualquer dos deveres citados poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.

Outro ponto importante, está no regramento da conexão entre contratos. São conexos, coligados ou interdependentes, entre outros, o contrato principal de fornecimento de produto ou serviço e os contratos acessórios de crédito que lhe garantam o financiamento quando o fornecedor de crédito: recorrer aos serviços do fornecedor de produto ou serviço para a preparação ou a conclusão do contrato de crédito; oferecer o crédito no local da atividade empresarial do fornecedor de produto ou serviço financiado ou onde o contrato principal for celebrado. O exercício do direito de arrependimento no contrato principal ou no contrato de crédito, implica a resolução de pleno direito do contrato que lhe seja conexo. De igual forma, se houver inexecução de qualquer das obrigações e deveres do fornecedor de produto ou serviço, o consumidor poderá requerer a rescisão do contrato não cumprido contra o fornecedor do crédito. É certo ainda que igual direito caberá igualmente ao consumidor: contra o portador de cheque pós-datado emitido para aquisição de produto ou serviço a prazo e contra o administrador ou o emitente de cartão de crédito ou similar quando o cartão de crédito ou similar e o produto ou serviço forem fornecidos pelo mesmo fornecedor ou por entidades pertencentes a um mesmo grupo econômico. Em derradeiro a invalidade ou a ineficácia do contrato principal implicará, de pleno direito, a do contrato de crédito que lhe seja conexo, ressalvado ao fornecedor do crédito o direito de obter do fornecedor do produto ou serviço a devolução dos valores entregues, inclusive relativamente a tributos

Além das vedações já existentes no artigo 39 da Lei Consumerista, houve a inserção de mais vedações, relativas ao fornecedor de produto ou serviço que envolva crédito, entre outras condutas: realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto não for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja notificado a administradora do cartão com antecedência de pelo menos dez dias contados da data de vencimento da fatura, vedada a manutenção do valor na fatura seguinte e assegurado ao consumidor o direito de deduzir do total da fatura o valor em disputa e efetuar o pagamento da parte não contestada, podendo o emissor lançar como crédito em confiança o valor idêntico ao da transação contestada que tenha sido cobrada, enquanto não encerrada a apuração da contestação; recusar ou não entregar ao consumidor, ao garante e aos outros coobrigados cópia da minuta do contrato principal de consumo ou do contrato de crédito, em papel ou outro suporte duradouro, disponível e acessível, e, após a conclusão, cópia do contrato e impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que o consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento, ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos.

Em suma o superendividamento do consumidor e o seu tratamento preventivamente ou repressivamente é dever do Estado, bem como garantia do cidadão ao passo que, o consumidor de boa-fé endividado não pode ficar à mercê eterna dessa condição, vivendo excluído do mercado de consumo.

* Tiago Romano, é presidente da OAB de Araraquara

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