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Moros e os impactos econômicos de uma decisão trabalhista

Por Ubiratan Reis

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Moros, deus do Destino e da Sorte, na mitologia grega, personificava (ou personifica) o poder de prever o futuro reservado a todos, o que aqui poderíamos resumir no vernáculo: inevitabilidade. Segundo consta, Moros teria transferido parte de seus poderes de presságio para três flechas de Eros (deus grego do Amor), assim, disparando uma flecha isoladamente poder-se-ia retornar no tempo e corrigir os “erros” do passado, mas, se disparadas conjuntamente, retornaria ao início de tudo (chamado de Caos).

Moros alcança destaque por subordinar a todos, inclusive os demais deuses, diante de sua capacidade de antever o destino de cada um deles, daí, relativamente como na primavera, florescem inúmeras questões filosóficas e pragmáticas, sendo relevante para esta reflexão: o que faríamos se pudéssemos prever os reflexos e impactos econômicos de uma decisão judicial que poderá servir de paradigma para outros casos semelhantes?

Neste início de 2020, noticiou-se uma decisão de que a Justiça do Trabalho teria concedido estabilidade a um funcionário, dependente químico, determinando sua imediata integração na empresa. Não faltaram, é verdade, post favoráveis e contrários a esta decisão, fato que determinava, no mínimo, uma leitura do acórdão prolatado pelos Magistrados da 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região TRT02 – São Paulo1.

No caso específico desta decisão, analisou-se a dispensa de um funcionário, portador de síndrome da dependência ou transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de cocaína e álcool, que laborava como assistente administrativo, analista de administração de vendas e assistente de caixa, de uma das maiores empresas de tabaco do Brasil.

O TRT02 declarou a nulidade da dispensa do funcionário, determinou sua reintegração na mesma função exercida, condenou a empresa ao pagamento de verbas trabalhistas e indenização por danos morais no importe de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), resultando em uma condenação estimada em cerca de R$100.000,00 (cem mil reais).

O Tribunal fundamentou a decisão no sentido de que, naquele caso, haveria de preservar o princípio da dignidade pessoa (trabalho em tratamento médico), por se tratar de doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, fazendo prevalecer o entendimento adotado pela Súmula nº 443, do Tribunal Superior do Trabalho que apresenta o seguinte entendimento: “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”

Sem discutir o aspecto social da decisão, uma vez ser indiscutível o dever de tutela do dependente químico, mas debruçando sob o escopo desta coluna, mister analisar alguns aspectos econômicos abordados no acórdão, que poderão surtir efeitos nos casos semelhantes vindouros, já que em tese, todos os funcionários em iguais situações deverão ser tratados igualmente, eis, então, os pontos destacados aqui: a função exercida pelo funcionário reclamante, a capacidade econômica da empresa reclamada e a existência de estabilidade do dependente químico.

O funcionário exercia uma função administrativa, que em geral, não apresenta risco a vida e a saúde de terceiros. Mas, convido a reflexão se o desfecho do caso seria o mesmo se fosse outra a função ou a profissão. Se fosse um torneiro mecânico, sim ou não? Funcionário da linha de produção de uma cervejaria, sim ou não? Motorista de uma revenda de peça ou motorista de transporte escolar? O TRT02 teria determinado a reintegração se o funcionário em questão fosse agente educacional infantil ou se fosse um profissional da área da saúde (enfermeiro)? Eis uma reflexão proposta, a depender da profissão, caberia ponderação e limite ao princípio da dignidade humana?

Mas quem está legitimado a responder, o Legislativo (por lei) ou o Judiciário (em cada caso por sentença)?

Segunda reflexão. No acórdão constou que: “A demandada não pode se preocupar apenas com seus fins lucrativos, mormente sendo a segunda maior empresa de tabaco do país, com cerca de 3.000 empregados”. Se no caso específico ponderou-se o poder econômico da empresa, como ficaria no caso de um funcionário de uma micro e/ou pequena empresa? Não se aplicaria a tutela da dignidade da pessoa humana, na medida que a empresa não suportaria ônus financeiro de R$ 100.000,00? Dois funcionários, dependentes químicos, dispensados sem justa causa, um de uma multinacional e ou outro do mercadinho do bairro, o primeiro estaria protegido pela reintegração e ou outro não. Qual o critério a ser utilizado?

O terceiro ponto aqui abordado é que, se juridicamente não se trata de estabilidade, na prática, o reconhecimento de dispensa discriminatória e determinação de reintegração configura uma estabilidade de fato do dependente químico. Todavia, relacionando com porte ou tamanho da empresa, como ficaria no caso de não haver vaga disponível, a reintegração ensejaria a demissão de outro funcionário (não dependente químico). Este funcionário deveria ser demitido, ainda que tenha melhor performance e precise do emprego para sustento próprio e da família? O fato é que, não são todas as empresas que têm 3.000 funcionários, na verdade, as micros e pequenas empresas são as que empregam pessoas e não possuem condições de “reintegrar” um funcionário sem prejuízo de outro.

Se tivéssemos o poder de Moros, o destino e a sorte das relações de empregos não seriam impactados negativamente como pode ocorrer com uma decisão judicial. Deveríamos, ao menos, refletir com profundidade a abrangência e os efeitos de um acórdão, ainda mais quando se verifica os riscos a concorrência, pois, obviamente, uma reintegração determinada a uma empresa de 5 funcionários, com mesmo parâmetro, seria extremamente danosa, sem falar que uma condenação de R$ 100.000,00 consubstanciaria na decretação velada de falência.

Será que, caso tenhamos as 3 flechas de Eros, dispararíamos uma, retornando ao passado para corrigir uma ou outra decisão judicial ou dispararíamos, de volta ao Caos, o início de tudo?

*Ubiratan Reis é advogado tributarista/econômico e escreve para a Revista Comércio, Indústria e Agronegócio ([email protected])

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