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Nas trincheiras entre a CLT e o regime estatutário

Por Ubiratan Reis

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Critica-se, há muitos anos, a CLT. Não por mero capricho, mas por ser do entendimento dos liberais que as normas ali previstas não são mais compatíveis com as atuais relações de emprego.

Se as tecnologias disruptivas são causa, em pequenos espaços de tempo, de enormes transformações no mercado, criando profissões que sequer se cogitava, o que dizer, então, da eficácia da CLT nascida lá em 01 de maio de 1943, em contexto sócio econômico muito diferente do atual.

Neste combate entre críticos e defensores da CLT, a artilharia defensiva sempre se utiliza de argumentos abstratos para defendê-la e, no mais das vezes, preferem utilizar classificações negativas para justificar e proteger sua linha ideológica econômica, tais como retrocesso, precarização, exploração etc.  das relações empregatícias.

Após as eleições, a posição do Governo Municipal em alterar o regime dos funcionários públicos municipais de Araraquara, da CLT para regime estatutário, ao nosso sentir, se apresentou como um ataque franco as imposições e obrigações do empregador previstas na CLT, sendo o projeto tão previsível quanto paradoxo.

Paradoxo porque a investida partiu das próprias linhas amigas, Partido dos Trabalhadores, que não apresentou esta proposta de governo na recente eleição. A maturidade pela qual o projeto é apresentado na Câmara de Vereadores de Araraquara intensifica a convicção de que o plano de alteração de regime já estava sacramentado.

Nos parece claro que, para o Chefe do Executivo municipal, as implicações advindas da CLT parecem ser o grande desafio para a administração das contas municipais em 2021, pois, se não o fosse, não haveria um açodamento para a tramitação do processo legislativo, talvez pela nova composição da Câmara. Ademais, as manifestações vindas dos funcionários públicos, dão conta da perplexidade de como o assunto foi tratado, até porque, se trata se ponto nevrálgico ao funcionalismo público.

Analisando-se a questão sob as perspectivas política, econômica e jurídica, e com a tranquilidade e imparcialidade de quem não está nas trincheiras desse embate empregatício, se a reforma estatutária tivesse origem de qualquer outro alinhamento político, que não a ala progressista, haveria um massacre sem precedentes ao seu idealizador ou de quem quer que defenda o projeto apresentado.

Ocorre que, as relações humanas são complexas demais para se resumir a análise a uma só vertente. As reflexões sobre o tema transcendem o interesse do funcionalismo público e recaem sobre a própria atuação do Estado na prestação de serviço, mormente quando se está em jogo o atendimento de serviços essenciais, tais como prestação de serviços de saúde e educação.

A CLT não impacta somente no preço cobrado pelos prestadores de serviços privado, atinge também a análise orçamentária dos Municípios, Estados e União, cabendo aos gestores públicos encontrarem formas de equilibrar as contas, em regra, adotando uma postura de diminuir os custos com a folha de pagamento ou aumentando a receita.

O cerne da discussão é mais profundo, se consubstancia em saber se a conversão do regime celetista para estatutário é essencial para o equilíbrio das contas municipais. As perguntas da ordem do dia são: O que ocorrerá se não for aprovado? E se for, como ficará a qualidade da prestação de serviços públicos municipais, considerando eventual e justificada decepção dos servidores públicos? Como ficará a relação entre os futuros funcionários municipais estatutários e os atuais celetistas?

E, para jogar gasolina nesta fogueira, não se pode esquecer que a maior fonte de receita dos municípios é a participação do ICMS, imposto devido da compra e venda de produtos e mercadoria, ou seja, a tendência é de ter menos dinheiro em caixa para o pagamento da folha de pagamento. Daí que os Governos Estadual e Municipal são responsáveis diretos e imediatos pela quebra de várias empresas, comércios e prestadores de serviço, bem como, o desemprego de milhões de brasileiros que hoje sequer podem adquirir itens básicos e essenciais, já que adotaram, como ainda adotam, medidas restritivas irracionais.

A queda de braço entre o Governo Municipal e o funcionalismo público, neste final ano, se apresenta como o início trágico de um embate que não atenderá aos anseios de nenhumas das partes, rezando para que as sequelas deste confronto não recaiam sobre a população mais carente, seja na qualidade dos serviços públicos prestados, seja por aumento da tributação municipal para minimizar o déficit orçamentário.

*Ubiratan Reis é advogado tributarista/econômico e escreve para o Portal RCIA ([email protected])

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR