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1979. A molecada soltava pipa na esquina da Imaculada Conceição com a Cristovão Colombo em frente ao bar do Seu João.
O ceguinho que vendia sardinha fazia seu anúncio acompanhado da sua esposa fiel e escudeira. A Cidinha de uma perna só, subia a Cristovão Colombo agarrada à sua muleta falando palavrão e xingando à todos, geralmente alcoolizada, cheirando à cachaça.
O Seu Zé da Carne batia de casa em casa vendendo miúdos em sua carroça, geralmente o fígado do boi ou as tripas das vacas que o pessoal chama literalmente de “dobradinha”, ele mostrava com elegância sua balança tipo gancho que usava para pesar os seus produtos, ele tinha bigode espesso e cabelo alinhado, mas era um senhor elegante de fala mansa e calma.
A molecada fazia alvoroço com a dança das pipas. O Nenão, o Serginho e o Nico sempre faziam as melhores pipas, geralmente as maiores, mais coloridas e de rabos mais compridos. Todos os meninos do bairro queriam fazer pipas iguais a eles, mas poucos tinham talento para isso, portanto, restava comprar as que eles faziam.
O horário de mais movimento da esquina era perto das onze da manhã, o sol de Araraquara estalando na cara e um calor danado, restava apenas pedir água no bar do Seu João, os que tinham mais recursos, tomavam aquele guaraná Ciomino gelado, geralmente dividiam com o copo americano ensebado e sujo, ele rodava nas mãos da molecada.
A Maria, vizinha da esquina, nesse horário passava água na calçada e a molecada aproveitava para jogar uma água no lombo para espantar o calor, afinal, ninguém era de ferro e era necessário se refrescar. De vez em quando, o senhor Paulo subia a Cristovão com seu isopor de sorvete, a sua gaita denunciava de forma fácil a sua chegada, a molecada gostava do sorvete de groselha e logo formava uma roda em torno de dele à procura do mais gostoso.
Os irmãos Barão vendiam biju, vez ou outra eles apareciam na esquina com o latão de alumínio batendo a matraca e falavam: “olha o biju”, anunciavam a plenos pulmões para todo o bairro ouvir.
Viver ali era uma festa. Tinha um pessoal que morava na quadra acima, mais próximo da rua onze, eles gostavam de jogar futebol na rua – tinham até uns golzinhos feitos de madeira e redinha, era caprichado o negócio. As peleias geralmente aconteciam na parte da tarde, perto das quatro.
O Mirão, o Jacaré, o Paulinho, o Betinho e mais alguns eram os reis do pedaço, eles escalavam o time e eram os donos da bola. O Tilim era o mais chato e quando aparecia a molecada se esquivava, ninguém queria escalar ele em seu time, geralmente ficava na reserva e de tanto demorar para entrar no jogo, pega as suas coisas e saia de fininho.
O seu Nestor português andava com o seu cigarro de palha fedorento nas mãos, usando seu chapéu de aba larga, o seu bigodinho “código de barra” engraçado era sensacional, ele falava meio enrolado e sempre apostava no jogo de bicho e logo cedo a molecada perguntava: e aí, Nestor, que bicho vai dar hoje? Capivara?. e ele respondia prontamente:
– Capivara é a sua mãe, filho da puta! Pois não existe capivara no jogo de bicho e a molecada se partia de rir na esquina.
*Por Alexandre José Pierini, escritor, professor da Uniara, apresentador do quadro Podcast na TV Uniara e colabora com o RCIA.
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