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Para além do paradoxo da necropolítica

Por Jorge Maranhão

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Já que somos uma cultura barroquista que adora figuras retóricas, entre as quais o paradoxo, identifiquemos aqui um dos mais falaciosos: o que taxa de necropolítica causas como o direito ao porte de arma, que causaria a morte descontrolada de assaltantes, de um lado, e, de outro, o direito ao aborto, que evitaria a morte de mães decorrentes de práticas abortivas clandestinas por gravidez indesejada.

Sobretudo nos meios dos grupos esquerdopatas da academia, das artes e espetáculos e da extrema imprensa oposicionista ferrenha do governo democraticamente eleito pela maioria dos cidadãos brasileiros, quando causas de direito à vida são consequência de simples concepção conservadora do valor da vida, entendida como direito fundamental na tradição judaico-cristã. O direito à vida que só pode ser efetivo com a garantia do direito à defesa da vida – entendimento que se torna imprescindível para a superação do paradoxo da alegada necropolítica.

Ao contrário da contorcionista oposição progressista, política de vida que defende a morte, como esbraveja contra o princípio lógico da não-contradição, que sempre arranja um jeito de trocar alhos por bugalhos.

Lanço, pois, aqui o desafio de mantermos a coerência lógica de escolher entre a defesa da vida e a defesa da morte, uma vez que a razão não pode abrigar duas posições que se negam e o paradoxo se torna inevitável como figura retórica ilógica, inconvincente, embora aparentemente persuasiva.

Aliás, o debate volta à baila no exato momento da fundação do novo partido conservador pelo presidente da república que defende a vida de um ser em potencial contra a causa abortista, ao mesmo tempo em que defende o direito de o cidadão se armar para defender a sua própria vida.

Nesses termos, o alegado direito feminista de decidir sobre seu corpo não pode dar à mulher o direito de sacrificar a vida de outro ser. Assim como é falaciosa a tese de que o cidadão tem de transferir incondicionalmente para o Estado a defesa de sua própria vida, impossibilitado de fazê-lo pela posse legítima e responsável de uma arma.

O que está em jogo, na verdade, é a velha pregação esquerdista sobre a relativização do direito à vida, no caso do aborto voluntário por decisão exclusiva da mulher, e no da proibição do porte de armas por decisão exclusiva do Estado.

Um Estado que falha por omissão em defender a vida por que, na verdade, concebe os cidadãos como incapazes de livre arbítrio e, portanto, passivos de serem tutelados por princípio.

Em prol da razão mais iluminista, contra as tentações das torções barroquistas do paradoxo do pensar, e também de seus correspondentes como a ironia do tratar, a farsa do representar, o quiproquó do julgar, deixemos claro: não há como se defender de fato o direito incondicional à vida sem a garantia do direito fundamental de defesa da vida, sobretudo dos que não podem ou têm limitada sua capacidade de se defender.

Trata-se tão simplesmente do pleno entendimento do instituto do direito de defesa, inato ao próprio homem. O que faz toda a diferença para se escapar desse paradoxo e superar a mentalidade barroquista do esquerdismo entranhado no imaginário brasileiro desde os tempos da redemocratização.

Pois o direito à vida simplesmente não existe, ou é mero flatus vocis, sem o direito inalienável e concreto da defesa da vida. Os que defendem o aborto são os já nascidos e estão simplesmente a impedir o mesmo direito à vida aos que ainda não nasceram. O que na verdade caracteriza tão simplesmente a mais absurda crueldade de se atentar contra a vida dos que não tem meios de se defender.

E cabe ao Estado sobretudo a missão de coibir a crueldade como mal intrínseco da natureza humana, se não nos concebemos como bons selvagens tuteláveis. A missão de, não apenas defender o direito à vida, mas de defender os que assim o fazem. E coibir todos aqueles que o relativizam e negam aos cidadãos o direito de defenderem suas vidas.

Até por que, o direito à posse de armas nada mais é do que a garantia do mesmo direito de defesa aos cidadãos que têm sido garantido ao bandidismo, sob a falácia de direitos humanos – outra falácia barroquista de predileção dos esquerdistas.

Vale lembrar que direitos são por definição humanos a menos que se queira lhes esvaziar de sentido substancial e lhes agregar um abuso de direitos sem deveres em contrapartida. Como justiça social que por definição se pratica no meio concreto da sociedade, a menos que se queira lhe agregar um ativismo político lhe esvaziando de sua natural prudência.

Pois uma arma não é apenas um instrumento de defesa da vida. Mas acima de tudo um meio de dissuasão dos que intencionam atentar contra a mesma. O resto é contorcionismo verbal de nossa longa tradição barroquista. E contra a qual, só um choque de razão, bom senso e iluminismo pode conter nos limites da clássica prudência.

* Jorge Maranhão, mestre em filosofia pela UFRJ, dirige o Instituto de Cultura de Cidadania A Voz do Cidadão e autor de “Destorcer o Brasil. De sua cultura de torções, contorções e distorções barroquistas”

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