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Singelas inquitações sobre as decisões da Justiça Trabalhista

Por Ubiratan Reis

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Em 1994, iniciava meus estudos na Escola Senai Henrique Lupo, no curso de Mecânica Geral. Concluído o curso, a primeira oportunidade de trabalho em usinagem foi em um torno mecânico revólver e, de lá para cá, no ambiente de trabalho de chão de fábrica, as narrativas e as de sempre foram no sentido de que se deveriam melhorar as condições de trabalho, que o empregador é um explorador desumano, etc.

Na academia (Curso de Direito), de igual ou maior intensidade, os ensinamentos jurídicos são no sentido de que a Justiça Trabalhista deveria proteger o lado mais vulnerável da relação de trabalho, o empregado, devendo, por uma questão de justiça social, impor ao empregador as obrigações mínimas de remuneração digna e segurança do trabalho.

Dito isto, observa-se que a Justiça Trabalhista mineira, especificamente a Vara de Três Corações, reconheceu como acidente de trabalho a morte por Covid-19 do motorista de uma transportadora, condenando a empresa empregadora ao pagamento, em favor da viúva e filha, o valor total de R$ 200 mil a título de ressarcimento por danos morais, bem como a indenização por danos materiais em forma de pensão.

Se adentrar ao mérito jurídico, busca-se aqui, estimular as reflexões sobre os efeitos desta decisão, como por exemplo, será que a família de um funcionário falecido em decorrência da Covid-19 de uma micro empresa também conseguiria receber uma indenização de R$ 200 mil? Ou será que o valor da vida de um funcionário deve ser medida pela capacidade econômica da empregadora?

Como é de conhecimento, os Estados e os Municípios apresentam várias dívidas de natureza trabalhista, não sendo diferente aqui na Morada do Sol e, trazendo o caso para nossa realidade araraquarense, será que a Prefeitura de Araraquara deveria suportar indenizações de R$ 200 mil por cada funcionária pública vitimada pela Covid-19?

E no caso das mortes dos desempregados, profissionais liberais, empresários etc., a família destes ficam a ver navios?

Retornando-se ao caso de Três Corações, transcrevo parte da notícia oficial do TRT da 3ª Região: “Segundo o magistrado, a adoção da teoria da responsabilização objetiva, no caso, é inteiramente pertinente, pois advém do dever de assumir o risco por eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante a pandemia do coronavírus. Na visão do juiz, o motorista ficou suscetível à contaminação nas instalações sanitárias, muitas vezes precárias, existentes nos pontos de parada, nos pátios de carregamento dos colaboradores e clientes e, ainda, na sede ou filiais da empresa.”

Diante deste contexto, como ficaria a responsabilidade do empregador de serviço essencial como alimentação e saúde (supermercados, padarias, farmácias, clínicas, hospitais etc.), onde seus funcionários são obrigados a ingressar em transportes públicos lotados, muitas das vezes sem a mínimas condições? A responsabilidade por eventual contaminação do funcionário é do empregador por ter que atender as necessidades básicas da população ou é do poder público que não consegue fornecer transporte público seguro?

O tema é delicado e provoca muito mais perguntas, inquietações e desafios do que, necessariamente deveria ser, a busca pela pacificação nas relações trabalhistas. Cada decisão judicial em geral, seja ela trabalhista, tributária, empresarial, desencadeia uma série de comportamentos que não se restringem somente as partes do processo, mas a todos que de alguma forma tem interesse no que está sendo decidido pelo Poder Judiciário.

Uma coisa é certa, novas reclamações trabalhistas estão por vir.

*Ubiratan Reis é advogado tributarista/econômico e escreve para o Portal RCIA ([email protected])

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do RCIARARAQUARA.COM.BR