É incrível a multidão, em todo país, no último dia 12 de outubro, comemorado como o dia das crianças, mas tradicionalmente como sendo o dia da Padroeira do Brasil, a única santa preta no Brasil e, penso, no mundo.
Num país laico como o Brasil, é preciso respeitar todas as crenças religiosas. A maioria da população brasileira se identifica como membro da religião católica. Para eles a mãe de Jesus Cristo é que faz curas milagrosas, e livra as pessoas dos problemas sociais e econômicos os quais as afetam diariamente, como desemprego, fome, endividamento, e outras consequências da pandemia da Covid-19.
Conta a história, amplamente divulgada aos visitantes do Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, que a imagem de uma mulher “supostamente preta” foi encontrada por pescadores no Rio Paraíba do Sul, num dos dias do ano de 1717. Continua revelando a história que a partir do encontro da imagem, eles fizeram a maior pescaria da história da cidade, pegando muitos peixes. Em 1717 a população afrodescendente ainda estava, legalmente, na condição de escrava, já que a “abolição” ocorreu no ano de 1888.
Visitaram a Basílica em Aparecida do Norte, milhares de pessoas, dentre eles o presidente Bolsonaro. No sermão da denominada missa especial, o arcebispo dom Orlando Brandes pediu proteção à vida, defendendo a proteção da Amazônia. Disse que “para ser pátria amada, não pode ser pátria armada”, e criticou as “fakes News”. Ficou evidente que o sermão foi direcionado para o governo Bolsonaro.
É contraditório ver que enquanto milhões de católicos pedem e agradecem graças a “Nossa Senhora Aparecida”, a mãe negra, padroeira, cotidianamente são coniventes com fatos racistas. Números demonstram traços do racismo estrutural no Brasil, como por exemplo o fato de no Rio de Janeiro, em 2019, termos tido um crescimento violento de mortos em intervenções militares, sendo 78% dos mortos pretos e pardos. Isso não é preconceito ou racismo?
Por outro lado, sendo a padroeira tão adorada, uma “santa” feminina, como aceitar que no nosso país, no ano de 2020, tenhamos tido 105 mil denúncias de violência contra as mulheres. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve um aumento de 22% em casos de feminicídio em 12 estados brasileiros nos anos de 2019 e 2020, quando comparado com os anos anteriores.
Por dia, segundo dados da Rede de Observatório da Segurança, denunciaram que, no ano de 2020, pelo menos cinco mulheres foram assassinadas, ou vítimas de violência. A Rede informa que, também no ano de 2020, o crime de feminicídio entrou na terceira posição do ranking de eventos monitorados pela entidade.
Um dos exemplos de machismo estrutural, foi o episódio ocorrido durante uma audiência virtual referente a uma ação judicial contra um marido, pelo não pagamento de pensão alimentícia. Durante a sessão o juiz Rodrigo de Azevedo Costa, de uma das varas de família em São Paulo, fez piada com a Lei Maria da Penha. Com agressões contra a mulher disse: “Se tem lei Maria da Penha contra mãe, eu não ´tô´ nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça”.
As religiões presentes no Brasil, têm a questão racial como um estigma que não pode deixar de ser refletido. Penso que é preciso cobrar a presença e o papel dos negros nas suas estruturas. É possível ver o embranquecimento das imagens que, dizem, representam as divindades por elas cultuadas, refletindo o racismo estrutural. Eu só conheço as imagens da padroeira do Brasil e o São Benedito, santo siciliano descendente de africanos escravizados na Etiópia. Penso, no entanto, que a salvação e a curavêm de Jesus Cristo, e não da religiosidade e idolatria. Aprendi que o tempo do espírito santo de Deus é o nosso corpo (1º Carta de Paulo Cor: 6:19-20)
No entanto, apesar de conviver com um Governo claramente racista e machista, ainda acredito que um dia a maioria da população brasileira terá formação educacional e cultural de qualidade o suficiente para ter visão crítica sobre a nossa convivência em sociedade.
(*) Walter Miranda é presidente do Sindifisco-Nacional/Delegacia Sindical de Araraquara, direto do SINSPREV-Sindicato dos Trabalhadores nos Serviços Públicos de Saúde, Previdência e Assistência Social do Estado de São Paulo, e militante da CSP Conlutas – Central Sindical e Popular.
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