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Médico araraquarense relata “apocalipse dentro dos hospitais”

"Em relação à minha classe médica, menos de 5% estão nessa linha de frente e este número se reduz a cada dia por mortes ou afastamentos por transtornos de depressão e ansiedade. As pessoas não sabem, não têm a mínima ideia do que estamos passando", desabafa o cardiologista Said Assaf

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Após mais um plantão de 36 horas, rotina que segue desde o início da pandemia, há um ano, o médico cardiologista Said Assaf, que está na linha de frente do combate ao coronavírus, desabafou nas redes sociais no último domingo. Confira este emocionante relato de quem vive de perto os impactos da covid-19 em Araraquara.

O médico Said Assaf, que está na linha de frente do combate à covid-19 em Araraquara

“Saindo agora após 36 horas de plantão e terei mais 12 horas a cumprir esta noite. Esgotado, provavelmente não conseguirei mais uma vez ficar com as minhas filhas, pois estou cansado. Assim estão todos da linha de frente, há mais de um ano. Os mesmos se revezando nos plantões desgastantes fisicamente e psicologicamente, impossível fazer trocas, impossível achar mais alguém que possa entrar nas escalas.

Em relação à minha classe médica, menos de 5% estão nessa linha de frente e este número se reduz a cada dia por mortes ou afastamentos por transtornos de depressão e ansiedade. As pessoas não sabem, não têm a mínima ideia do que estamos passando.

É triste sair de um plantão e ir para outro e deparar com filas e mais filas de carros aguardando a abertura de supermercados, filas e mais filas em drive-thru de fast food. Como se o apocalipse só estivesse chegando para estas pessoas.

É triste ainda ter gente que apoia e acredita mais em um político que blasfema a classe dos profissionais de saúde. Que ao invés de discursar e incentivar a linha de frente no mínimo entrando em um hospital, prefere vomitar absurdos sobre o não usar máscaras, o não incentivo e apoio a vacinação. Uma pessoa que incentiva você a sair de casa para morrer e não tem a capacidade de chamar para si a responsabilidade de propiciar uma renda para aqueles que vivem do comércio ou de atividades outras paradas. Sempre culpando e transferindo para os outros suas próprias atrocidades.

Já disse antes e continuo a afirmar, quando você ou alguém da sua família estiver em um leito de UTI você dará valor aos profissionais que ali estão, dará mais valor à vida do que ao dinheiro. Não tem preço que pague uma última chance com os seus entes queridos e falo isso por experiência própria.

Àqueles que me criticam por me manifestar politicamente, saibam que além de ter recebido a educação política em casa, acredito que um médico que não se manifesta em uma situação como esta, mesmo que sendo do lado contrário, é um covarde.

Fiquem em casa, fiquem bem. Aproveitem, pois nós da linha de frente quando estamos em casa não conseguimos nos desligar sequer um segundo do apocalipse dentro dos hospitais.

E, por fim, não tenham pena de nós. Eu como todos os outros poucos que estão há um ano na linha de frente temos a honra de estar nela. Tenho orgulho de se possível daqui há 10 anos contar para minhas filhas que pertenci ao grupo dos verdadeiros heróis desta nação.”