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Química Araraquara desenvolve sistema de baixo custo para detectar formol em leite e cosméticos

Resultado da pesquisa de Gabriel Piassalonga, do Instituto de Química de Araraquara, o projeto que utiliza impressão em 3D reduziu a complexidade e barateou o método tradicional utilizado pelo Ministério da Agricultura

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Gabriel defendeu sua dissertação em 30 de janeiro, acompanhado de seu orientador, Paulo Clairmont F. de Lima Gomes, e José Anchieta Gomes Neto, do IQ, além de Josias de Oliveira Merib, da UFCSPA

A presença de formaldeído no leite longa vida, uma substância química prejudicial à saúde, ocasionalmente ganha destaque na imprensa, gerando indignação e desconfiança entre os consumidores. A substância, mais conhecida como formol, é adicionada de maneira criminosa para prolongar a validade ou mascarar a deterioração do produto. A detecção de sua presença é feita pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) através de análises que seguem uma metodologia certificada internacionalmente. Essa metodologia, porém, é complexa, demanda várias etapas e é custosa, segundo o professor Paulo Clairmont F. de Lima Gomes, do Instituto de Química (IQ) da Unesp, em Araraquara. 

 Buscando tornar essa detecção mais acessível e eficiente, o pesquisador Gabriel Baroffaldi Piassalonga desenvolveu, em sua pesquisa de mestrado no IQ, um sistema mais simples e barato baseado em impressão 3D para determinar a presença de formol no leite e em cosméticos.

“Além de interferir negativamente no valor nutritivo do leite, o formol é extremamente danoso à saúde humana, se ingerido, inalado ou em contato com a pele. Ele é um produto considerado cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (Iarc)”, explica o pesquisador.

Sob o título “Desenvolvimento de sistemas de baixo custo utilizando impressão 3D para determinação de formaldeído em amostras de leite e cosméticos”, a pesquisa, que foi orientada pelo professor Paulo, também teve como foco a detecção de formol em amostras de cosméticos.

“Muitos cosméticos são à base de água, o que favorece a proliferação de fungos e bactérias. Nestes casos, substâncias liberadoras de formaldeído são adicionadas e atuam como conservantes para evitar a contaminação”, explica Gabriel.

Entretanto, em muitos casos, a presença de formol em cosméticos não é resultado de uma adição intencional. Ocorre que alguns conservantes, ao se degradarem, liberam formaldeído como subproduto, um fenômeno bastante comum, de acordo com os pesquisadores. E, embora seja proibido no leite, a presença do formol é permitida pela Anvisa em cosméticos, porém em quantidades restritas: 

até 0,1% em produtos de higiene oral;

0,2% em produtos de higiene não oral;

até 5% em esmaltes com endurecedor de unhas.

Estrutura impressa em 3D que permitiu o preparo da amostra em pequenas quantidades

COMO O SISTEMA FOI DESENVOLVIDO

Os pesquisadores utilizaram a impressão 3D para desenvolver um dispositivo de análise que permite detectar formaldeído em pequenas amostras de leite e cosméticos, diferentemente dos métodos tradicionais utilizados pelo MAPA, que exigem grandes volumes de material. 

De acordo com eles, a estrutura impressa em 3D possibilita o preparo da amostra em quantidades reduzidas, tornando o processo mais eficiente e prático.

“Hoje conseguimos criar suportes e sensores rapidamente, sem depender de vidreiros ou torneiros mecânicos. Isso acelera o desenvolvimento de novas metodologias e facilita a produção de sensores acessíveis para a sociedade”, conclui o professor Paulo.

O funcionamento do sistema ocorre da seguinte forma: o formaldeído evapora e atravessa uma membrana de PTFE (politetrafluoretileno), material conhecido como teflon. Em seguida, um reagente é adicionado, provocando uma reação química que gera uma coloração amarela, cuja intensidade está diretamente relacionada à concentração da substância na amostra.

Na etapa final, a amostra é transferida para uma cubeta de quartzo (imagem abaixo) e analisada por um fotômetro, equipamento que quantifica o formaldeído com base na intensidade da cor gerada. Quanto mais intensa a coloração, maior a concentração da substância. Isso acontece porque o formaldeído reage com certas substâncias químicas, formando um composto colorido que absorve parte da luz emitida por um LED. 

“A determinação do formaldeído já é feita por outras técnicas, mas são muito mais caras. Essa é a primeira vez que a análise é realizada dessa forma, utilizando um sistema impresso em 3D”, explica Gabriel.

Cubeta de quartzo utilizada para a análise da amostra no fotômetro

Além de tornar o processo mais acessível, a pesquisa teve um foco na sustentabilidade. Segundo o professor Paulo, a proposta foi reduzir o consumo de reagentes agressivos ao meio ambiente e minimizar custos de fabricação. “Nosso objetivo foi desenvolver um método de baixo custo e impacto ambiental reduzido. Fizemos uma avaliação da sustentabilidade desse sistema, buscando alternativas mais seguras e acessíveis”, destaca.

A ideia, segundo os pesquisadores, é que no futuro esse tipo de análise possa ser feito de forma descentralizada, talvez até por consumidores comuns. “Assim como hoje existem testes para medir o nível de cloro em piscinas, esse sistema poderia, no futuro, permitir que os próprios usuários detectem substâncias como o formaldeído em cosméticos e outros produtos”, comenta o professor.

Seleção das amostras – Para garantir a confiabilidade dos testes, os pesquisadores analisaram diferentes amostras de leite e cosméticos. “O leite foi comprado diretamente no supermercado. Escolhi uma única marca que oferecesse variações do produto, como integral, desnatado e semidesnatado”, explica Gabriel.

Já para os cosméticos, a equipe seguiu um procedimento semelhante, adquirindo cremes, esmaltes e outros produtos em uma loja especializada.

“Optamos por testar também esmaltes infantis, pois há uma preocupação especial com a segurança desses produtos. No caso dos cremes capilares, analisamos várias amostras, mas a maioria não apresentou formaldeído. Apenas um dos produtos testados teve resultado positivo, e foi nele que concentramos a investigação”, acrescenta o pesquisador.

Nos testes com leite, nenhuma amostra apresentou traços de formaldeído. Para validar o método, os pesquisadores adulteraram propositalmente algumas amostras, simulando contaminações para testar a eficiência do sistema. Já nos cosméticos, a presença de formol foi detectável, mas dentro dos limites estabelecidos pela legislação.

Desafios e perspectivas – Um dos desafios enfrentados no desenvolvimento da pesquisa foi evitar a contaminação das amostras, já que o formaldeído é encontrado em diversos materiais do dia a dia, como móveis planejados, cuja resina contém a substância. “Foi preciso tomar muito cuidado para garantir que a detecção fosse precisa e não influenciada por outros fatores.  Por exemplo, utilizamos filamentos de impressão 3D que não são contaminantes, embora materiais desse tipo possam, em alguns casos, representar uma fonte de interferência. Além disso, mantivemos o laboratório bem ventilado”, explica Piassalonga.

Fotômetro utilizado na pesquisa para quantificação do formaldeído com base na absorção da luz pela amostra

Patente e possibilidades futuras – Os pesquisadores pretendem patentear o sistema, mas em um modelo Creative Commons (cc), permitindo que a tecnologia fique acessível à sociedade e possa ser aprimorada por outros pesquisadores. “Não queremos restringir o uso da inovação, mas sim permitir que ela seja expandida e melhorada”, finaliza o professor.

Para saber mais –  De acordo com a assessoria de imprensa do MAPA, os testes para leites longa vida são realizados por meio do Programa de Avaliação de Conformidade de Produtos de Origem Animal Comestíveis (PACPOA), do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. As amostras são coletadas pelos servidores públicos do Serviço de Inspeção Federal, os quais recebem previamente um plano de amostragem definido anualmente, considerando a avaliação dos resultados observados nos anos anteriores. As análises são realizadas pelos Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária e os resultados são expressos e divulgados todos os anos por meio do Anuário dos Programas de Controle de Alimentos de Origem Animal do DIPOA, disponível no site do Mapa: gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/inspecao/produtos-animal/analises-laboratoriais-anuarios-programas.

Quando análises não conformes ocorrem, são realizadas medidas cautelares, como apreensão de produtos, suspensão do processo de fabricação, interdição do estabelecimento, além de medidas administrativas cabíveis, como o auto de infração.