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Há exatos 50 anos The Rolling Stones curtiam suas férias em Matão

A visita de dois Rolling Stones que ficaram 17 dias passarelando entre Matão e Araraquara, em busca de paz está completando nos meses de janeiro e fevereiro meio século de existência. Mick Jagger e Keith Richards também descobriram um mundo novo em Araraquara, indo de sorvete no Kawakami à rituais em centro de umbanda. Em 2014 a passagem dos Rolling Stones por aqui se transformou em um TCC – Trabalho de Conclusão de Curso (jornalismo) da Uniara.

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A maneira de Mike Jagger e Keith Richards se vestirem na época

Rádio Cultura, 7 de janeiro de 1969. Era uma terça-feira, pouco mais das 14h. Eu estava começando o programa “RC Especial” pelo AM, na época em que o FM era simplesmente um sonho. Antônio Carlos Rodrigues dos Santos, que mantinha o programa Beatlemania (17h), passa pela porta elétrica que separava a recepção do auditório e estúdio da emissora: “Ivan, o Carminho Tucci está indo para Matão fotografar os Rolling Stones. Eles estão lá”.

Tucci, além do foto que mantinha com seu pai – “seo Cármine” na Rua São Bento, fazia as coberturas fotográficas para O Diário da Araraquarense e a Folha de São Paulo. Fomos então, um dos primeiros a dar a notícia da visita do vocalista Mick Jagger e do guitarrista Keith Richards, a Matão.

Junto com Carminho Tucci naquela tarde seguiu Ricardo Simões, que durante bom tempo atuou como comunicador na rádio; os dois, relembra Tucci, para fazer as fotos enviadas depois para a Folha em forma de negativo, tiveram que invadir uma cerca e fugir do esquema de segurança.

A pacata Matão dos anos 60 não pensava que eram os Stones, pois a Fazenda dos Ingleses recebia muita gente do exterior

Em Araraquara, Jagger e seu novo relacionamento, a atriz Marianne Faithfull  (e o filho Nicholas, do casamento com o galerista John Dunbar) e acompanhados do casal Keith Richards e Anita Pallenberg, tomaram sorvete na Kawakami e circularam alguns dias depois por terreiros de umbanda em busca de novidades para suas músicas (acordes vindos do ritmo afro). Na época um dos centros mais visitados era a Tenda de Umbanda Pai João Boiadeiro, da mãe de Santo, Ana Domingues.

Em outubro de 1968, os dois casais já tinham passado por Marraquexe com o mesmo objetivo: buscar sons, cheiros e cores. Dois meses depois (dezembro), vinte dias antes de viajar para o Brasil, Marianne participou da gravação do lendário The Rolling Stones Rock and Roll Circus, cantando “Something Better”.

No Brasil, Richards e Anita estariam se escondendo de Brian Jones, o baterista da banda encontrado morto na piscina seis meses depois (julho de 1969). Um mês antes. junho, ele havia sido desligado da banda que ele mesmo fundou e convidara Jagger e Richards para fazer parte.

ERA UM BANDO DE LOUCOS

Anita e Richards

Tudo começou com a tumultuada fase que a banda estava passando na Inglaterra. O verdadeiro motivo pelo qual eles vieram até nosso país variava entre a morte do guitarrista Brian Jones, afogado numa piscina, e as supostas acusações de satanismo devido à recente música gravada “Sympathy For The Devil” (simpatia pelo diabo). A primeira hipótese pode-se dizer descartada pois as biografias confirmam que o guitarrista morreu em julho de 1969.

Pouco se fala, no entanto que o motivo da viagem teria ocorrido diante do envolvimento romântico da modelo Anita Pallenberg com Brian Jones, que ela conheceu em 1965. Dois anos depois, numa viagem a caminho de Marraquexe, no Marrocos, Brian Jones viria a adoecer, ficando pelo caminho, e Richards e Anita, que com ele seguiam viagem, acabaram por se envolver.

Diz-se que quando Jones chegou finalmente a Marraquexe, Anita e Richards haviam fugido. Richards voltou para a gravação do lendário The Rolling Stones Rock and Roll Circus (11 de dezembro de 1968) convencendo a Mick Jagger (ambos tinham a mesma idade) para viajar ao Brasil. Fora do grupo a partir de junho (69) e sem a mulher Anita, Brian Jones apareceu morto na piscina no mês seguinte.

O contato com o banqueiro brasileiro Walter Moreira Sales, na época proprietário da Fazenda Boa Vista ou Fazenda dos Ingleses, em Matão, serviu então como uma “válvula de escape” para Richards e Jagger e favoreceu a vinda dos roqueiros ao Brasil.

Nicolas, a mãe Marianne Nicolas e Mick Jagger

Desembarcaram no Rio de Janeiro e logo vieram para Matão. A matonense Fátima Labataglia, ainda adolescente naquela época, foi uma das poucas pessoas que tiveram o privilégio de ver a banda. “Vi saindo de um jipe dois sujeitos (Jagger e Richards) vestidos com túnica que chegava aos tornozelos. Sujos, cabelos compridos e um deles com uma mochila nas costas, provavelmente carregando algum instrumento musical”.

Na hora pensou se tratar de mendigos, mas quando começaram a falar em inglês já desconfiou que fossem convidados da fazenda, pois naquela época muitos ingleses visitavam as redondezas. “Sabia que eram convidados da fazenda, mas nem desconfiava que fossem os Rolling Stones. Naquele tempo pouco ouvia se falar da banda em nossa região e, além disso, eu gostava mesmo era de Beatles e Elvis Presley”, conta.

Junto com o vocalista Mick Jagger e o guitarrista Keith Richards, desembarcaram também Marianne Faithfull, namorada de Jagger e o filho dela, Nicholas e Anita, namorada de Richards.

Wanderley Zanoni, matonense, trabalhava na fazenda. Sempre se encarregava de entregar os jornais todas as manhãs à trupe. “Eu soube que eram os Rolling Stones porque vi num jornal do Rio de Janeiro uma foto deles publicada pouco antes deles virem para Matão”.

Wanderley Zanoni, o “jornaleiro dos Stones”, levava os principais jornais do Brasil a Mick Jagger e Keith Richards na Fazenda Boa Vista durante o tempo que passaram em Matão. Ele era uma das poucas pessoas que tinha acesso aos dois ícones do rock. Além de levar os jornais, trabalhava no escritório da fazenda. Zanoni conta no documentário os hábitos dos Stones e algumas histórias sobre a visita

Marianne sabia falar um pouco de português e sempre esperava Zanoni ansiosa na varanda da casa para receber os jornais e atrás dela, quase fora da casa, Jagger e Richards. Além de buscar informações do que acontecia na Inglaterra, eles queriam saber se a vinda para o interior paulista não havia sido percebido pela mídia.

“Quando eu entregava o jornal ela sempre me recebia apenas com um penhoar e sem nada por baixo. Naquela época não víamos nem nossa mãe sem roupa, quanto mais uma pessoa estranha”, diz sorrindo Zanoni.

Segundo ele, logo pela manhã era possível ouvir os músicos tocando e cantando. “Para falar a verdade era muito melhor a voz deles daquele jeito, sem microfone algum”.

O TEMPO NÃO VAI APAGAR A HISTÓRIA

Vizinha da Fazenda Boa Vista em 1969, Rosely Scutti chegou a acampar em frente ao local que Mick Jagger e Keith Richards ficaram hospedados durante a passagem dos integrantes da banda pela cidade de Matão

A visita dos roqueiros a Matão não passou tão despercebida quanto planejaram e dias depois começaram a aglomerar pessoas na frente da casa apenas para vê-los sair no jardim. Tentativas frustradas. “Um jornal da região me ofereceu dinheiro para que eu entregasse o jornal um pouco mais longe da casa, para que eles tivessem que sair e, assim, serem fotografados”, afirma Wanderley Zanoni.

A estadia na fazenda foi acompanhada de perto pelos caseiros Paulo Viziolli e Joana, excelente cozinheira que preparava pratos à base de batatas, a pedido de Jagger. A retribuição do rockstar era com simpatia. Todas as manhãs dava um sonoro “bom dia”, em português, para a caseira.

Durante o dia usavam a piscina da casa e, sem pudor, expunham os corpos como vieram ao mundo. Também frequentavam a sorveteria existente no centro de Matão.

José Roberto Siqueira foi o sanfoneiro de Mick Jagger e Keith Richards durante uma festa que a dupla organizou na Fazenda Boa Vista, em Matão. Os Stones queriam um sanfoneiro para criar um clima de festa junina. A sanfona que Siqueira traz consigo até hoje é a mesma que foi usada na ocasião, há 50 anos.

José Roberto Siqueira foi o sanfoneiro de Mick Jagger e Keith Richards durante uma festa que a dupla organizou na Fazenda Boa Vista, em Matão. Os Stones queriam um sanfoneiro para criar um clima de festa junina. A sanfona que Siqueira traz consigo até hoje é a mesma que foi usada na ocasião, há 50 anos.

 Já no período da noite se divertiam soltando fogos de artifícios. Vez e outra iam para a cidade comprá-los. Tudo regado a muita cerveja, mas com um detalhe: em lata. Naquela época ainda não se fabricava cervejas em lata no Brasil, portanto, eles trouxeram do exterior.

Também no período noturno, aconteciam as cenas que os matonenses julgavam ser as mais misteriosas da banda. Durante o jantar apagavam todas as luzes e deixavam apenas velas ao redor da mesa, além de espalhá-las ao redor da piscina. O fato ganhou forte indício de rituais a partir do momento em que a banda decidiu conhecer terreiros de umbanda em Araraquara, aproveitando para tomar sorvete na Sorveteria Kawakami.

Outro mistério eram as supostas gravações que a banda fez com músicas compostas na fazenda. Duas delas seriam “Honky Tonk Women” e “Country Honk” e, segundo declarações de Richards à revista “Rolling Stone”, eles as compuseram numa fazenda, com cavalos imponentes, longe de tudo, como se estivessem no Arizona. As músicas atingiram o primeiro lugar das rádios de todo o mundo e se sagraram como duas das mais famosas da banda.

A estadia dos roqueiros em Matão durou 17 dias. Tempo suficiente para ficar marcado na história da banda, do Brasil e, principalmente, da cidade. Dias que jamais foram esquecidos por aqueles que naquela época tiveram o privilégio de ver uma das maiores bandas do mundo.

AS TRAGÉDIAS QUE VIERAM DEPOIS

A música “Honky Tonk Women”, lançada inicialmente com o nome “Country Honk” no álbum Let it Bleed, de 1969, foi escrita por Mick Jagger e Keith Richards durante suas férias na Fazenda Boa Vista, em Matão. No livro “Vida”, Richards conta que compôs a música sentado na varanda da fazenda como um caubói, simulando que estava no Texas.

Wanderley Zanoni, quem mais conviveu com os Stones no Brasil, bem que gostaria de saber o fim de tudo isso… Pois bem, o romance de Marianne com Mick Jagger terminou em maio de 1970, um ano depois de estar em Matão; no mesmo ano Marianne perdeu a guarda de seu filho Nicholas, tendo por isso buscado o suicídio. Daí para frente, sua vida pessoal entrou em colapso e a carreira de cantora e atriz foi praticamente interrompida. Parecia que aquele anjo, visto diariamente por Wanderley Zanoni, o caseiro da Fazenda Boa Vista, agora estava vivendo no inferno. Ela levaria anos para se restabelecer. Chegou a viver dois anos perambulando pelas ruas do Soho, em Londres, dependente de heroína e sofrendo de anorexia nervosa. Seus amigos tentaram levá-la para reabilitação várias vezes. Durante os anos 70 ela fez poucas aparições. A mais memorável delas foi cantando “I Got You Babe” com David Bowie, na NBC, em 1973. Mas ainda levaria alguns anos para voltar à música plenamente. Ela também apareceu, como Lilith, no filme experimental de Kenneth Anger Lucifer Rising (completado em 1972, mas só estreado oito anos depois).

The Rolling Stones em 1969

Atualmente, Marianne Faithfull vive em Paris e está gravando um novo álbum de material inédito, mas o trabalho foi em interrompido devido a problemas de saúde, em julho de 2013.

Já Richards e Anita permaneceram juntos, com idas e voltas, devido à sua relação tumultuosa, até 1980, embora nunca se tenham casado. O par viria a ter três filhos: Marlon, Angela e Tara, que morreria no berço dez semanas depois de ter nascido.

Assim, termina uma história acompanhada pelos “sessentões de hoje” e impossível de ter os mesmos protagonistas. Na metade do caminho, Jagger teve um filho com a brasileira Luciana Gimenez.

Grupo que pesquisou os Rolling Stones para o TCC: Diego Gibertoni, Gianfrancesco Bariani, Rafael Zocco de Camargo, Fernanda Vilela e Matheus Carvalho. A pessoa ao fundo é um amigo dos formandos.