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60 anos do IQ: ex-aluno cria graffiti em homenagem ao Instituto

Luís Sniffo falou sobre a importância da Unesp para sua trajetória como artista

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Obra de Sniffo estampa as instalações do IQ. Foto: Henrique Fontes

Engana-se quem pensa que ciência e arte não podem andar juntas. Luís Henrique Sniffo, químico formado em 2014 pelo Instituto de Química da Unesp (IQ), em Araraquara, atualmente é grafiteiro e, oito anos após concluir sua graduação, decidiu retornar ao local onde conquistou seu diploma universitário para criar um graffiti em homenagem aos 60 anos da Instituição, completados em 2021. “Eu estava no IQ quando comemoraram os 50 anos e, agora, ser convidado para fazer parte dessa data é muito gratificante”, comenta o artista.

Sniffo conta que a obra em homenagem ao Instituto busca misturar figuras da ciência com representações da criatividade e do pensamento. “Eu fiz uma cabeça de perfil que está repartida e de dentro dela saem as ideias. Também desenhei um planeta terra, alguns orbitais moleculares e elementos que remetem à ciência. Tem toda uma metáfora química, mas é para as pessoas olharem e terem uma interpretação livre. Eu busquei propor algo lúdico para destoar de toda seriedade do Instituto”, revela.

Graffiti mistura figuras da ciência com elementos da criatividade. Foto: Henrique Fontes

Filho de pais matemáticos e irmão de duas farmacêuticas também formadas pela Unesp, o ex-aluno do IQ diz que arte e ciência sempre estiveram presentes na vida de sua família. Sua mãe gostava de pintar, as irmãs são bailarinas, enquanto seu pai tem como hobby a percussão. “Desde criança sempre fui muito interessado em desenho e imagens. Aqui na minha casa a gente tem uma cultura artística muito evidente”. Ele conta que o primeiro contato com a arte urbana aconteceu ainda na juventude: “Na adolescência, veio a pichação, que é um movimento muito comum nos centros urbanos. Isso foi no início dos anos 2000, momento em que o piche tinha muita influência no Brasil. Foi a partir daí que ingressei no mundo de pintar na rua”, lembra.

Em 2004, passou a fazer oficinas gratuitas de graffiti na casa do Hip Hop, instituição pública de Campinas, sua cidade natal. Embora a experiência tenha marcado Sniffo e seu gosto por grafitar só aumentasse, ser artista ainda não era opção para ele: “Eu gostava muito, porém não via a arte como profissão. Eu sempre tive vontade de ser cientista, mas, no fim das contas, até que não são campos tão distantes, pois a criatividade está em todos os meios”, diz. Poucos anos depois, em 2007, uma nova fase de sua vida interrompeu temporariamente o trabalho com o graffiti. Ele foi aprovado no curso de licenciatura em química do IQ e se mudou para Araraquara.

Artista ingressou no IQ em 2007 para cursar Licenciatura em Química. Foto: Henrique Fontes

O artista foi morar em uma república com mais oito pessoas, experiência que foi fundamental para que sua trajetória acadêmica fosse além da sala de aula. Com o apoio dos colegas, o químico participou de diversos projetos de extensão e de pesquisa: foi orientado pelo professor Sidney Ribeiro e recebeu duas bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para desenvolver pesquisas no Laboratório de Materiais Fotônicos, entre 2007 e 2008; fez parte, de 2008 a 2014, dos projetos “Ciência Viva” e “Ciência vai à escola”, do Centro de Ciências de Araraquara (CCA); e, posteriormente, de 2010 a 2014, foi bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), em que participava de projetos de ensino de química.

“Eu levei sete anos e meio para terminar o curso, um período extenso, mas no qual pude aproveitar tudo o que é oferecido pela Universidade, desde projetos em geral, iniciação científica, atividades de extensão, participação no diretório acadêmico, empresa júnior, etc”. A partir do terceiro ano de curso no IQ, Sniffo voltou a fazer intervenções artísticas na rua e passou a conciliar o graffiti com a graduação em química. Um dos grandes encontros entre as duas áreas ocorreu durante uma disciplina de produção de pigmentos. Ao final da aula, os alunos puderam utilizar as tintas para pintar algumas telas. Foi quando o químico resolveu aproveitar a oportunidade para representar o rosto do cantor Chico Buarque. “Eu gosto de ciência e, principalmente, de química. É algo que me faz ter uma visão artística muito ampla. Acho que, se não fosse a química, eu não estaria na arte. Faz parte do meu percurso enquanto indivíduo. Hoje em dia eu não trabalho com isso, mas sem dúvida era esse o curso que eu realmente deveria ter feito”, afirma.

Ex-aluno do Instituto costuma retratar rostos de pessoas negras em suas obras. Foto: Luís Henrique Sniffo

Movimento Hip Hop – O movimento Hip Hop nasceu na década de 1970 nos subúrbios de Nova York como forma de expressão artística e resistência da população daquela região, majoritariamente negra, que era exposta a problemas sociais como pobreza, racismo, violência e falta de infraestrutura de lazer e educação. Além da música, representada pelo rap, o movimento é composto pela dança urbana, chamada break, e pelo graffiti. No Brasil, a cultura Hip Hop chegou no início da década de 1980 e, com isso, o graffiti e a pichação começaram a ocupar os espaços públicos. A quebra de paradigma que houve nos anos 2000 em relação ao hip hop e, consequentemente, ao graffiti, tornou o movimento cada vez mais forte, o que fez com que Sniffo enxergasse uma demanda comercial para a prestação de serviços artísticos.

Sniffo disse que, se não fosse a química, ele não estaria na arte. Foto: Luís Henrique Sniffo

Em suas obras, ele costuma retratar rostos com o intuito de dialogar e gerar uma identificação com os pedestres. “Eu pinto pessoas negras, que é a população mais violada da humanidade, principalmente no Brasil, um país negro e racista ao mesmo tempo. Foco principalmente em retratar as mulheres negras, que sofrem ainda mais com os abusos em geral”, explica. Hoje em dia o artista trabalha com a criação de artes para instituições públicas e privadas, além de participar de editais estaduais e federais. Em 2018, ele teve um projeto de oficinas de graffiti aceito pelo Programa de Ação Cultural (Proac), iniciativa de incentivo à cultura do Estado de São Paulo, onde trabalhou com a educação artística de 120 jovens e adolescentes em Campinas, Praia Grande e Guarujá. Recentemente, Luís foi aprovado para cursar o último ano do curso de Artes Plásticas na Université Paul Valley Montpellier 3, na França, onde passará os próximos 12 meses estudando.

Por Rebecca Crepaldi