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Araraquara e a Revolução de 31 de Março de 1964. A nossa cidade era assim, 60 anos atrás.

60 anos depois, pequenas lembranças dentro de um relato do que teria ocorrido em Araraquara no chamado período da ditadura militar, onde o exército brasileiro – com ajuda dos Estados Unidos, pretendia impedir a entrada do comunismo no Brasil. O movimento de esquerda era apoiado pela União Soviética.

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Março de 1964, reunião na Câmara Municipal de Araraquara: Prefeito Rômulo Lupo, deputado estadual Scalamandré Sobrinho, Alberto Góes, José Barbanti Neto, João Peroni, Ivo Giraldi e presidente do Legislativo, Mário Ananias

31 de março de 1964, por volta das 16 horas os pais andavam apressadamente até a porta da antiga Escola Estadual Bento de Abreu em Araraquara, esperando seus filhos que estudavam no período da tarde, a serem dispensados mais cedo das aulas avisados em comunicados pelas ruas rádios existentes na cidade: Cultura, pertencente à Família Lupo e Voz da Araraquarense da Família Barbieri.

Ambas as emissoras eram de cunho eminentemente político: Rômulo Lupo, dono da Fábrica de Meias Lupo, já tinha sido prefeito em 1956, indo seu mandato até 1959; depois foi eleito novamente, assumindo a prefeitura em meio a movimentação política de 31 de março. Por conta da revolução seu mandato foi estendido até 1969. Já a Câmara Municipal de Araraquara, era dirigida pelo vereador Mário Ananias. Nenhum deles no entanto tinha envolvimento com tendências socialistas.

Quando prefeito pela segunda vez, Lupo tinha 62 anos e implantou o serviço de troleibus na cidade após visitar a Itália, com recursos próprios. Filho do fundador da Lupo, tinha como característica de governar com punho de aço, despachando durante o período revolucionário em gabinete instalado dentro da fábrica de seu pai. Instalou telefones automáticos e a rodoviária da cidade.

Foi vereador por um breve período em 1936. Empresário reconhecido, foi convidado a ser candidato a deputado estadual, mas decidiu ficar apenas na política local. Dentre os seus principais feitos, trouxe para Araraquara o telefone automático e os ônibus elétricos. Inaugurou o Mercado Municipal e também construiu a então rodoviária, instalação que abriga hoje o Terminal Central de Integração. Construiu a Biblioteca Municipal “Mário de Andrade” e o Cemitério das Cruzes, popularmente conhecido como Cemitério dos Britos. Planejou obras do Gigantão, e o Hotel Eldorado. Também instalou as primeiras antenas de TV na torre do relógio da Fábrica Lupo.

Mário Ananias, na Câmara Municipal, tinha comportamento semelhante ao de Rômulo Lupo; como vereador foi uma grande incentivador dos circuitos automobilísticos.

Apresentou o Projeto de Lei nº 59 de 1962, que foi aprovado pelo plenário e transformando-se na Lei Ordinária 1119/62, instituindo o Brasão de Armas da Cidade de Araraquara, em pleno regime militar, uma coincidência dentro da história revolucionária brasileira.

Politicamente era esse o cenário político da cidade, junto com o Golpe Militar que 60 anos depois revive os eventos ocorridos em 31 de março no Brasil, que culminaram, no dia 1 de abril de 1964, com um Golpe de Estado que encerrou o governo do presidente João Goulart, também conhecido como Jango. Os militares brasileiros a favor do Golpe costumam designá-lo como Revolução de 1964 ou Contrarrevolução de 1964. Em geral, a expressão é associada a defensores da ditadura.

Jango havia sido democraticamente eleito vice-presidente pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – na mesma eleição que conduziu Jânio da Silva Quadros do Partido Trabalhista Nacional (PTN) à presidência, apoiado pela União Democrática Nacional (UDN).

O golpe estabeleceu um regime alinhado politicamente aos Estados Unidos e acarretou profundas modificações na organização política do país, bem como na vida econômica e social. Todos os cinco presidentes militares que se sucederam desde então declararam-se herdeiros e continuadores da Revolução de 1964. O regime militar durou até 1985, quando Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, o primeiro presidente civil desde 1964.

José Roberto Arantes de Almeida liderando movimento em São Paulo

Em meio a esse cenário Araraquara passou a conviver com o espírito revolucionário de José Roberto Arantes de Almeida, nascido em Pirajuí, quase 200 Km da nossa cidade, em 7 de fevereiro de 1943, filho de José Arantes de Almeida e Aída Martoni de Almeida. Criança ainda, em 1956, sua família mudou-se para Araraquara. Participou dos escoteiros, tocou piano, praticou natação e polo aquático, colecionou medalhas. Em 1958 foi porta bandeira de um desfile patrocinado pelo Clube Pan-Americano de Araraquara carregando o pavilhão nacional de Cuba.

Isto parece ter sido uma premonição, pois nem Cuba e nem José Arantes eram socialistas ainda. Seu pai trouxe a família para Araraquara para assumir seu cargo de professor da Faculdade de Farmácia e Odontologia, na disciplina Botânica Aplicada à Farmácia. Estudou no IEBA e junto com seu colega Salinas foi aprovado, em 1961, no vestibular para engenharia no ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica.

Em 30 de abril de 1964, a Câmara Municipal de Araraquara recebeu do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) documento constatando que os vereadores não eram comunistas e nem corruptos. Em diversas Câmaras mandatos foram cassados, já em Araraquara nada aconteceu, por conta do Ato Institucional.

O vereador udenista Everaldo Isidoro da Silva apresentou requerimento que logrou aprovação, no qual pedia informações do DOPS. Os dezenove vereadores prosseguiram com seus mandatos e direitos políticos intactos. O novo governo que na ocasião era presidido pelo marechal Castelo Branco exigiu obediência ao Ato Institucional, o que obrigou o prefeito Rômulo Lupo a constituir uma Comissão Municipal.

Alguns consultados não aceitaram, assim foram nomeados o capitão Lira (Exército), tenente Silas Bordini do Amaral (Força Pública e Serviço Secreto do Exército); na ocasião Bordini passou a cursar a Faculdade de Filosofia, pois segundo o Exército era o lugar que abrigava o maior número de opositores do novo regime. O terceiro foi Bedran (escrivão de polícia Bedran, aposentado), que discordou de algumas medidas e pediu demissão. Em seu lugar, entrou um funcionário do município, Rudnei Brunetti, que permaneceu nas funções. Por denúncias, muitas vezes infundadas e por desejos não bem expressos, um número elevado de araraquarenses foi chamado para depor – inqueridos na qualidade de indiciados. Pessoas da época afirmaram que a tal audiência foi o motivo de Bedran ter renunciado ao cargo.

ARANTES E TUTA FORAM MORTOS NO PERÍODO

A família Arantes veio de Pirajuí para Araraquara, residindo na Avenida Feijó nº 527, entre as ruas São Bento e Padre Duarte, onde o corpo de José Arantes foi velado em caixão lacrado.

Grande parte dos movimentos estudantis ficou centralizada no prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, na Rua São Bento, proximidades da Câmara Municipal, onde hoje é a Casa da Cultura.

Grande parte dos movimentos estudantis ficou centralizada no prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, na Rua São Bento, proximidades da Câmara Municipal, onde hoje é a Fundart

Em 1964, José Roberto Arantes, em virtude das suas atividades políticas, nessa ocasião já militante comunista, foi expulso do ITA e levado preso para a Base Aérea do Guarujá. Libertado, retomou seus estudos na Faculdade de Filosofia da USP, localizada na famosa Rua Maria Antônia, onde iniciou o curso de Física. Em 1966 foi eleito presidente do Grêmio da Filosofia, órgão representativo dos estudantes da faculdade. Foi um líder nato, seus colegas chamavam-no de Zé Arantes, ou simplesmente Arantes. Entre eles, o ex- ministro Chefe da Casa Civil, José Dirceu de Oliveira e Silva, o Zé Dirceu.

O QUE ARANTES FEZ

Em 1968, a UNE tentou realizar seu 30º Congresso, em Ibiuna/SP, que declarado proibido pelo governo militar foi invadido pela polícia. Todos os seus participantes foram presos, levados para o DOPS e seus líderes processados.

Zé Arantes conseguiu fugir de dentro do DOPS, pela porta da frente, disfarçando-se no meio da balburdia produzida por quase 800 presos que lotavam as dependências do prédio do largo General Osório, em São Paulo. Posteriormente teve sua prisão decretada pela Auditoria Militar que, então, julgava os crimes políticos.

Por todo Brasil as manifestações estudantis tinham um objetivo: a democracia

Clandestino, viveu com nomes falsos, teve seus últimos momentos de ternura e contato familiar na Semana Santa de 1969, quando, junto com seu irmão Dado e sua namorada Lola, passou alguns dias na praia deserta de Bertioga. Vivendo na clandestinidade foi para Cuba participar de treinamento para guerrilhas.

Voltou ao Brasil na chamada Turma dos 28. Caçados pelos órgãos de segurança, DOPS, DOI-CODI, CENIMAR e outros, todos os jovens idealistas que voltaram ao Brasil nesta turma foram mortos ou desapareceram para sempre.

No dia 4 de novembro de 1971, aos 28 anos, foi descoberto pelo DOI-CODI numa casa da Rua Cervantes nº 7, na Vila Prudente, em São Paulo. Resistiu à prisão, e as torturas que fatalmente se seguiriam, lutando bravamente e terminou morto.

Usava o nome falso de José Carlos Pires de Andrade, com o qual foi necropsiado pelo IML. Em seguida, foi enterrado no Cemitério de Perus, muito utilizado pela ditadura para enterrar os oposicionistas mortos.

Resgatado pela família, seu corpo foi exumado e levado para sepultamento, sob um manto de silêncio, com seu nome verdadeiro em Araraquara. Sua namorada Lola, a jovem Aurora Maria Nascimento Furtado foi assassinada sob torturas, em novembro de 1972, no Rio de Janeiro. Homenageando-o em 1978, os estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UNESP de Araraquara deram seu nome à sua entidade representativa: Diretório Acadêmico José Arantes.

QUEM FOI LUÍZA AUGUSTA GARLIPPE

Luísa Augusta Garlippe, a Tuta, a segunda entre as quatro que ilustram a capa do livro Guerrilheiras do Araguaia; Tuta era filha de Armando Garlippe, que deu seu nome a Pista de Atletismo no antigo Lar Juvenil

Tuta, como era conhecida, nasceu em Araraquara em 16 de outubro de 1941, filha de Armando Garlippe e Durvalina Santoro Garlippe. Fez o primário, o ginasial e o científico em Araraquara e mudou-se para a cidade de São Paulo, onde fez o curso de Enfermagem na USP, formando-se em 1964. Em seguida, passou a trabalhar no Hospital das Clínicas, chegando a Enfermeira-Chefe do Departamento de Doenças Tropicais, assunto em que se especializou, fazendo inclusive algumas viagens pelo país como ao Amapá e Acre.

Participava da Associação dos Funcionários do Hospital das Clínicas, distribuindo panfletos e organizando seus colegas de trabalho. Foi viver na região do Rio Gameleira, no Araguaia, onde desenvolveu intenso trabalho de saúde, destacando-se como parteira.

Tuta pertenceu ao Destacamento B da guerrilha. Foi vista viva pela última vez por seus companheiros no dia 25 de dezembro de 1973, num acampamento, próximo à Serra das Andorinhas, antes de haver intenso tiroteio contra os mesmos. O Relatório do Ministério do Exército diz que é “considerada desaparecida desde 05/74” e, o do Ministério da Marinha, que teria sido “morta em junho/74.”

Arantes e Tuta foram os grandes protagonistas de Araraquara durante o regime militar. (Colaboração: José Paulo Corrêa da Silva)