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Araraquarense vai à Antártica coletar microrganismos com potencial biotecnológico

Professora Denise Bevilaqua, vice-diretora do Instituto de Química (IQ) da Unesp Araraquara, foi escolhida para integrar o projeto por conta de sua experiência em pesquisas com calcopirita, o minério de cobre mais abundante do Planeta e com forte presença na Antártica.

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Professora Denise Bevilacqua (Foto: Henrique Fontes - IQ/Unesp)

Considerada o maior deserto da Terra, a Antártica possui 98% de sua superfície rochosa coberta por gelo. Apesar da pobreza de nutrientes nos solos da região, cientistas têm demonstrado interesse em comunidades de bactérias locais que podem contribuir para o desenvolvimento da biomineração, processo que utiliza microrganismos na recuperação (extração) de metais presentes em minerais encontrados na Terra.

Dentro desse contexto, um grupo de pesquisadores irá embarcar, no início de 2023, em uma missão científica até o “continente congelado” para coletar bactérias e amostras de solo que serão estudados mais a fundo. Única brasileira envolvida no projeto, a professora Denise Bevilaqua, vice-diretora do Instituto de Química (IQ) da Unesp, em Araraquara, participará da desafiadora atividade a convite do Centro de Estudos Avançados em Zonas Áridas (CEAZA) do Chile, organizador do trabalho.

A docente foi escolhida para integrar o projeto por conta de sua experiência em pesquisas com calcopirita, o minério de cobre mais abundante do Planeta e com forte presença na Antártica. Um dos objetivos da missão é estudar as comunidades microbianas que habitam esse mineral para determinar se elas são capazes de realizar o processo de biolixiviação – separação de determinado metal da natureza a partir da ação de micróbios. “A comunidade de bactérias na região é pouco explorada, e a Antártica possui um potencial biotecnológico enorme, uma vez que há abundância de cobre na região. Nossa hipótese é que a microbiota local use a calcopirita como fonte de energia para sobreviver. Ou seja, as bactérias “comeriam” esse minério, permitindo que o cobre resultante do processo seja resgatado”, explica Bevilaqua.

O foco nesta comunidade microbiana se dá pelo alto nível de resiliência que ela possui, já que é capaz de sobreviver em cenários com condições climáticas extremas. A presença desses microrganismos na região abre caminhos na busca por bactérias que consigam dissolver de forma mais eficiente a calcopirita, algo que ainda é considerado um desafio para as principais indústrias produtoras de cobre no mundo. Durante a missão, que pode levar semanas para ser concluída, as coletas serão realizadas em três pontos diferentes previamente definidos. Em seguida, as amostras serão trazidas para o Brasil e analisadas no Laboratório de Biohidrometalurgia do IQ.

“Nós iremos proporcionar as condições para que os microrganismos cresçam e possam ser analisados detalhadamente. Assim, conseguiremos avaliar qual é a sua capacidade de utilizar a calcopirita como fonte de energia. Também vamos aproveitar para comparar essas cepas frente a outras que possuímos aqui no laboratório. Atualmente, do ponto de vista biológico, ainda não existe um método que seja eficaz e, ao mesmo tempo, ambientalmente amigável para realizar a dissolução da calcopirita”, completa Denise.

Em um primeiro momento, o estudo irá se concentrar na caracterização das propriedades mineralógicas e físico-químicas dos solos e de suas comunidades microbianas associadas, avaliando a fisiologia dos microrganismos, bem como seu potencial diante do substrato mineral (calcopirita). Além da experiência na área, Denise conta com outro grande diferencial que irá contribuir para a execução do trabalho. A cientista possui um banco com dezenas de linhagens de bactérias cultivadas em seu laboratório, facilitando o desenvolvimento de pesquisas na área de biomineração.

Financiado pelo Instituto Antártico Chileno (INACH), o projeto que irá levar pesquisadores para a Antártica foi submetido pouco antes da pandemia, mas só agora poderá ser finalmente colocado em prática. Ao lado de Denise, estará o professor Daniel Valenzuela, especialista em Biotecnologia e professor da Universidade Bernardo O’Higgins (UBO), do Chile. “Este projeto se concentrará especificamente em determinar se as comunidades microbianas da Antártica são capazes de solubilizar o cobre de suas formas minerais inacessíveis, particularmente a calcopirita, tanto na temperatura real da Antártica quanto na temperatura prevista em um cenário de mudança climática. Os resultados obtidos com este projeto serão de grande valia para possíveis aplicações biotecnológicas, particularmente na biomineração”, explicou o pesquisador em entrevista ao portal do CEAZA .

Para Denise, a expectativa e a ansiedade para iniciar a missão são enormes. “A ciência me deu tudo que tenho e já me levou para diversos lugares. Já conheci muitos países e vivenciei situações nas quais busquei microrganismos em ambientes inóspitos. Mesmo assim, nunca imaginei que seria possível visitar a Antártica para uma missão de pesquisa que envolve busca, coleta e análise de amostras. Fiquei surpresa pela aprovação porque foi algo que já vinha desde antes da pandemia e, embora eu soubesse que seria eu a responsável por trabalhar com as amostras, não imaginava que também viajaria junto para coletá-las. A ansiedade é muito grande e estou empolgada com as possibilidades científicas. É uma missão entre Chile e Brasil na qual serei a única brasileira presente. É incrível”, celebra.

Além de Denise e Daniel, participarão do projeto os cientistas Carlos Henríquez e Teodoro Coba de la Peña, do CEAZA, e Dharma Reyes, da Universidade Heriot-Watt.