Naquela manhã de domingo, parece que um dia de agosto, o vento batia forte pelos lados da Liga Cristo Rei. Era num pequeno bar que um grupo de amigos estava acostumado a se reunir. Só que este seria um dia especial pois lá estaria Flávio Ferraz de Carvalho, o político e amigo fiel dos clubes amadores da cidade. O português Manoel Fernandes de Andrade a pedido do próprio Flávio, ficou com a responsabilidade de juntar a turma interessada em criar um time de futebol no bairro. O futebol seria apenas para justificar a doação de uma área premiando o clube em formação e montar sua sede, pois Manoel e os colegas queriam mesmo era uma quadra para jogar malhas. Flávio disse a eles que doar a área não seria problema: já havia conversado com Elias Damus, Rubens Bellardi Ferreira e o Arnaldo Izique Caramuru, que mantinha seu consultório de dentista na Avenida Espanha, ao lado da antiga Droganossa. Com tudo ajeitado na Câmara, a Prefeitura fez a doação e nasceu a Portuguesinha. Foi mais uma conquista para a Vila Xavier.
ERA UMA CASA PORTUGUESA
A Portuguesa é praticamente um dos poucos clubes em Araraquara que conseguiu se manter ao longo do tempo com seu patrimônio. Sua prioridade foi o trabalho social, com eventos que lhe deram a sustentação necessária. O futebol entrou como complemento.
Era 1968, auge do futebol brasileiro, ainda mais do futebol araraquarense, pois a Ferroviária sagrava-se bicampeã do interior no Campeonato Paulista da Divisão Especial. No amador da cidade, surgiam times que faziam despontar novos talentos nos campos de terra batida. Foi numa dessas reuniões e trabalhando sobre um ideal, que um grupo de amigos formou um clube, voltado para o futebol, mas que trazia junto o baralho e malha como outras opções de passatempo.
Mesmo que fosse assim, não deixava de ser um clube. Não tinha nome ainda e nem pensavam nisso; foram precisos três anos para a definição e os seus diretores provisórios não queriam um nome apenas para ser mais um.
Manoel Fernandes de Andrade era um português que morava nos arredores do antigo CEASA, hoje Secretaria da Agricultura de Araraquara, na Vila Xavier. No fundo do terreno em que foi construída sua residência, havia um espaço para as disputas intensas de malha. Certo dia, o grupo, mais Flávio Ferraz de Carvalho, vereador na época, conseguiram junto à Prefeitura Municipal, que tinha Rubens Cruz em sua gestão, a doação de um terreno onde seria construída a sede social, incluindo as atividades esportivas. Em homenagem ao “seo” Manoel, surgiu o Esporte Clube Portuguesa, que teve como primeiro presidente, José Fontes, após votação interna entre o grupo de amigos.
Recebendo apoio dos colegas, Fontes formou a primeira diretoria; o Conselho Deliberativo elaborou a ata do clube, dando forma em seu antigo desejo. “Na verdade, nunca tive o futebol como primeiro plano, tanto que não pensei em construir um campo para a Portuguesa. O principal foco era a sede social, com recebimento de doações, para que pudéssemos organizar os nossos eventos”, relembra Fontes.
Em 1971 começaram a ser construídos a quadra de futebol de salão, o salão de festas e um espaço para malha do jeito que todos queriam. Foi criado o quadro associativo com mensalidade simbólica ou então uma anuidade. “Era um cruzeiro na época, que pedíamos aos associados, tudo para o bem do clube. O dinheiro era revertido na construção da sede. Não construímos tudo de uma vez. Começamos com a quadra de futebol de salão e depois fomos ampliando o espaço com a malha e o salão de festas. Demorou muito para construirmos a sede, mas foi com esforço, suor e amor àquilo tudo. Valeu muito a pena”, diz Fontes.
Através desse grande amor, surgiu um time de futebol amador para representar a Portuguesa nos campeonatos disputados da LAF (Liga Araraquarense de Futebol), além de viagens na região, como Ibitinga, Guariba, Santa Lucia, e outras cidades contra equipes locais. O investimento não era grande, os uniformes confeccionados pelo próprio Fontes. O emblema e o número da camisa eram feitos pelas suas próprias mãos.
“Não me esqueço daquela cena de chegar na casa do Fontes e vê-lo fazendo o uniforme do time. Ele era muito dedicado à Portuguesa”, relembra João Gouvêa, na época diretor do clube e hoje advogado. Após dois mandatos do “seo” Fontes, Gouvêa assumiu a presidência em 1977.
Outro craque daquela equipe foi Egídio Fernandes. Hoje o ex-tenente se reúne com os amigos na Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar e conta diversas histórias vividas no futebol. Atacante baixinho e de grande velocidade, Egídio foi o artilheiro do time nos tempos áureos do Campeonato Amador e por ter grande impulsão, fazia vários gols de cabeça.
“O time da Portuguesa era muito unido. Pardal, Tatinho, Becinha faziam parte de uma equipe que tinha jogadores franzinos, mas de qualidade e velocidade. Um clube muito querido e que adquiriu o respeito na cidade”, recorda.
Das viagens que o time fez, Egídio lembra do campeonato regional que a Portuguesa disputou em São José do Rio Preto, contra Araçatuba. O ônibus do adversário demorou a chegar e todos estavam convictos de que iriam ganhar por W.O., porém, um fato curioso aconteceu: “Já estávamos saindo de campo quando o ônibus do time deles chegou. Eles desceram do ônibus já de uniforme e chuteira, e foram direto para o campo. Éramos baixinhos e eles grandalhões. Parecia um bando de cavalos (risos). Terminado o primeiro tempo, estávamos perdendo por 2×0. No segundo tempo, percebemos que eles eram grandes, mas não bons de bola. Reagimos, empatamos em 2×2, mas o empate era deles. Paramos nas quartas de final daquele torneio”.
PARA ELES, TUDO ERA UMA FESTA
A trajetória do clube é marcada por situações curiosas, uma delas, de dar atenção ao social e deixar o esporte em segundo plano, num contraste com os clubes que acabaram.
É desta forma que João Gouvêa descreve a estratégia de revitalizar a Portuguesa logo que assumiu a presidência. Outra fonte de renda, lembra ele, era o aluguel da quadra de futebol de salão. Funcionários de empresas como Nigro e Lupo alugavam o espaço para treinar, ajudando ainda mais a enriquecer a sede lusitana. Claro que, apesar do time de futebol, os jogadores brincavam de vez em quando na quadra da sede, pois não existia um campo próprio para eles.
O SONHO DE SER PORTUGUÊS
A Portuguesa mandava seus jogos no antigo campo da Atlética ou no Estádio Municipal. Treinava duas vezes por semana entre as 17h ou 17h30 e aproveitava os feriados para fazer amistosos com times da cidade ou da região. “Mesmo sendo amistoso, os jogadores entravam fortes nas jogadas. Ninguém queria perder, ainda mais quando a Portuguesinha enfrentava o time do Cidade Alta no campo próximo ao “Risca Faca”, conta o ex-goleiro da Lusa, Wilson João Rodrigues, o Nenê.
Ele começou jogando pelo time do Cidade Alta e com 17 anos foi convidado para ingressar na Portuguesa. “Na época o meu irmão atuava na Portuguesinha. Quando eu jogava pelo Cidade, me viram em campo e daí surgiu o convite. O goleiro da Portuguesa era o Valentim XXV. Por ser jovem e ágil, me colocaram no time”.
Nenê jogou por dois anos pela Portuguesa. Depois se mudou para Guariba por causa do pai que era policial, onde morou por três anos. Ele, no entanto, nunca abandonou a bola. Logo quando se mudou, defendeu o Juventus de Guariba, que conquistou o acesso para a Série A3 do Campeonato Paulista. Apesar do feito, sempre carregou a Portuguesa no coração.
“Nunca gostei de um time tanto como o da Portuguesinha. A paixão é tamanha que passei a torcer pela Portuguesa de Desportos, time da capital paulista. Sou conhecido hoje graças ao futebol. Se perguntarem quem é o Wilson, ninguém vai saber quem sou eu”.
Quando Nenê fala da Portuguesa se observa pelo seu olhar uma certa emoção que certamente o remete ao passado, onde viveu com intensidade um sentimento de ternura por aquele pedaço da cidade. Isso normalmente ocorre em quem vive vestido pela simplicidade, coisa própria daqueles tempos.
A PORTUGUESA DISSE ADEUS AO ESPORTE
Da euforia que viveu com grande intensidade nos anos 70, a Portuguesa caiu no esquecimento e hoje vive apenas de eventos sociais, tendo como presidente Jacó Pereira.
Quem pega a Av. Padre Antônio Cesarino todos os dias e passa entre as ruas Marechal Deodoro da Fonseca e Dom Pedro I, avistará o muro vermelho indicando a sede do Esporte Clube Portuguesa. Poucos sabem, mas a Construtora Massafera, através do até então engenheiro Roberto Massafera, contribuiu para que o salão de festas fosse erguido, além do campo de terra batida próximo ao “Risca Faca” onde aconteciam os jogos de equipes da Vila Xavier.
Abiron Fernandes, o Fininho, mora praticamente ao lado da sede. Pelo seu quintal é possível ver as torres de iluminação que dão para a quadra. Sempre que observa, lembra como tudo aquilo valeu a pena quando gerenciava o time de futebol do seu Fontes e das festividades que aconteciam na sede social.
“Entrei na Portuguesa um ano depois de sua fundação oficial. Além de ter exercido um cargo no clube, fiz parte do quadro associativo contribuindo com 100 cruzeiros por ano naquela época, sabendo que o dinheiro seria revertido para a modernização da nossa sede, o principal desejo do Fontes”.
Fininho lembra até hoje como entrou para trabalhar no saudoso time da Vila Xavier. “Estava conversando com um pessoal na arquibancada, elogiando a postura do time da Portuguesa. O Fontes acompanhava o jogo e me ouviu falando. Logo achou que eu gostava do time e da forma como jogava, me chamou para trabalhar na equipe de futebol”.
Hoje, Fininho é mais reservado quando se trata de futebol. A sua única admiração é seu filho, o zagueiro Marcel, ex-Ferroviária, que jogou pela equipe do Veranópolis, do Rio Grande do Sul, disputando a primeira divisão do Campeonato Gaúcho.
A sede da Portuguesa funciona com eventos beneficentes as quintas e domingos, longe de ser o que realmente já recebeu de associados e de grandes eventos realizados por lá. Em sua história, o clube durou até os anos 80. Como era difícil dar sustentação ao clube, cada personagem que passou por lá tomou novo rumo em sua vida. Graças ao futebol, a Portuguesa ganhou respeito e reconhecimento na cidade, ainda mais de quem fazia parte daquele seleto grupo de pessoas que queria apenas o melhor para o clube que eles amaram tanto, trabalhando de forma voluntária.
Observação: História originalmente escrita em 2016 pelos jornalistas Ivan Roberto Peroni e Rafael Zocco, extraída do livro “Lembranças com pé no chão”. (Fotos: Gilmar Leite)