
Um pó à base de morina, um composto natural extraído de plantas como a folha da goiabeira, a casca da maçã e do figo, de alguns chás e amêndoas apresentou efeito antimicrobiano, anti-inflamatório e antioxidante contra bactérias que causam a doença periodontal. Doença periodontal é um termo que abrange a gengivite e a periodontite (estágio avançado da inflamação gengival). A expectativa é que a substância, liberada de forma controlada por meio de polímeros, possa ajudar em tratamentos não cirúrgicos como uma alternativa aos antibióticos para o controle dos microrganismos.
Em estudos in vitro, em laboratório, os pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Araraquara (Universidade Estadual Paulista/Unesp) testaram a morina em um biofilme multiespécie – formado por várias espécies de bactérias, que simulava o que acontece na gengiva dos pacientes quando estão acometidos pela doença.
Os resultados foram publicados nos Archives of Oral Biology. O estudo foi realizado por Luciana Solera Sales durante o doutorado na Faculdade de Odontologia da Unesp, campus de Araraquara, sob a orientação de Fernanda Lourenção Brighenti com apoio FAPESP (doutorado e estágio de pesquisa no exterior).
A pesquisa também contou com a participação de Andréia Bagliotti Meneguin, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFAR) da Unesp de Araraquara, Hernane da Silva Barud, da Universidade de Araraquara (Uniara) e Michael Robert Milward, da Faculdade de Odontologia da Universidade de Birmingham, na Inglaterra.
“Nesse momento a gente tem um pó fino, obtido por secagem por aspersão, que é o mesmo equipamento utilizado para fazer leite em pó, que pode ser utilizado para compor diversos tipos de produtos de higiene bucal. A ideia é fornecer uma plataforma que aja de maneira coadjuvante e que possa ser útil, por exemplo, para pessoas que têm motricidade reduzida, que não conseguem escovar os dentes adequadamente, como idosos e pacientes com necessidades especiais”, diz Brighenti.

A morina foi escolhida por ser um composto natural, barato e de fácil acesso.
“A morina é um flavonoide, ela pode ser obtida a partir de várias frutas. Mas não adianta só comer, é preciso processar a substância. A ideia é aproveitar esse composto natural, os seus benefícios, as suas vantagens, e transformar tudo isso para que possa ser utilizado para prevenir e tratar a cárie e a doença periodontal”, destaca Sales.
Dentro do grupo de pesquisa, Brighenti vem desenvolvendo, com outros pesquisadores, o que chama de plataformas para que diferentes tipos de substâncias possam agir nas doenças que estão sendo estudadas atualmente. De acordo com Brighenti, isso é necessário porque geralmente os produtos naturais não apresentam uma boa dissolução na água.
“Nós temos um fluxo salivar constante. Produzimos, em média, 1 mililitro de saliva por minuto. Qualquer coisa que colocamos na boca é rapidamente removida pela saliva, especialmente porque tem cheiro, tem gosto, e isso estimula o fluxo salivar. Quando temos alguma coisa que gruda tanto na mucosa da boca, na parte de dentro da nossa bochecha, quanto nos dentes, isso nos dá uma vantagem adicional. E essa liberação controlada também nos ajuda no controle da toxicidade e da estabilidade da substância”, explica a professora.
No caso da morina, o desafio foi justamente tentar otimizar o que o grupo já tinha desenvolvido até aqui, deixando mais agradáveis alguns aspectos para os possíveis pacientes e, ao mesmo tempo, desenvolvendo algo que pudesse ser escalonável para a indústria futuramente.
“A gente visa também trazer uma alternativa aos produtos que estão atualmente disponíveis no mercado e que não atendem a demanda, porque têm alguns efeitos colaterais relatados pelos pacientes, como a alteração do paladar e o aumento da deposição do tártaro, além de manchas nos dentes com o uso prolongado”, complementa Brighenti.
“Nós começamos a desenvolver esses sistemas na forma de comprimidos, filmes e micropartículas. Mas, até então, eram muito grandes, inviáveis para o uso oral. No meu doutorado nós tentamos melhorar esses produtos, tentando deixá-los menores. Por isso desenvolvi esse formato, que se parece com um leite em pó. Eu preparava uma solução contendo alginato de sódio e goma gelana para encapsular a morina em um sistema de liberação controlada, que já é muito utilizado para fármacos, mas ainda não é muito utilizado na odontologia”, explica Sales.

A doença periodontal acontece quando há o acúmulo do biofilme ou da placa bacteriana, uma película pegajosa formada por bactérias e resíduos de alimentos que se depositam sobre os dentes.
A periodontite, a forma grave da doença periodontal, é considerada a sexta condição crônica que mais ocorre no mundo. Nos casos leves, pode haver sangramento. Conforme a doença avança, pode ocorrer até a perda dos dentes.
Quando a higiene bucal é feita da maneira adequada, com escovação, uso do fio dental e pasta de dente com flúor, esse risco diminui de forma considerável.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2022, quase metade (45%) da população mundial sofre com doenças bucais – cerca de 3,5 bilhões de pessoas.
Segundo as pesquisadoras, os próximos passos serão continuar testando a morina primeiro em modelo animal e, depois, em estudos clínicos, para testar outras propriedades.
“Observamos, a olho nu, que o biofilme in vitro tratado com a morina em laboratório fica menos corado do que quando é tratado na sua forma livre. Então, é possível que haja uma vantagem, que esse sistema ajude a impedir a descoloração do dente. Também precisamos testar, por exemplo, se a morina mantém o equilíbrio da cavidade bucal, porque não queremos eliminar todas as bactérias da boca dos pacientes”, afirma Brighenti.