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Gigantão, uma história que vale 50 anos

No final dos anos 50, quando o prefeito Rômulo Lupo começou a sonhar com um ginásio de esportes ele sabia que Araraquara possuia poucas quadras esportivas, não mais que 6 e que nenhuma delas era coberta. Contratou engenheiros e pediu que fosse o maior e o mais bonito de todos existentes no Estado de São Paulo. Assim foi feito. A empresa foi buscar na Alemanha o que era na época um modismo: a construção em uma espécie de 'casca de ovo'. O final da obra apontou um custo de 4 milhões de doláres tornando o Gigantão orgulho para a nossa terra.

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Obra de arte produzida pela artista plástica Sônia Maria Marques para a Revista Comércio, Indústria e Agronegócio quando o Gigantão completou 35 anos

Foi em outubro de 1966 que o prefeito Rômulo Lupo anunciou pela Rádio Cultura AM, a construção do Gigantão. Um ano depois a cidade pleitearia ser sede dos Jogos Abertos do Interior de 1969, durante o Congresso Técnico em São José dos Campos, mas a confirmação só veio no ano seguinte por ocasião dos jogos disputados em Jaboticabal. Cinquenta anos se passaram da inauguração e voltar naquele 11 de outubro de 1969 parece um sonho, ainda que aqui não estejam os visionários senhores que começaram a projetar o Gigantão por volta de 1958 e do qual pelo menos três prefeitos conviveram: Benedito de Oliveira, Rômulo Lupo e Rubens Cruz. O Gigantão, com a característica de um mesmo ginásio de esportes na Alemanha, teve seu projeto sugerido por Rômulo Lupo aos engenheiros Luiz Ernesto do Valle Gadelha e Jonas Faria, ambos araraquarenses, radicados em São Paulo.

Rubens Cruz quando assumiu a prefeitura em fevereiro de 1969, encontrou o Gigantão com mais de 80% das obras feitas por Rômulo Lupo. Ele teria pouco mais de oito meses para concluir o ginásio de esportes e sediar os Jogos Abertos de 1969

O Ginásio de Esportes “Castelo Branco”, o Gigantão, teve sua construção iniciada pelo prefeito Rômulo Lupo, em agosto de 1967, para ser inagurada dois anos depois através do prefeito Rubens Cruz, na realização dos XXXIV Jogos Abertos do Interior (17 a 26 de Outubro de 1969). O espaço comportaria 6 mil pessoas sentadas e 10 mil em lotação completa.

Ferragens utilizadas no teto do ginásio de esportes

O anúncio da construção do Gigantão foi feito durante o programa “Você Pergunta o Prefeito Responde”, que sempre ia ao ar as quintas-feiras, das 11h30 às 12h, dentro do programa Parada de Notícias da Rádio Cultura. Seu apresentador, Nildson Leite Amaral, foi o primeiro radialista a focar o assunto em outubro de 1966. Ele era assistente administrativo da Estrada de Ferro Araraquara, trabalhava na emissora e fora comissionado na Comissão Central de Esportes (CCE), em 16 de junho de 1966, por iniciativa do Governador Laudo Natel. Nildson chegou à presidência da CCE logo depois dos Jogos Abertos em 1969 para substituir Laércio de Arruda Ferreira, o Pelica, em 1970, convidado por Rubens Cruz.

A construção do Gigantão tem alguns episódios interessantes: a empresa contratada para a construção abandonou a obra no final de 1967 e o prefeito Rubens Cruz, que acabara de assumir o município, organizou uma comissão de arquitetos e engenheiros para a continuidade dos serviços, sendo o final da obra uma luta contra o relógio. O projeto não chegou a ser concluído integralmente.

Prefeito Rômulo Lupo em 1967 com os engenheiros Luiz Ernesto do Valle Gadelha e Jonas Faria, sendo entrevistado pelo repórter Ivan Roberto. Ainda na foto o antecessor de Rômulo, prefeito Benedito de Oliveira e Aldo Lupo que seria eleito deputado federal, dois anos depois

A CONSTRUÇÃO

O projeto do Gigantão é dos engenheiros Luiz Ernesto do Valle Gadelha e Jonas Faria, ambos araraquarenses e que moravam em São Paulo. Eles eram proprietários da Domus Construtora, que deveria construir o Gigantão em 1967 a pedido do então prefeito Rômulo Lupo. “Hoje, a Lei de Licitações proíbe que o autor do projeto participe da concorrência para construção da obra. A Domus acabou fazendo os serviços de terraplanagem e fundações, mas abriu falência e abandonou a obra em seguida”, lembra o engenheiro  Roberto Massafera, recém formado na época.

Araraquara em 1969 não possuía nenhuma quadra coberta, mas Rômulo Lupo optou em construir o maior ginásio de esportes do interior. Como engenheiro residente foi contratado Luiz Antônio Massafera

Eleito em 1968, o prefeito Rubens Cruz assumiu em fevereiro de 1969 e de imediato nomeou uma Comissão Técnica com a finalidade de encontrar uma solução para finalizar o Gigantão a tempo dos Jogos Regionais de 1969, que ocorreriam em apenas nove meses (outubro). A Comissão Técnica era formada pelo arquiteto Nelson Barbieri, os engenheiros José Henrique Albiero e Roberto Massafera.

Rubens Cruz formou uma Comissão Técnica no começo de 1969 para concluir as obras. Ela era formada pelos engenheiros Nelson Barbieri, José Henrique Albiero e Roberto Massafera que se formara alguns anos antes

Os profissionais concluíram que para finalizar a obra seria necessária a administração direta da Prefeitura, com operários trabalhando 24 horas por dia em três turnos. Para tanto, a Prefeitura Municipal contratou o engenheiro Luiz Antônio Massafera.

O custo para terminar o Gigantão, sem contar a terraplanagem e fundações, foi estimado na época em 3 milhões de dólares, o que em valores atualizados daria hoje cerca de 10 milhões de reais.

O prefeito Rubens Cruz foi o grande responsável pela conclusão das obras do Gigantão em 1969. Na foto Cruz está ao lado de Yussuf Samaha (Zezinho da Prodaplan), que passou a fazer parte do Conselho Municipal de Turismo juntamente com o professor Alzemiro Ianelli e o jornalista Roberto Barbieri

O ginásio foi inaugurado uma semana antes (11 de outubro) da abertura oficial dos Jogos Abertos do Interior, com um jogo de volei masculino entre Araraquara e alunos da Academia de Polícia Militar do Barro Branco de São Paulo. A partida de fundo foi de basquetebol masculino formado por Pelica, Rudinei, Bizelli, João Batista, Paroneto e o próprio Massafera. Uma semana após seria iniciada a competição com desfile das delegações das cidades participantes da competição. A saída foi do Gigantão, descendo a Bento de Abreu e Rua São Bento, na noite de 17 de outubro, sexta-feira.

FINALIZAÇÃO DO PROJETO

O projeto original, de acordo com Massafera que foi prefeito e deputado estadual, já previa a construção de alojamentos embaixo do Gigantão. “Ainda é possível fazer os alojamentos, já que o subsolo não foi aterrado. Na época, os alojamentos não foram construídos por uma questão logística e social. Entendia-se que os atletas deveriam desfrutar de independência tendo suas próprias casas ao final dos treinos e jogos, e não viver em alojamentos e, de certa forma, sob a tutela da Prefeitura”, recorda o engenheiro.

Uma das preocupações na época foi eleger a Rainha dos Jogos Abertos (Liliana Filardi) e as duas princesas (Elizabeth Karan e Regina Metidieri). A beleza das nossas mulheres mostrada nos meios esportivos.

Segundo ele, Rômulo Lupo procurou construir o melhor ginásio de esportes do interior, uma obra que fosse um marco de sua administração. Os arquitetos projetaram essa estrutura em concreto, chamada de cobertura em casca de concreto e contrataram um engenheiro da Escola Politécnica da USP de São Paulo para fazer os cálculos estruturais, o professor Pietro Canderra. “Foi ele quem deixou o Gigantão de pé”, conclui.

GIGANTÃO ERA MOTIVO DE FESTA

Naquele ano, 1969, a cidade estava enfeitada e radiante; o clima de alegria era sentido por todos os lados. A Ferroviária se tornara tri-campeã do interior após vencer Palmeiras, Santos, São Paulo e Corinthians nos seus jogos em casa pelo Campeonato Paulista. O Gigantão estava sendo inaugurado. O esporte assumia papel preponderante para a cidade que começava a respirar o avanço da citricultura após a Cutrale comprar – dois anos antes – a falida Suconasa e verticalizar a produção do suco de laranja concentrado para todo o mundo.

Tudo contribuía para que Rubens Cruz, prefeito caipira, se transformasse em verdadeiro mito dentro da política. Ele não se preocupava com isso e tentava dar às crianças o que não pôde aprender nos bancos escolares. Sua visão para melhorar o ensino da cidade o levou a ser homenageado pelo Governo do Estado como “Prefeito da Educação”. A preparação das crianças e do homem do amanhã – através do ensino – somava-se ao fato de Araraquara estar caminhando bem no esporte. E os Jogos Abertos do Interior fortaleciam as ações.

Banda do Liceu de Bauru abrindo o desfile dos Jogos Abertos no dia 17 de outubro; ao lado, o Colégio Progresso homenageando as cidades do litoral; No dia 18 de outubro de 1969, sábado, as cidades que vieram para os Jogos Abertos realizaram no Estádio da Fonte totalmente lotado, o desfile de abertura da competição. Na foto, o momento do juramento do atleta no Estádio da Fonte Luminosa ainda com suas arquibancadas de madeira e um público estimado em 20 mil pessoas

17 de outubro, sexta-feira. A cidade só respirava Jogos Abertos. Naquela sexta-feira, logo cedo, os professores Alzemiro Ianelli, Lourenço Arone e Edmundo Vicentine, da Escola Industrial, davam sinal verde ao carro alegórico que levaria a Rainha dos jogos Liliana Filardi e as princesas Elizabeth Karan e Regina Metidieri. O diretor da escola, Edgard Arruda, permitiu que a Industrial também entrasse no clima de festa. Na verdade, todos os estabelecimentos de ensino se mostravam envolvidos, a maioria cedendo suas instalações para abrigar 10 mil atletas. O Gigantão, marcado por uma arquitetura única entre os ginásios brasileiros, mostra uma curiosidade: Rubens Cruz queria de qualquer maneira, homenagear sua esposa, Maria Therezinha Castelo Branco. A atitude de colocar o nome do ginásio de “Castelo Branco” soou como homenagem ao ex-presidente militar Humberto de Alencar Castelo Branco, falecido dois anos antes.

Uma das raras fotografias que marcam a abertura dos Jogos Abertos do Interior de 1969, no dia 18, sendo de forma oficial a primeira partida de volei feminino com a participação de Araraquara contra Matão. Vencemos por 3 sets a zero

A competição, entre os dias 18 e 26 de outubro, foi o primeiro grande evento realizado no ginásio que comportava 6 mil pessoas sentadas e 10 mil em lotação máxima. Ele foi palco não apenas de jogos marcantes para a história da cidade, mas também de eventos musicais. Um deles, um show gratuito no auge da carreira do cantor Antônio Marcos, para fechar o Concurso Miss Araraquara de 1970, com o co-patrocínio da Imperial Calçados. Consta que 12 mil pessoas assistiram ao espetáculo.

1969, início dos Jogos Abertos. Araraquara com o técnico Bruno, Helenice, Tereza Zanin, Clara, Marilda Stevo e Inês; Araci, Vera, Marilda Matão, Maria Ivone e Marisa Pereira Lima

Outros artistas consagrados passaram pelo Gigantão: Roberto Carlos, Milton Nascimento, Legião Urbana, Banda Blitz, Raul Seixas, Roupa Nova, Titãs, Paralamas do Sucesso, Mamonas Assassinas, entre outros. Atrações internacionais, como a orquestra de Ray Conniff, marcaram presença no local. Além de shows musicais, o Gigantão recebeu eventos inusitados, como o “Periquitos em Revista”, que tratava-se de um espetáculo da equipe de patinação no gelo da Sociedade Esportiva Palmeiras, muito famosa e requisitada em todo país na década de 70. Outras atrações que tiveram passagem por ele foram Os Trapalhões, com Didi, Dedé, Mussum, Zacarias e convidados, que fizeram uma apresentação circense de futsal, causando gargalhadas nos araraquarenses, e o Circo de Pequim.

1975, Brasil campeão sulamericano de basquete masculino

O ginásio ainda chegou a receber rodeios e, mais recentemente, em 2009, teve sua quadra coberta de areia para virar palco de um jogo de vôlei de praia. Um dos últimos grandes eventos no local foi um amistoso da seleção brasileira de futsal, que bateu a Venezuela por 6 a 0. Outro fato curioso é que entre as décadas de 70 e 80, a grande maioria dos bailes de formatura da cidade era feita no local, devido à sua exuberância que o credenciava como um dos salões mais bonitos da cidade. Além de todos os eventos mencionados, o Gigantão era a sede das apurações das eleições, ocasiões em que se reuniam torcidas dos candidatos e representantes da população em geral.

A beleza do Gigantão em dia de espetáculo de grande porte

A HISTÓRIA

Dois anos após sua inauguração, o Gigantão foi escolhido como uma das sedes do Campeonato Mundial Feminino de Basquete, que teve a participação de equipes da Argentina, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Madagascar e Equador. Quatro anos depois, em 1975, aconteceria o Campeonato Sulamericano Masculino Juvenil de Basquete, ocasião em que o ginásio araraquarense recebeu a grande final em que o Brasil venceu a Argentina perante um público de 10 mil pessoas.

A transformação do Gigantão para vôlei de areia, obra escrita pelas mãos de três prefeitos: Rômulo Lupo, Benedito de Oliveira e Rubens Cruz