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João Branco, o assentado e tomateiro, empreendedor por conta das terras na Bela Vista

Por 32 anos enfiados no meio do mato à luz de lamparina, ele e a mulher Angélica tiveram a lua como companheira e o chão a plantar tomates. Esta semana o casal recebeu do Incra o papel que lhes garante serem os donos de um pedaço de terra no Assentamento Bela Vista.

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O tomate e Angélica, riquezas que se juntam ao chão da terra no Assentamento Bela Vista, pedaço de chão que agora é do casal.

Ao ser homenageado no Dia do Agricultor, 28 de julho, pela Coordenadoria Municipal da Agricultura, órgão ligado à Prefeitura de Araraquara, o produtor rural João Oscar Martins Branco, 55 anos, vai olhar aos céus e agradecer a Deus que ele considera – bondoso demais pelas graças que lhe foram oferecidas. Ao seu lado vai estar a mulher Maria Angélica, que ele garante ser o amor eterno conhecido num footing da praça em Ibaté, 43 anos atrás.

“Assim é a vida, companheiro”, exclama um dos grandes produtores de tomates na região e que acaba de receber do presidente do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) Geraldo Mello Filho, o título de proprietário rural no assentamento Bela Vista do Chibarro, em nosso município. Além dele outros 106 assentados foram agraciados como “donos da terra”.

Nascido em Brotas e filho de Clarice e Ricardo Martins Branco, João conhece a lida do campo desde os 8 anos de idade quando em troca de espantar os “pássaro-preto” da plantação de arroz ganhava um pacote de bala acaramelada do pai que ia para a cidade fazer as compras do mês. “Era um toma lá dá cá com aquelas balas adocicadas que grudavam em nossos dentes. Mas, era uma festa pois sabe como é a vida dos meninos da roça”, recorda.

Com orgulho ele mostra a carteira do trabalho com seu primeiro emprego aos 12 anos de idade

Sendo o único em não ter medo do banco da escola, João Branco como agora é chamado, é o único que sabe ler, escrever seu nome e assinar documentos o que lhe deixar feliz da vida e ao mesmo tempo entristecido pois seus irmãos – José, Osvaldo e Ademar se negaram em aceitar o desafio do Mobral, programa criado em 1970 pelo governo federal com objetivo de erradicar o analfabetismo do Brasil em dez anos.

O Mobral, conta João, queria acabar com o analfabetismo de jovens e adultos, visando conduzir a pessoa a adquirir técnicas de leitura, escrita e cálculo como meio de integrá-la a sua comunidade, permitindo melhores condições de vida, recorda até com certa emoção. O programa foi extinto em 1985.

Hora de descontração familiar no campo: Viviane , Cristiane, Alessandro, João, Flaviana, Angélica e Adriano, além Anderson (neto)

Ao aprender a leitura e a escrita ele já estava com 16 anos, ajudando o pai a plantar tomates na Fazenda Santa Rita, de Carlos Gobatto, em Ribeirão Bonito. Mas, bem antes já estava registrado no campo, tendo a Carteira do Trabalho como marca do seu sentimento de amor pela terra. “Posso não ser letrado como gostaria, mais a roça foi a minha faculdade e o gosto pelo trabalho me fez ganhar a vida, seguindo os conselhos do meu pai”, relembra.

Foi também nesse período que estando na praça em Ibaté num domingo à noite se engraçou com Maria Angélica que passeava entre as meninas do footing. Curioso em saber quem era a morena toda cheia de graça ele correu pra colega da garota e perguntou – quem é? Com o nome na cabeça correu para o serviço de som e não se furtou em pagar o locutor para oferecer a garota a música – “Bate o Pé” de Roberto Leal, como prova de amor. “Rapaz, no meio da praça a mulher me deu uma piscada e eu fiquei feliz”, afirma. A piscada sem tempo de validade já lhe garantiu um casamento que dura 44 anos e 5 filhos: Cristiana, Adriano, Flaviana, Viviane e Alessandro. Além disso, são 11 netos.

Sua vasta área de 6,5 alqueires ou 12 hectáres

O casamento contudo lhe deu uma perspectiva para novos desafios profissionais. João Branco queria acertar: foi plantar tomates na Fazenda Santa Mariaizinha, em Dourado, na Fazenda Santana, do alemão, Paulo Helling e depois tentou a sorte, em Analândia do Norte, onde ficou por um ano. Voltou para São Paulo, trabalhando na Fazenda Bela Vista do doutor Bordini (1987) e meses depois arrendou 5 alqueires de terras para seguir com a produção do tomate. “Cada colheita tinha que dar 20% para o patrão”, lembra o produtor.

Mas, em 1989, ouvindo o rádio ele diz que “escutou o locutor falar que o Incra estava abrindo inscrição para quem tivesse interesse em terras confiscadas pelo governo”. Corajoso se inscreveu, foi sorteado com 6,5 alqueires de terra, um pedaço da Bela Vista, na Usina Tamoio. “Era um mundo de terra pra mim e minha mulher, também meus irmãos, com a família enfrentando o verdadeiro sentido da palavra invasão, no entanto, amparado pelo instituto que um dia nos daria a garantia de permanência no campo.

João teve 30 dias para construir uma casa de tábua, verdadeiro paraíso, mas sem energia elétrica: foram 7 anos de lamparina movida à querosene e os picumãs nas telhas, tingindo o céu de preto. Não bastasse foram também 4 anos, usando e bebendo água do tanque, engrossando o coro de trabalhadores rurais no Assentamento Bela Vista.

O amor e carinho pela família

Para fazer o caixa do final do mês não se intimou com as madrugadas que lhe garantiam cuidar dos tomates que plantava e deixava no ponto para que – o Ceasa, mercados, quitandeiros viessem buscam, dada as dificuldades da logística.

Trinta e dois anos enfronhado em terras que nunca lhe deram segurança, nesta terça-feira (20), João Branco levantou como de costume, umas 3 horas da madrugada, com a diferença de não ter dormido. Angélica, como seu anjo de guarda, o despertou: “Acorda João, chegou o dia da gente pegar o papel prá gente poder falar que somos os donos desta área”.

João então botou os pés pra fora da casa tendo a madrugada como companheira e do seu interior como homem simples, crente na força divina talvez tenha em agradecimento a Deus que sempre foi tão generoso em sua vida, derramado duas gotas de água saídas dos seus olhos – a primeira gota ofertada pra Nossa Senhora e a outra pro chão que agora é dele pela graça de ser um homem do campo.