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Minha Vida, minha Casa, um abrigo para acolher minha gente, diria Ricardo Corrêa

O nome de Ricardo Corrêa da Silva, o Fofão da Rua Augusta, que um dia deixou Araraquara e foi cheio de sonhos para São Paulo, tornando-se anos depois num personagem das vias públicas da capital vai ser dado por iniciativa da vereadora Filipa Brunelli, a Casa Abrigo LGBT de Araraquara. O artista só teve sua história revelada meses antes de seu triste fim.

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Um pouco da história triste de um ser humano rejeitado pela sociedade

Para justificar a inserção do nome de Ricardo Corrêa da Silva, o Fofão da Augusta, na Casa Abrigo LGBT de Araraquara, a vereadora Filipa Brunelli (PT) teve que fazer uma narrativa sobre o ilustre homenageado, entendido pode ela, como um ser humano, que seguiu seu próprio estilo de vida. Sua história de empolgação se mistura a dor e o sofrimento vivenciado nas noites da Augusta, nada que o tenha feito mudar de ideia sobre o comportamento e o prazer de manter os mesmos hábitos criados em sua terra natal.

Ricardo, o Fofão da Augusta, ganhou o apelido de maneira pejorativa, em razão de alterações na face, decorrente de aplicações de silicone. “Foi um artista de rua araraquarense que viveu mais de vinte anos entregando panfletos de peças de teatro na região da Rua Augusta, no centro de São Paulo”, comenta Filipa Brunelli.

Natural de Araraquara, filho de Frank e Edite, saiu cedo de casa. Por opção, terminou o ensino médio e foi ser cabeleireiro. Entretanto, não em sua cidade de origem, mas na capital, a qual mudou-se por conta da discriminação de sua sexualidade enquanto homem gay.

De acordo com relatos de araraquarenses em matéria publicada por Chico Felitti, “era um personagem caricato na cidade. Não era querido, era ridicularizado”, simplesmente por ser quem é. Para além disso, trajava-se com elementos do gênero oposto, evidenciando uma performatividade enquanto drag queen, o que causava ridicularização por acerca de sua expressão, corroborada pela discriminação.

Traços em seu rosto que ficaram famosos na Rua Augusta

Filipa em sua narrativa conta que – Ricardo não chegou em São Paulo como um morador de rua. Chegou em 1978 com uma mão na frente e outra atrás, aos 21 anos, mas logo conseguiu empregar as duas mãos num trabalho que lhe deu dinheiro e renome. “A versão que corre entre mais de dez cabeleireiros do centro da capital é que ele foi uma estrela do bairro nos anos 1980”, diz a vereadora.

No salão Shirley’s começou sua carreira, onde aprendeu a fazer uma das melhores escovas da cidade. Durante esse período de auge profissional, entre a metade dos anos 1980 e a metade dos anos 1990, Ricardo morava numa quitinete na avenida São João, no Centro. Em meados de 1990, Ricardo foi despejado do salão em que era sócio, não pôde manter-se empregado e, não tendo como viver e sustentar-se, passou a viver de esmolas nas ruas de São Paulo e da prostituição, fixando-se em lugares que lhe rendiam maior dinheiro.

Assim, argumenta a vereadora – Ricardo começa a pedir dinheiro na rua e nasce o apelido “Fofão da Augusta”, trocando a escova dos salões de beleza pelos folhetos de teatro que distribuia, e passou a fazer em si mesmo a maquiagem que fazia no rosto dos outros evidenciando sua arte drag queen.

Em entrevista, publicada na mesma reportagem, um de seus colegas diz “a gente tinha que faturar dinheiro para comer no McDonald’s. Não tinha esse lance de crack que tem hoje. A gente gastava com McDonald’s, churrascaria. Era se encontrar para comemorar, falar o que fez no dia. Depois o Ricardo saía, ia comprar maquiagem. Outros iam comprar livros.”

Durante o período de auge profissional, entre a metade dos anos 1980 e a metade dos anos 1990, Ricardo morava numa quitinete na Avenida São João, no Centro

Infelizmente, Ricardo sofreu diversos problemas por conta de suas vivências. Ele também desenvolveu um quadro de problema psiquiátrico. Foram ao menos sete internações, a maioria delas ocorreu devido às inúmeras agressões físicas que ele sofreu nas ruas, inclusive, encabeçadas pelas autoridades, onde foi brutalmente espancado por policiais em uma delegacia de polícia, o que contribuiu para a deformidade feita em seu silicone e suas plásticas.

“Eu tenho muitas aplicações de silicone, plásticas no nariz, plástica na orelha, plástica na pálpebra. Eu ganhava bem e era vaidoso, queria ficar todo modelado. Era silicone para uso médico. Daí, de tanto dormir em cima, caiu. É que eu sofri um espancamento na delegacia de polícia”, relatou Ricardo em uma das suas entrevistas.

Sabe-se que Ricardo possuía direito à uma herança deixada por um tio, porém, passou os anos finais de sua vida residindo em um hotel na região da Cracolândia, diagnosticado com esquizofrenia aguda. Carlos, seu melhor amigo, informou que não houve interesse dele pela herança pois tinha “medo de burocracia por causa de uma fobia que desenvolveu da polícia”.

Em uma das últimas entrevistas que concedeu, Ricardo relata que “a rua não é a sala da casa da gente. Tem que ter muito tato, muita sensibilidade.”

“Percebe-se, portanto, como a LGBTfobia estrutural e institucional perpassa arrancando de maneira compulsória as relações de afeto e a humanidade das pessoas LGBTQIA+ em decorrência de sua sexualidade e/ou identidade de gênero e lançando-as à marginalidade, como ocorreu com Ricardo”, justifica Filipa.

Ricardo faleceu em 15 de dezembro de 2017, vítima de uma parada cardíaca. “Porém, deixou sua memória viva no intuito de darmos continuidade na luta contra a LGBTfobia e pela cidadania e dignidade das pessoas LGBTQIA+”, completa a vereadora, autora da proposta que visa homenagear Ricardo Corrêa da Silva.