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Morre Brasilino: o pensamento parece uma coisa à toa mas como é que a gente voa, quando começa a pensar…

Nesta sexta-feira (03), quando os ponteiros indicavam metade do dia, Araraquara perdia uma dos seus mais ilustres personagens da sua história musical: o professor Francisco Brasilino, aos 92 anos, que ensinou a arte do violão e formou artistas para todo o mundo. Brasilino faleceu na Santa Casa de Araraquara, após alguns dias internado.

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Como se estivesse pensando - desta vida o que levo, senão o respeito, a humildade e a admiração dos que me fizeram feliz

O ferroviário Francisco Brasilino receberia em breve o título de “Cidadão Araraquarense” como reconhecimento ao seu extraordinário trabalho na área cultural: ele foi professor de violão popular e clássico por quase 60 anos, uma atividade que o tornou figura extremamente conhecida e conceituada na história musical de Araraquara região.

“Brasa” como era carinhosamente chamado pelos músicos e amigos nasceu em Jurupema, distrito de Taquaritinga, em 25 de novembro de 1930. O título, projeto de autoria do vereador Elias Chediek reconheceria o valor do artista e da própria pessoa que durante grande parte da sua vida buscou até mesmo ensinar gratuitamente aqueles que não tinham recursos para pagar suas aulas. E muitos destes que foram beneficiados se transformaram em grandes nomes do cenário artístico nacional e até mesmo internacional.

Dois importantes momentos de um ser humano fantástico: ontem e até hoje

SUA HISTÓRIA

Quando Brasilino tinha tinha 5 anos de idade, sua família mudou-se para Matão, indo morar na Fazenda Cambuhy – Companhia dos Ingleses. Aos 18 anos veio para Araraquara e logo conheceu Francisco Otávio Menelau (Tavinho), cearense muito culto e de família rica, que tinha vindo do Rio de Janeiro. Tavinho e Brasilino apresentavam o mesmo gosto musical. Ambos admiravam músicos como Aníbal Augusto Sardinha (Garoto), Jacó do Bandolim, Luperce Miranda e Lupicínio Rodrigues.

Nesta época, Brasilino já tocava bandolim e um pouco de violão, passando a se apresentar com Tavinho que era boêmio e gostava de cantar. Nasceu então uma grande amizade e juntamente com outros amigos, entre eles o Valter Turrioni (o popular Faixa), Levi de Abreu Cassoni (verdadeiro poeta), Antônio Lopes, Sartore, Careca, Bicudo, Tilico, Mitichelli, Tchê, Zéca Palito e Ari Vargas, todos da turma da seresta, que seguiam pelas ruas cantando, madrugada afora. “Quantas vezes nós passávamos na rua 2, na rua 3, na rua 5, e no Jardim Público, com o violãozinho nas costas, batendo papo, contando histórias. “Qualquer hora do dia ou da noite era hora de cantar e tocar”, relembrou um dia Brasilino, ao RCIA ARARAQUARA.

Brasilino, em 1990, e ao completar 89 anos em 2019

Em 1955 iniciou seus estudos de violão erudito com o professor Nelson de Oliveira (Nelsinho) e posteriormente com o professor Orovildes Simões, em Ribeirão Preto. Em 1958, agora funcionário da E.F.A. – Estrada de Ferro Araraquara, casou-se com Inês, com quem teve quatro filhos: Agrício, Régis, Cláudio e Márcia.

Com o passar do tempo, direcionou seus estudos e pesquisas para o violão popular e a guitarra elétrica, sempre com um estilo novo e harmonias mais avançadas. Nessa fase da sua formação musical, além dos músicos já citados, passou a ouvir também guitarristas como: Laurindo de Almeida, Djalma de Andrade (Bola Sete), Hélio Delmiro, os americanos Joe Pass, Wes Montgomery, e o húngaro pouco conhecido mas não menos importante, Elek Bacsik. Ouvia também os pianistas – o americano Thelonious Monk e o brasileiro Alfredo José da Silva, que ficou conhecido como Johnny Alf.

Cláudio, Rosa (sobrinha), Inês (esposa), Régis (filho), Brasilino e Juraci: um encontro para comemorar 90 anos de Brasilino

Instrumentistas e compositores desse quilate, aliados ao seu autodidatismo, e estudos de teoria da harmonia como os amigos “Velho Barraca”, Eduardo Rocha, Iracema Nogueira e o Cabo Músico Antônio Celso Petronilho, influenciaram Brasilino na sua maneira de pensar e tocar, incorporando na sua arte o modernismo do jazz, fatores que o deixaram muito à vontade para conviver com a bossa nova que surgia no final da década de 50, do Brasil para o mundo.

Durante sua trajetória como guitarrista, o Chico Brasa tocou em todas as orquestras formadas na cidade. Em meados da década de 50, foi guitarrista de Cézar e a Orquestra Marabá, grande pistonista nordestino. Por volta de 1958 ingressou na Olavo e sua Orquestra, outro notável pistonista, permanecendo nela por bom tempo. Em 1963 e parte de 1964, foi guitarrista de Amir Spínola e sua Orquestra. Amir, que também era pistonista e pertencia a Banda da Força Pública, montara a orquestra com os melhores músicos militares, sendo Brasilino o único civil. “Brasa” também tocou na Orquestra Tapajós de Ribeirão Preto.

Marcelo, Vlademir, Roni e Zézinho, seus alunos em apresentação no Teatro Municipal em 20 de dezembro de 1982

Naqueles anos dourados das orquestras era muito comum em Araraquara e região, a realização de grandes bailes com a participação de artistas famosos. Assim Brasilino teve oportunidade de acompanhar Dalva de Oliveira, Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Jamelão, Marília Medalha, entre tantos outros. Tocou também em muitos bailes e shows realizados no nosso antigo Teatro Municipal.

Juraci de Paula, ao tecer alguns comentários sobre Brasilino, disse: “Considero-me privilegiado, por ter sido o primeiro aluno do Brasa no início da década de 60 e receber dessa rara fonte na época, importantes conhecimentos harmônicos empregados na então novíssima música popular brasileira, a bossa nova.”

Coral da Igreja Nossa Senhora das Graças sob regência de Francisco Brasilino

Na década de 70 Brasilino retornou em definitivo à música erudita e aos estudos do violão clássico. Desta feita, foi estudar em Campinas com o professor Milton Nunes e depois em São Paulo com o reconhecido professor Henrique Pinto. Ainda em São Paulo, conheceu o concertista e compositor professor Geraldo Ribeiro, do qual se tornou fã e amigo até os dias de hoje.

Brasilino ainda fez vários cursos de formação e regência de coral. Nessa fase, ouvia principalmente, obras de compositores e violonistas como os espanhóis José Fernando Macário Sor, Francisco de Asís Tárrega Eixea, Andrés Segóvia, o britânico Julian Bream, os brasileiros Marco Pereira, Raphael Rabello e, é claro, o amigo Geraldo Ribeiro.

Platéia no Teatro Municipal em 1981 assistindo evento marcado pela presença do mestre

Durante sua brilhante trajetória, agora professor na música erudita, Brasilino abriu muitas portas, dando oportunidade para várias gerações transformar sonhos em realidade, no mundo do violão. Através de suas sábias orientações enérgicas e seguras, colocava seus alunos na direção certa, para realizarem a difícil caminhada rumo aos seus ideais na música. Oferecia uma visão mais ampla do instrumento e maior abertura para suas escolhas futuras.

Entre esses jovens, seus ex-alunos, muitos se destacaram na música figurando na lista o violonista, produtor musical e concertista internacional premiadíssimo, professor Paulo Martelli; seu irmão Pedro Martelli, violonista e professor de violão da Faculdade de Música da Universidade Federal de Goiânia; o violonista Rogério Bento Amaral, professor de musicalização e regente do coral da Escola Adventista em Marília; Aylton Bonini (Bon), guitarrista e professor de guitarra e improviso na famosa Souza Lima, umas das melhores escolas de música do Brasil; o compositor Murilo Romano, que conquistou respeito e prestígio internacional como guitarrista e produtor musical; José Henrique Martiniano (Zé Henrique), guitarrista, compositor, produtor musical e líder do grupo Mecânica dos Solos, entre outros.

Professora Márcia Braga, Paulo Martelli, professor Geraldo Ribeiro, Geraldo Bucci e Brasilino

Brasilino deu aulas na Escola Villa Lobos, na Casa da Cultura durante longos 35 anos, no período de 1981 a 2016, e também aulas particulares nas residências dos seus alunos.  Quando um dos seus alunos tinha o dom musical e não tinha como remunerá-lo, Brasilino ensinava gratuitamente, simplesmente pelo prazer de ensinar e observar o desenvolvimento musical do aluno. E isso ocorreu muitas e muitas vezes.

No meio e no final de cada ano, realizava as audições/recitais de violão com seus alunos em Araraquara e cidades vizinhas, como Américo Brasiliense, Santa Lúcia, Matão, nas quais também lecionava. Montou com seus alunos, duos, trios, quartetos e até o primeiro quinteto de violão da cidade por volta de 1972, o Quinteto Araraquarense de Violão, cuja primeira formação era: Ana Maria Turrioni, Vera Lúcia Martelli, Pedro Luís Martelli, Regina Pierre e Agrício Brasilino, seu filho.

Montou e regeu o Coral da Igreja Nossa Senhora das Graças e da Igreja de São Sebastião, ambas em nossa cidade e também os corais de Américo Brasiliense e Santa Lúcia.

Dia 25 de novembro último, o compositor, arranjador e regente, Professor Francisco Brasilino, completou 92 anos.

O corpo do mestre será velado na Bom Jesus, da 7h às 10h, ocorrendo em seguida o sepultamento neste sábado no Cemitério São Bento. Siga em paz, amigo. Araraquara agradece pela missão cumprida com dignidade.