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O antigo Presépio do DER em Araraquara, suas marcas e lembranças 62 anos depois

Embalados pelos sonhos de Natal, jovens senhores recordam: era uma mesa com dois metros de comprimento colocada no interior das suas oficinas. Era assim que todo ano, o DER começava a criar o seu presépio, deixando-o para a história da cidade. Adão Daniel de Souza, único sobrevivente deste grupo operacional narra a epopeia que arrastava milhares de visitantes nesta época.

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A montagem do presépio exigia um esforço técnico muito grande dos servidores, pelo menos dois meses e meio antes

Nascido em março de 1936 na cidade de Borborema, Adão Daniel de Souza tinha então apenas dois anos de idade quando Armando Salles Oliveira, interventor federal no Estado de São Paulo, assinou o decreto criando o Departamento de Estradas de Rodagem. Jamais poderia imaginar então que tempos depois poderia ser o DER o prolongamento do seu lar por pelo menos 33 anos.

Expansão do presépio foi tamanha que três anos depois tinha 40 metros de comprimento. Araraquara tinha 50 mil habitantes.

O vínculo entre ambos – Adão e o DER – no entanto, se torna mais forte a partir da curiosa criação do presépio em uma área fronteiriça ao departamento instalado na Avenida Presidente Vargas com a Rua Castro Alves (16). Sem muitas pretensões a montagem do primeiro presépio em 1960 tinha características simples, fugia ao rigor e preceitos dos festejos natalinos e lembrava de forma muito simples o nascimento do menino Jesus.

Adão era o responsável pela pintura da sinalização nas rodovias mantidas pelo DER

“No DER existia o setor das oficinas composto por marcenaria, serviços de eletricidade, mecânica, tapeçaria, pintura, ferraria e usinagem. Nesta área tínhamos tornos, frezadoras, serras e outras máquinas que eram usadas no dia-dia do departamento, além de um altar construído para a celebração de missas por ação de graças em datas comemorativas, uma delas o Natal. Naquele ano resolvemos montar um presépio sobre uma mesa com mais ou menos dois metros de comprimento”, lembra Adão Daniel de Souza, um dos poucos funcionários vivos daquela época.

Pedro Del’Acqua, o marceneiro e João Rossi, o encarregado, após o presépio finalizado em 1963

Como a mesa era encostada em uma parede deteriorada os organizadores decidiram colocar um pano para fazer fundo: “Acabei sendo escalado para pintar o pano, no entanto, ao invés de apenas pintá-lo acabei criando uma paisagem: era um céu todo azul, algumas nuvens, montanhas cortadas por rios”, diz Adão com uma das mãos escorregando pelo rosto aparentemente marcado por um período de 60 anos. “Modéstia à parte o fundo do pequeno presépio ficou bonito”, confessa.

O primeiro presépio em 1960 nasceu de forma bem simples. Observem que na imagem aparece o conjunto The Beatles que começava a fazer sucesso em todo o mundo. Presença também de uma dançarina.

De fato, o cenário chamou a atenção e para o próximo ano ele já estava convocado para criar novo cenário, agora em um presépio com 15 metros de comprimento: “Me lembro sim da pintura”, quando questionado sobre sua nova arte: “A ilustração apresentava um moinho de fazer fubá à moda antiga tendo uma roda movida com água e o monjolo utilizado para separar a casca dos grãos do arroz. Tudo isso fazia parte de uma roça de milho no pé da serra, cortada pelos rios”, relembra o servidor do DER, agora identificado como “o artista do presépio”.

O DER trazia para dentro do presépio suas atividades tal como fosse uma cidade

A cidade, emergente naquela época, com não mais que 45 mil pessoas, corria para ver o “Presépio do DER” que dava identificação aos bairros do Carmo e Quitandinha. “Eram milhares de pessoas que apareciam de todos os lados da cidade e região se aglomerando na portaria do DER”, diz Adão, emocionado ao relembrar uma história que segundo ele “fazia bem para a cidade”, principalmente aos domingos quando fica aberto ao público durante todo o dia.

Adão, mais de 30 anos a serviço do DER, único sobrevivente dos construtores do presépio

A bem da verdade a equipe formada por João Rossi (encarregado), Pedro Del’Acqua (marceneiro), Giovani Ferro (eletricista), Edison Barrico, Takeo Konishi e Adão Daniel de Souza (pintura artística) a cada ano estava mais ousada. Isso, recorda Adão, já foi mostrado no terceiro ano de realização quando o presépio ocupou 40 metros de comprimento sobre o chão, possibilitando a construção de uma rodovia ocupada por veículos simbolizando o trabalho do DER. A pista era toda sinalizada, comenta o artista.

Foi também neste ano de 1963 que veio a inovação: foi construída além da rodovia, uma ferrovia por onde o trem seguia pela margem do rio. Para o conjunto The Beatles que explodia em todo o mundo e foi montado um palco. Tanto os integrantes do grupo se mexiam, bem como a bailarina que os acompanhava. Um show, onde todos se divertiam, revela o artista.

Pano de fundo do presépio era criado e pintado por Adão

ARTISTA DO DIA PRA NOITE

Adão Daniel de Souza, hoje com 84 anos, filho de Benedita Bueno da Conceição e Jovelino Daniel de Souza, pode se dizer é um dos sobreviventes nesta romântica história que cerca o Presépio do DER que saiu de cena por volta de 1968, quando os participantes da sua montagem foram se aposentando. Ao lado da esposa Maria do Carmo e dos filhos Alcides, Antonio, Ademar, Adãozinho, Alzira, Adenir e Angela acabou construindo uma vida voltada para um mundo de paz e felicidade: “É verdade que a gente tem os tropeços, mas prevalece sempre a vontade de Deus”, diz sorrindo e orgulhoso pelas conquistas que teve principalmente na sua atividade, trabalhando no DER.

Adão com seus familiares, da esquerda para à direita: Emanuel, Israel, Daniel, Raquel e Rafael Daniel de Souza. Tem também netos e bisnetos

“Quando eu tinha 12 anos era aluno do Grupo Escolar de Borborema; estava no 2°ano e os meus professores faziam uma experiência com os alunos. Distribuíam umas folhas em branco para cada uma das 40 crianças e quem fizesse o desenho mais bonito sairia uma hora mais cedo da sala de aula. Eu era sempre o vencedor”, recorda.

Essa dedicação teve grande significado na vida do menino de Borborema pois o pai sendo pedreiro, em um certo dia foi chamado para pintar o nome de uma loja recém reformada. Fazer isso era muito comum antigamente. “Seo” Jovelino como tinha sido o pintor da obra assumiu a função de escrever… e escreveu errado, recebendo severas críticas do proprietário. “Eu vi aquele homem maltratando, ofendendo meu pai. Embora com 14 anos tomei as dores e assumi reescrever tudo outra vez – foi o que acalmou o lojista”, conta entristecido.

Uma das imagens que os antigos visitantes do presépio conseguem ter em suas recordações (1963)

Isso lhe valeu anos mais tarde trabalho no DER e uma das suas tarefas era a pintura dos sinais de trânsito nas rodovias, sendo uma das atividades que o levou a ser o artista plástico dos presépios armados na época festejos natalinos.

O DER EM SUA VIDA

Uma peça usada todos os anos no presépio era a imagem de Nossa Senhora Aparecida sobre bigorna que simbolizava o trabalho do grupo nas oficinas do DER

Atualmente o DER-SP é uma autarquia vinculada à Secretaria de Logística e Transportes que tem a função de administrar o sistema rodoviário, integrando as rodovias municipais e federais, elaborar normas e especificações técnicas para o setor rodoviário e interagir com outros meios de transporte, com o fim maior de atender o usuário.

O legado dos primeiros caminhos paulistas começou em 1939, quando o DER adotou como prioridade a construção das Vias Anchieta e Anhanguera. A primeira inaugurada em 1947 e a segunda, no trecho Jundiaí/São Paulo, em 1948 – ambas pavimentadas em placas de concreto.

Para atender as necessidades do projeto de integração do interior paulista foram criadas em 1948 as primeiras Divisões Regionais do DER nas cidades de São Paulo (DR.10), Itapetininga DR.2), Bauru (DR.3), Araraquara (DR.4) e Campinas (DR.1). Coube às DRs construir, conservar, manter a malha rodoviária e dar apoio aos 645 municípios do Estado de São Paulo.

O DER de Araraquara, um dos departamentos mais antigos no Estado de São Paulo, em 1943 começou o processo de desapropriações para construção da Rodovia Washington Luís. Em 1948 começaram as obras, época em que se originaram os eixos radiais (trecho Limeira – Pereira Barreto). Já nos anos de 1978 a 1980 essa rodovia foi duplicada da intercessão da SP-310 com a SP-330 até o Cambuí no Km 293 e em 1989/90 houve a próxima duplicação da intercessão da SP-310/326 até Fernando Prestes.

AS ETERNAS CURIOSIDADES

Luciano Ferro, neto de Giovani, o eletricista que trabalhava no presépio, conseguiu resgatar as fotos para ilustração desta história

Dos seis funcionários do DER que por pelo menos 10 anos produziam e montavam de forma ousada o presépio somente Adão está vivo com seus – 86 anos e meio de idade, como ele próprio diz. Mora no Jardim Santa Lúcia, proximidades do DER, como era praxe entre os servidores. João Rossi, o encarregado, segundo consta mudou-se para São José José do Rio Preto, onde acabou falecendo; Pedro Del’Acqua, o marceneiro, era pai de

Giovani Ferro, o eletricista do presépio

Areovaldo Del’Acqua (Unesp) eleito vereador na cidade; Giovani Ferro, o eletricista, nasceu na Itália, estudou até o primeiro ano universitário, casou-se com a Cesira Guzzon e tiveram três filhos: Natale, Maria e Gastone que faleceu nesta semana em Araraquara. Curiosamente foi o filho de Gastone, Luciano Ferro, hoje residindo em Pirassununga que encontrou entre os objetos guardados pelo pai as únicas – provavelmente, fotos do presépio.

Luciano conta que os Battista Ferro vieram para o Brasil em partes: em 1950 o Natale, e no Natal de 1952, o restante da família, com exceção da Maria, que permaneceu na Itália. “O meu tio Natale, trabalhando no DER, conseguiu indicar o meu avô (meu tio, fresador e o avô, eletrecista). Meu pai (Gastone), também eletrecista, trabalhou na Nestlé.

De Edson Barrico poucas informações se tem, o mesmo ocorrendo com Takeo Konishi, que faleceu recentemente. Adão Daniel de Souza (pintura artística), com sua lucidez nos deu a satisfação de resgatarmos essa história após um ano de buscas.