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Pedro Morganti: italiano se tornou gigante do setor sucroalcooleiro

Pietro Morganti veio da Itália no século 19 e estabeleceu no Brasil a Usina Tamoio, a maior indústria sucroalcooleira da América do Sul

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Comendador Pedro Morganti um dos homens mais poderosos do agronegócio brasileiro em todos os tempos

No final do século 19, mais precisamente no ano de 1890, o italiano Pietro Morganti, um adolescente de 14 anos, chegou ao Porto de Santos com o objetivo de trabalhar na torrefação de café.

Seu irmão Carlo já se encontrava no Brasil, onde trabalhava nesse ofício de torrefação de café na Rua Amaral Gurgel, esquina com a Rego de Freitas, em São Paulo. No início, Pedro (nome “abrasileirado”) dormia sobre o balcão da venda e só mais tarde se mudou para um pequeno quarto de porão.

Vista aérea da Usina Tamoio, em Araraquara

Pedro era filho de Tommaso Morganti e Beatrice Sargentini Morganti. Além de Carlo, ele era irmão de Biaggio e Paolo Morganti, todos italianos que emigraram para o Brasil e passaram a morar na capital paulista.

Nascido em 2 de abril de 1876 em Bozzano, fração de Massarosa, pequena cidade da província de Lucca, na região da Toscana, Pedro teve que regressar a Itália pouco depois de chegar ao Brasil para fazer o serviço militar em Bolonha.

MUDANÇA DE OFÍCIO

Quando retornou a São Paulo, acabou se casando com Giannina Morganti e, de 1902 em diante, passou a se dedicar à refinação de açúcar, recorrendo ao trabalhoso processo manual, nas modestas instalações na Rua Amaral Gurgel, na Vila Buarque, em São Paulo.

No ano de 1904, Pedro Morganti ampliou a empresa, instalando uma filial da refinaria na atual Rua Quirino de Andrade (antiga ladeira do Piques), sob a direção do irmão Paulo, e passou a contar com dois sócios: Narciso e Stefano Gosi.

Em 1910, surgiu a Companhia União dos Refinadores, ideia elaborada a partir das vantagens que Pedro enxergou em reunir em uma única empresa a matéria-prima e o produto acabado, ou seja, as usinas plantariam e produziriam ao mesmo tempo.

O italiano Pedro Morganti construiu um império na década de 1940

USINA EM PIRACICABA

Foi pensando assim que Pedro Morganti adquiriu, no mesmo ano, o Engenho Central de Monte Alegre, em Piracicaba, fundado em 1889, que foi transformando na nova Usina de Monte Alegre, em sociedade com José Pugliesi.

Assim, Pedro Morganti entrou definitivamente para o universo da indústria açucareira e acabou se tornando um poderoso e progressista senhor de engenho e de usinas. Aquela foi a grande fase, não apenas do Engenho de Monte Alegre, mas da indústria açucareira no Brasil.

No ano de 1916, Pedro Morganti comprou as ações da Companhia Central Conde Wilson, proprietária do Engenho Porto Real, na região do município de Resende, no Rio de Janeiro, e as vendeu para um sobrinho.

Busto de Pedro Morganti no aeroporto de Piracicaba (Foto: Diego Franco / Flicker)

PEDRO MORGANTI ADQUIRE A USINA TAMOIO

Com os rendimentos, ele acabou adquirindo, em 1917, o Engenho Fortaleza, uma propriedade de 2 mil alqueires em Araraquara, interior de São Paulo, que passou a se chamar Usina Tamoio. Dessa forma, Pedro Morganti organizou a Companhia União Agrícola, que, dentre outras, incorporou, em 1942, a Fazenda Guatapará, adquirida junto à família Silva Prado.

Em 1924, a Usina Tamoio passou a fazer parte da Refinadora Paulista S/A. Em 1930, a Usina Tamoio já produzia uma média de 3,9 mil sacas de açúcar por ano e respondia sozinha por aproximadamente 12% da produção total do Estado de São Paulo, firmando posição no mercado açucareiro nacional.

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Nos anos 1940, com as políticas do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), a usina teve uma grande expansão. Naquela época, foi construída a Igreja de São Pedro (1943), e a usina passou a abrigar cerca de 3.000 trabalhadores, os quais, com suas famílias, totalizavam um contingente de 7.000 a 10.000 moradores.

TEMPO DE MUDANÇAS

As terras da usina chegaram a 5.278 alqueires. Em 1946, bateu o recorde continental da produção de açúcar, e a Usina Tamoio tornou-se a maior indústria sucroalcooleira do país e da América do Sul.

Após sucessivas crises econômicas e na política brasileira, a Usina Tamoio acabou entrando em decadência e, em 1971, a família Morganti vendeu a empresa para o Grupo Silva Gordo, incluindo a Fazenda Guatapará, as usinas e a Refinadora Paulista. Na época, o grupo era presidido por José Adolpho da Silva Gordo.

Cortejo fúnebre de Pedro Morganti na Avenida Paulista, em São Paulo, em 1941 (Foto: Blog Nassif)

Algum tempo depois, Silva Gordo vendeu a Usina Tamoio para a família Corona, que vendeu a empresa para o Grupo Cosan. A Fazenda Guatapará foi vendida em parte para colonizadora japonesa JAMIC e outra parte ao Grupo Votorantim, que por sua vez alienou para a empresa Internacional Paper e para a família Ometto, que a incorporou à Usina São Martinho.

SINAL DOS TEMPOS

Para se ter ideia da importância e da imponência das instalações da empresa para Araraquara e região, a Usina Tamoio chegou a contar com uma ferrovia particular. A Estrada de Ferro Usina Tamoio tinha cerca de 30 quilômetros e passava pelos municípios de Ibaté, Araraquara e Ribeirão Bonito. Além disso, a usina tinha uma estação da Companhia Paulista e uma Vila Ferroviária, localizada em Ibaté, próximo à divisa com Araraquara.

A usina tinha sua própria estrada de ferro

Outra curiosidade sobre a usina é que em suas dependências foi construído o Estádio Comendador Freitas, inaugurado em 1951, mesmo ano em que foi inaugurado o Estádio da Fonte Luminosa, da Ferroviária de Araraquara.

Das cerca de 1500 residências edificadas pela usina na Vila Ferroviária, restam hoje menos de uma centena. Em 2012, a igreja da Usina Tamoio foi reformada, após anos fechada. No entanto, o templo foi assaltado em 2018, e diversos documentos históricos foram levados.

Fachada do estádio construído dentro da Usina Tamoio

A OBSTINAÇÃO DE PEDRO MORGANTI

Em 2017, a Raízen, que pertence ao Grupo Cosan, anunciou o encerramento definitivo das atividades da usina, demitindo seus últimos 250 funcionários. No entanto, uma liminar da Justiça anulou a ação e determinou a “recontratação” dos colaboradores.

Essa narrativa – que começa no final do século 19, atravessa o século 20 e já vem por boa parte do século 21 – só foi possível graças ao espírito empreendedor do italiano Pedro Morganti, que veio para o Brasil procurar por um trabalho e um bom lugar para formar sua família. E, com sua obstinação, acabou construindo um belo pedaço da história do Brasil.

Por Roberto Schiavon/Italianismo