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Sepultado em Araraquara Pedro Bonini, o relojoeiro e músico que fez o tempo parar

Quando o radialista Nildson Leite Amaral anunciava pelas ondas da Rádio Cultura o Conjunto Musical de Pedro Bonini, atentos, os ouvintes sabiam que vinha qualidade. Mas, não era só - carnaval animado nos clubes da cidade, só mesmo com Pedro Bonini, que deixou para a cidade uma história de amor à arte.

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Os dois tempos na vida de um homem que fez a cidade se dobrar ao encanto das suas músicas

Araraquara perdeu nesta sexta-feira (02) um dos seus músicos mais laureados em todos os tempos: Pedro Bonini, também relojoeiro e que dava aos bailes a partir dos anos 50 um cenário de glamour. Bonini há tempos vinha ocupando um dos apartamentos do Lar São Francisco, sempre cercado do carinho e do respeito que os amigos lhe proporcionavam.

Naquela manhã de setembro fomos até  ao Lar São Francisco, antigo Asilo de Mendicidade para rever e conversar com Pedro Bonini, um dos mais ilustres personagens da história musical da cidade. Ao nosso lado o ex-presidente da casa, José Alberto Santarelli.

O seu casamento com Maria Chade Bonini (Leila)

Inicialmente ele nos fez uma apresentação de si próprio: “Pedro Bonini, filho de Vertulo Bonini e Rafaela Demarzo Bonini, casado com Maria Chade Bonini (Leila). Ele, já estava a nossa espera em uma ampla sala, pronto para falar. No começo, apenas lamentou – “não sei se vou me lembrar de tudo”, porém o que observamos nele foi a euforia de querer mostrar o que a cidade sempre lhe proporcionou: trabalho como relojoeiro e músico.

O COMEÇO DE TUDO

Pedro iniciou os estudos de música na infância. Logo identificou-se com o saxofone tenor, instrumento ao qual dedicou sua vida. É claro que também nunca abandonou sua profissão de relojoeiro. Sua oficina ficava na Rua 9 de Julho, 1086, distante uns vinte metros do, na época, conhecido Bar do Mimi, na Praça da Santa Cruz.

Pedro Bonini e a esposa Leila em sua relojoaria

Conseguimos encontrar o local exato graças à gentileza de Mliner Baldan, simpático comerciante de 86 anos dono de invejável memória, proprietário da famosa Casa Baldan em cuja entrada tinha um jacaré empalhado (mesmo com a ampliação da loja o jacaré continua no mesmo lugar). Por muitos anos reinaram ali os três vizinhos: Baldan, Mimi e Bonini.

Tempos depois, graças a sua dedicação, bom gosto musical e o inegável domínio do instrumento, Bonini passou a tocar na Orquestra Marabá do maestro e pistonista Cezar, ao lado de músicos de grande talento como o conhecido pistonista e trombonista  Olavio Fellippe, o baterista Ariosto e seu irmão Darvinho que tocava sax-alto (ambos vinham de São Carlos),  Geraldo Antonio que tocava trombone de vara, o cantor Bento dos Santos (o conhecido Bento Vaca, que também era juiz de futebol), o contrabaixista “seu” Rocha, o guitarrista de grandes recursos Francisco Brazilino (Braza) e outros bons músicos.

Os smokings comprados em uma liquidação das lojas Ducal, na 9 de Julho esquina com Avenida Portugal tornaram elegantes – Juraci Brandão de Paula (Jura), Pedro Bonini, Olavio Fillippe, Ademar Basílio (Caduco), Nabor Rodrigues dos Santos, Arnaldo Delboni e José Carlos Arone (Ciganinho)

Para tocar com esses músicos comprou um sax tenor novo em São Paulo da marca Toneking “made in Czekoslovachia”, cuja propaganda era “The Best in the world”. Um belíssimo instrumento.

A Orquestra Marabá, isso por volta de 1952, lembrou Pedro Bonini naquele dia, tocava o repertório das big bands americanas como as lideradas pelos  trombonistas Glenn Miller, Tommy Dorsey, o pistonista Harry James e o pianista Duke Ellington. Também mostrava o repertório das grandes orquestras brasileiras como a famosa Tabajara do clarinetista e maestro Severino Araujo, e dos maestros e pianistas Sylvio Mazzucca, Radamés Gnattali e Enrico Simonetti. (Veja YouTube Seleção Grandes Orquestras – Big Band Antiga Novidade – Artuzo Musical; Orquestra Tabajara ao Vivo Show Completo).

À esquerda, Pedro Bonini em baile de carnaval com a primeira formação do grupo; cantando está Nabor Rodrigues dos Santos

Bonini contou então que a orquestra era muito requisitada na região para bailes de coroação de misses, desfiles de moda, formaturas e aniversários de cidades. Disse ainda que nunca esqueceu de um grande baile que tocaram em São Paulo junto com outra boa orquestra da cidade de Campinas.

NOVOS TEMPOS

Com o fim da Orquestra Marabá, o maestro Cezar voltou para a Bahia; o Bonini que era seu auxiliar nos ensaios e que melhor se relacionava com os músicos, resolveu montar o seu próprio grupo com os músicos, naquele momento desempregados. Surgiu assim em 1958 o Bonini e seu Conjunto, logo contratado para abrilhantar todas as “domingueiras” e bailes de carnaval do Clube Araraquarense, cuja sede social ficava na Esplanada das Rosas,  na Rua São Bento entre as avenidas Portugal e Duque de Caxias, ao lado do Teatro Municipal,  uma obra de arte arquitetônica da cidade, inaugurado em 1914 e infelizmente demolido em 1966.

Na última noite de carnaval do Clube Araraquarense em 11 de fevereiro de 1964, apresentação da Escola de Samba – Amigos do Samba, comandada por Geraldo Lúcio Andrade, observada pelo Jura que tocava no conjunto do Bonini que animava o baile

O conjunto do Bonini surgiu com a seguinte formação: Pedro Bonini (líder e Sax-Tenor); Olavio Fillippe (Piston e Trombone); Pirituba (Bateria), músico famoso nas noites paulistanas, depois  substituido por Ariosto, também muito conhecido na capital; Francisco Brazilino (Guitarra), ‘seu’ Peres (Baixo), Ademar Basílio, o ‘Caduco’ (Cantor), Nabor Rodrigues dos Santos (Cantor) e Milton Bonini (Pandeiro), era primo de Pedro.

O QUE VEIO DEPOIS

Numa segunda formação em 1964, o grupo passou a contar com José Carlos Arone (Ciganinho) no baixo, Arnaldo Delboni na bateria, Luiz Peres Flores (Luizinho) no pandeiro e eu (Juraci) na guitarra, levado para o conjunto pelo Olavio que já me conhecia da Banda Infanto Juvenil onde ele era professor e maestro e eu bombardinista, seu aluno.

Lembro-me que numa das domingueiras, logo no meu início no grupo, o Brazilino apareceu no Clube Araraquarense e me foi apresentado pelo Olavio como guitarrista.

Então pedi para ele “dar uma canja” que entre os músicos significa tocar um pouco. Naquela noite não tive mais coragem de pegar no instrumento e observei o Braza o tempo todo.

Antonio Sérgio Rosa (camiseta escura) que nos cedeu foto de outro baile realizado no Araraquarense, animado pelo grupo musical de Pedro Bonini

Fiquei impressionado com a sua musicalidade, conhecimento e bom gosto no emprego harmônico. Daquele dia em diante ele passou a ser o meu professor de harmonia. Tudo que era bossa nova eu aprendia com ele. Nunca me cobrou um tostão. Tornamo-nos grandes amigos até hoje.

Todos os domingos, das 21 às 24h o grupo tocava no Clube (domingueiras) assim como os bailes de carnaval e os pré-carnavalescos. Aos sábados tocávamos nos demais clubes da cidade como o 22 de Agosto, o 27 de Outubro e em todas as cidades da região.

AS LEMBRANÇAS

Filho de italianos, Pedro Bonini seguiu os passos de seu pai Vertuno, um relojoeiro que se estabeleceu na Praça de Santa Cruz em 1939. Quando o pai morreu, ele assumiu a relojoaria, mas já havia começado bem antes na profissão – aos 14 anos. Apesar da pouca idade, herdou a habilidade de Vertuno e por muitos anos conciliou o balanço das horas com a música. Ao seu lado sempre, a companheira Leila com quem teve os filhos Rosangela, Sérgio e Pedro.

O Bonini se orgulhava muito do apoio que recebia da sua esposa Leila para continuar com suas atividades musicais.

Uma das nossas últimas visitas a Pedro Bonini no Lar São Francisco falando do seu envolvimento com a história musical da cidade; na foto Juraci Brandão de Paula, José Alberto Santarelli, então presidente do Lar e Bonini

Um dia estava na sua relojoaria sentado em uma cadeira próxima da sua mesa de trabalho como os músicos do grupo geralmente faziam, e enquanto ele consertava os relógios batíamos papo. Então passou a dizer que no dia em que não íamos tocar e havia baile com outro grupo de fora, chegava em casa da oficina, tomava um banho, jantava e ia descansar. Quando a Leila o acordava, sua roupa já estava passada e pronta para ele ir ao baile observar o repertório e desempenho do grupo ou simplesmente aplaudir e conversar com os amigos. Ia sozinho uma vez que a Leila não gostava de bailes.

E assim passou mais uma das etapas da história musical de nossa cidade, deixando imensa saudade. Na verdade, Araraquara sempre foi pródiga em possuir filhos tão queridos, que independente da atividade que exerciam, foram importantes neste cenário antigo e esquecê-los jamais.

Texto: Juraci Brandão de Paula