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Soldado denuncia tortura por cerca de meia hora no Exército em Pirassununga

Exército investiga o caso em Inquérito Policial Militar. Jovem de 19 anos continua afastado das atividades e deve passar por reavaliação médica nesta quinta-feira (23)

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13º Regimento de Cavalaria Mecanizado, em Pirassununga

Um soldado temporário de 19 anos, acaba de denunciar às polícias Militar e Civil de Pirassununga, ter sido vítima de tortura dentro das dependências da unidade militar do 13º Regimento de Cavalaria Mecanizada existente no município.

Em sua narrativa afirmou que após o abalo psicológico, chegou a tentar o suicídio em sua casa, na Rua Capitão Maneco, na região central de Pirassununga, distante cerca de 119 Km de Araraquara, mas optou em ir até a sede da Polícia Militar para conversar com os militares e explicar o que havia acontecido. Já mais calmo, o soldado posteriormente foi socorrido pelo SAMU na Santa Casa e, aconselhado a procurar a Polícia Civil Judiciária para o registro de outro Boletim de Ocorrência.

A vítima relatou no BO que está na Unidade Militar há cerca de 10 meses e que na manhã da última quinta-feira, 16, após uma formatura, um oficial designou alguns soldados para realizarem serviços de manutenção e limpeza no interior da Unidade Militar. Isso seria feito em conjunto com os soldados Jonas, Bonifácio e Gião, e a missão determinada pelo Cabo Douglas era de fato, organizar e limpar o depósito de caixas de papelão guardadas.

O soldado, vítima da tortura, teria estranhado o fato de os demais colegas de farda pegarem apenas duas caixas, deixando o local sujo. Em dado momento, seu trabalho foi encerrado por outros soldados que determinaram para que ele fizesse uma faxina câmara fria, seguindo para o local com os soldados Jonas, Bonifácio e Gião e o cabo Douglas, seguindo para o local os soldados Souza Fontes, carregando um cabo de vassoura.

Os ferimentos nas pernas

No local, o grupo de militares determinou que a vítima abaixasse sua calça e diante da recusa foi agarrado pelo grupo que retirou sua calça à força, quando então quebraram o cabo de vassoura na região do seu ânus e apenas teriam parado a tortura porque começou a gritar bem alto.

Minutos depois, os colegas de farda retornaram, o pegaram a força, sendo levado para outro deposito, dando início uma longa sessão de tortura, onde alguns o seguravam e outros o agrediam nas nádegas, com pedaços de ripa tipo palete e uma grande colher de pau utilizada em panela industrial. 

No boletim ele ainda narra que era torturado com tábua de cortar carne e cabo de vassoura; quando cessou a série de agressões, conseguiu fugir do local correndo, com a nádega bastante lesionada. Ele também ficou com várias escoriações pelo corpo, o que foi constatado em exame de corpo de delito.

Segundo a vítima, o Cabo Douglas por duas vezes enviou mensagem pelo whatszapp, dizendo que tudo que ocorreu foi uma brincadeira. No boletim, a vítima assegura que apenas o Soldado Gião, não participou da tortura, tentando se afastar do local, sendo impedido.

Enquanto o Exército investiga o caso em Inquérito Policial Militar, o jovem de 19 anos continua afastado das atividades militares e deve passar por reavaliação médica nesta quinta-feira (23).

À BASE DE CALAMANTES

O advogado de defesa do soldado, Pablo Canhadas, afirma que o rapaz ainda está muito abalado com a violência e precisou ser afastado das atividades militares desde o ocorrido e que tem vivido à base de calmantes. Canhadas ressalta que as agressões duraram cerca de 30 minutos, com pedaços de ripa de madeira, remo de panela industrial e um cabo de vassoura, que teria sido quebrado na região do ânus. 

“Neste momento, estamos trabalhando com o que chamo de ‘ação de contenção de ônus’, é mais um acompanhamento de perto para defender que amanhã ou depois não criem um arcabouço para falar que o meu cliente foi o responsável pelo ato que sofreu dentro do Exército, para poder eximir a União de pagar uma indenização, de dar um suporte psicológico e psiquiátrico. Quem disse que amanhã ele vai estar bem para seguir a vida? Vê farda e já começa a chorar”, disse o advogado.

Vítima vai passar por reavaliação médica nesta quinta-feira

O caso foi registrado como lesão corporal no 1º Distrito Policial de Pirassununga. Mas, conforme apurou a reportagem, não haverá investigação da Polícia Civil, apenas do Exército.

O MEDO DE DENUNCIAR

De acordo com Canhadas, o jovem completou um ano na corporação e via o serviço militar com orgulho. “Estava virando a vida toda para o militarismo”, declarou. O advogado admitiu que, inicialmente, o soldado estava receoso em fazer a denúncia, mas teria sido aconselhado por um familiar.

“Ele é uma pessoa simples, não tem capacidade de pagar médico, mora de aluguel. O medo dele era de denunciar, ser mandado embora e, no mês que vem, não ter dinheiro nem para o aluguel. Só que o trauma, o impacto do que aconteceu foi muito grande. Ele está seguindo à base de calmantes. Fisicamente, se não der nenhuma sequela, o tempo cura. Mas, psicologicamente, vai precisar de um trabalho grande.”

Canhadas informou que o jovem vai passar por uma avaliação médica no 13º Regimento e antecxipou – “Vou estar com ele para saber se vão revalidar o atestado do Pronto-Socorro e se vão iniciar acompanhamento médico com ele. Todo ato externo precisa ser revalidado internamente”, explicou.

O QUE DIZ O BOLETIM DE OCORRÊNCIA

De acordo com o boletim de ocorrência, o militar estava organizando um espaço com soldados, quando estes disseram que ele teria que limpar uma câmara fria. Foi então que um cabo e outros soldados também teriam ido a esse segundo local. Em seguida, conforme o relato do militar, a farda dele teria sido arrancada e uma vassoura quebrada na região do ânus. Ainda segundo o boletim de ocorrência, um cabo supostamente envolvido nas agressões teria enviado uma mensagem ao militar dizendo que ele “estava mentindo e que iria prejudicar a todos”.

A vítima apresentou imagens das lesões sofridas e disse que passou por exame de corpo de delito, no Pronto-Socorro Municipal.

O Exército informou que apura o caso. “Os envolvidos serão punidos e expulsos das fileiras do Exército. O Exército Brasileiro não compactua com qualquer conduta ilícita envolvendo seus integrantes”, disse em nota

RITO DE PASSAGEM

Uma fonte do 13º Regimento de Cavalaria Mecanizada informou que a vítima da tortura tem 19 anos e seria promovida da patente de soldado para cabo. Os colegas dele planejaram um rito de passagem, uma tradição medieval, uma espécie de “trote” como existe para os aprovados em vestibulares de universidades. “Mas eles extrapolaram, passaram do ponto em todo os sentidos e passaram para a tortura”, comentou ele. (Por Marco Rogério)