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Solo e lençol freático próximos ao Cemitério São Bento podem estar contaminados pelo necrochorume

Araraquara está predestinada a enfrentar problemas com a contaminação do solo pelo necrochorume em áreas próximas dos cemitérios, além de questionamentos do Ministério Público e talvez da própria Câmara Municipal sobre o caso. Ao RCIA o Daae explicou que a perfuração de poços de monitoramento e as análises necessárias na área dos cemitérios da cidade estão sendo providenciadas pelo Executivo.

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Assunto deve voltar na próxima sessão

Com um cemitério localizado na região central (São Bento) e os demais em áreas periféricas (Britos, Parque dos Lírios e Ressurreição) a preocupação se baseia na ação do Ministério Público do Estado de São Paulo que resultou na condenação DA Prefeitura de Rio Claro que terá que adotar medidas para conter a contaminação do solo e do lençol freático no Cemitério São João Batista por necrochorume, evitando-se riscos ao meio ambiente e à saúde pública. A decisão prevê a elaboração de estudos técnicos e execução de ações preventivas e remediativas.

Em Araraquara, o professor Rodolpho Telarolli Júnior em março deste ano disse durante entrevista ao Portal RCIA, que 20 anos atrás a região do Cemitério São Bento já estaria contaminada pelo necrochorume necessitando desde aquele ano, estudos técnicos para avaliar a dimensão dos danos e as medidas necessárias para conter o problema.

O caso de Araraquara é o mesmo de cidades que possuem cemitérios em região central, como Rio Claro, que amarga o processo originado por um inquérito civil instaurado pelo promotor Gilberto Porto Camargo após matéria jornalística indicar que o cemitério municipal, com mais de 137 anos de funcionamento, poderia estar contaminando o solo.

A principal causa dessa poluição subsuperficial em áreas de cemitérios é a percolação do necrochorume, efluente gerado a partir da decomposição dos corpos na proporção de 0,6 litro/kg corpóreo.

Imagem do Cemitério São Bento nos anos 50 com vasta área ainda intacta; atualmente não há mais espaços. Tem mais de 100 mil pessoas sepultadas e 11 mil jazigos

O nosso Cemitério São Bento, fundado em 1873 e atualmente com cerca de 11 mil sepulturas e cerca de 100 mil pessoas sepultadas, já apresenta um solo com baixa resistividade, indício de contaminação em 85% da área do cemitério. Antes da pandemia, fevereiro de 2020 por exemplo, no momento crítico da pandemia, em Araraquara foram sepultadas 119 pessoas, das quais pelo menos 80 no São Bento. As demais em outros cemitérios, mas nem todas pela Covid-19.

Já a área do cemitério em Rio Claro, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) está de fato contaminada, necessitando de estudos técnicos para avaliar a dimensão dos danos e as medidas necessárias para conter o problema. O órgão informou que, até hoje, a prefeitura não encaminhou os documentos exigidos em Auto de Imposição de Penalidade de Advertência de 2017. Segundo a sentença, a prefeitura terá o prazo de 180 dias para cumprir as obrigações, a partir do trânsito em julgado. Ainda cabe recurso da decisão.

Na hipótese de descumprimento de qualquer obrigação imposta, haverá a aplicação de multa diária no valor de R$ 50 mil até o limite de R$ 1 milhão, a ser destinada ao Fundo Estadual para Reparação dos Interesses Difusos Lesado.

Geólogo e analista técnico científico do Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEx), Celso Aluísio Graminha sinalizou a necessidade de realizar cadastramento detalhado, num raio de mil metros do entorno do cemitério, individualizando cada poço com dados construtivos e de produção, para prevenir o risco do consumo de água contaminada por necrochorume.

AS DETERMINAÇÕES DA CETESB

Modelo de risco à contaminação do aquífero freático

Para o RCIA o engenheiro Fabiano Tóffoli, da Divisão da Qualidade das Águas Subterrâneas e do Solo da Cetesb disse que de fato os cemitérios são fontes potenciais de contaminação dos solos e das águas subterrâneas devido aos processos de decomposição de cadáveres e de disposição de resíduos decorrentes de sepultamentos e de exumação dos corpos. Em nota, explicou que “na bibliografia consultada, de autoria predominante do Geol. Leziro Marques da Silva, antigo funcionário da CETESB e notável estudioso do assunto, não há menção objetiva a investigação de cemitérios localizados em Araraquara”.

Indagado sobre a responsabilidade dos órgãos fiscalizadores na liberação de áreas para construção de cemitérios, Tóffoli explica que “a atuação da CETESB ocorre no licenciamento ambiental dessa atividade e obedece ao disposto em algumas normas. Assim, o monitoramento das águas subterrâneas sob a influência de cemitérios ocorre em circunstâncias específicas e é de responsabilidade do empreendedor ou proprietário dos cemitérios”.

No caso de Araraquara são dois cemitérios particulares – Lírios e Ressurreição – e dois públicos (São Bento e Britos). Sinteticamente, assegura o engenheiro, para uma gestão adequada do funcionamento dos cemitérios, é necessário que sejam considerados os seguintes aspectos no licenciamento dessa atividade: 1) que o solo apresente características de condutividade hidráulica que permita a troca gasosa de modo a favorecer a decomposição dos corpos; 2) que exista uma distância entre o fundo das sepulturas e o nível mais próximo do aquífero freático, de modo a não ocorrer contato entre o líquido de decomposição dos corpos (necrochorume) e as águas subterrâneas; 3) é necessário também que ocorra uma distância entre os limites da via pública e as áreas de sepultamento (faixa non aedificandi), de modo a não ocorrer qualquer impacto dessa atividade no ambiente público.

Sem terrenos para venda, anos atrás o Cemitério dos Britos se transformou em opção; hoje são milhares de pessoas sepultadas e com tendência para apresentar o mesmo problema do São Bento

O que mais preocupa é o Cemitério São Bento com mais de 100 mil sepultamentos desde a sua criação; por ocupar a região central e ter 148 anos, estudiosos já antecipam ser uma área contaminada pelo necrochorume e com perspectivas semelhantes ao de Rio Claro, cuja situação levou o Ministério Público a exigir da prefeitura medidas técnicas de apuração – urgentes.

Neste momento, de acordo com especialistas, a preocupação mais significativa se dá na contaminação das águas subterrâneas que entra em contato com o necrochorume, líquido de alto potencial de contaminação microbiológica, e do consumo das águas subterrâneas em poços e fontes localizados na área de influência.

Sabe-se que a atividade microbiológica em ambientes anaeróbios, como em solos adequados de cemitérios se extingue em curto espaço de tempo e não geram plumas de contaminação extensas, ficando normalmente circunscritas às áreas contíguas da necrópole (considerando sempre que não ocorra contato com as águas subterrâneas). Entretanto, enquanto a atividade bacteriana é facilmente degradada nesse ambiente, verificou-se na literatura consultada que a presença de vírus no necrochorume e o tempo necessário à sua inativação não apresentou respostas claras, sendo ainda uma incógnita.

Cemitérios são fontes potenciais de impactos ambientais

Curiosa contudo é a explicação dada por Fabiano Tóffoli sobre a decomposição adequada e esperada de um corpo de 70kg. De acordo com ele essa decomposição demora até 36 meses, sendo que o ápice da decomposição ocorre em torno dos 18 meses. Nessa fase a decomposição pode gerar aproximadamente 170ml de necrochorume por dia; um corpo gera até 30 litros de necrochorume. Além das condições dos solos e capacidade de aeração, alguns outros fatores podem influir na decomposição dos cadáveres, como o uso pregresso de medicações ou outras substâncias. Além das condições dos solos, outros fatores também podem influenciar possibilidade de contaminação das águas subterrâneas, como a existência ou não de lajes impermeáveis nas sepulturas, a declividade dos solos e o projeto arquitetônico do cemitério.

ANTIGAMENTE, ERA TUDO DIFERENTE

Os cemitérios antigos foram sendo implantados e ampliados sem qualquer preocupação com contaminações dessa natureza. Desse modo, é possível supor que por exemplo, o Cemitério da Vila Formosa em São Paulo, que abriga mais de 1.000.000 de corpos sepultados ao longo de sua história tenha produzido contaminações significativas nas áreas limítrofes. Deve-se ainda considerar que no caso do transporte do necrochorume às águas subterrâneas, a ocorrência de intermitência no abastecimento de água e a existência de pressão negativa na tubulação de abastecimento, certamente possibilita a contaminação das águas de abastecimento.

Alguns municípios que têm o freático muito alto, como Santos, possuem cemitérios verticais, solução adequada do ponto de vista da contaminação dos solos e das águas subterrâneas.

Importante esclarecer que existem tecnologias para remediação de águas subterrâneas contaminadas por necrochorume, fundamentalmente com a injeção de solução de CaO e KMnO4 (permanganato de potássio) nas águas subterrâneas.

A implantação e operação de cemitérios é de interesse ambiental razoavelmente recente e é cercado de uma série de sujeições de caráter cultural, portanto um tema difícil de ser tratado de forma técnica e científica sem particularizações emocionais.

Figura que ilustra os riscos de contaminação do solo

No final da entrevista com o engenheiro Fabiano Tóffoli, perguntamos qual seria a recomendação no caso da nossa cidade. Ele foi objetivo: “Recomendamos que seja realizada consulta à Prefeitura de Araraquara sobre o estabelecimento de critérios para a adequação ambiental dos cemitérios, de forma a obedecer ao disposto na Resolução CONAMA 402/2008, ressaltando que a CETESB já aplica a norma L1.040 desde sua edição, em 1999”.

Sendo o DAAE responsável pela captação da água junto ao Aqüífero Guarani e rios, bem como o tratamento e fornecimento de água, o RCIA encaminhou pedido de informações para debater o assunto.

Em nota o Departamento Autônomo de Água e Esgoto, informou ao nosso portal que monitora seus poços profundos de abastecimento para controle dos níveis, bem como a produção desses pontos de captação de água.

Além disso, o Daae dispõe de poços de monitoramento do lençol freático na área do aterro sanitário e também da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Araraquara.

Esses poços de monitoramento têm a finalidade de permitir a coleta de água para análise e acompanhamento de “possível contaminação”, sendo esse procedimento, uma exigência técnica da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb.

A perfuração de poços de monitoramento e as análises necessárias na área dos cemitérios da cidade estão sendo providenciadas pelo Executivo.