Por Matheus Vieira
Entre 1962 e 1966, uma onda de histeria tomou conta do mundo. John Lennon, Paul Mccartney, George Harrison e Ringo Starr, (Beatles), lotavam clubes e estádios da Europa, do Japão e dos Estados Unidos. Essa paixão de milhões de jovens pela banda tornou-se uma verdadeira febre por todo mundo, apelidada posteriormente por beatlemania.
À frente pela idealização de uma nova linguagem musical, os ingleses também foram responsáveis pela criação de um novo universo para a cultura pop, mudando o estilo e comportamento para sempre.
Em Araraquara, na década de 60, o assunto entre os adolescentes não poderia ser outro e a loucura pelos Beatles se espalhava nas escolas, quermesses e brincadeiras dançantes.
Na casa do araraquarense Beto Placco, os vinis dos Beatles eram uma constante na vitrola da família. Mas no caso de Beto, a paixão foi muito além de uma simples audição.
Todo esse glamour o incentivou a montar uma banda. Identificado com a bateria de Ringo Starr, o também canhoto Placco fundou a The Hippies, grupo que se apresentou na cidade e região entre os anos de 1966 e 1970.
A trajetória dos Hippies segue uma linha de evolução. Enquanto The Jungles e Condor Boys carregavam repertórios essencialmente dançantes e instrumentais, a Spectro 4 passou a dar destaque para linhas vocais.
Pois bem, no caso dos Hippies, a proposta segue esse perfil de crescimento. Ou melhor, essa adaptação às tendências da época. No caso dos meninos, a ideia era tocar apenas rock´n´roll, 100% com músicas internacionais e cantadas em performances mais despojadas e um pouco mais agressivas, digamos.
Para compor a primeira formação da banda, o baterista (e também vocalista) Beto Placco chamou Bebeto De Lorenzo (guitarra e voz), Paulinho Lima (baixo) e Carlinhos Nigro (guitarra vocal). Todos tinham entre 16 e 17 anos.
Beto Placco deixou a banda em 1969, dando lugar a Didinho Haddad. Naquela ocasião, os Hippies estavam em sua segunda formação, que também conta com os vocalistas Marcos Totó e Marcos Placco, irmão de Beto e o guitarrista Luiz Pavan.
De todos os músicos que passaram pelos Hippies, faleceram Bebeto De Lorenzo e Marcos Totó. Carlinhos Nigro mora em São Paulo, capital; Paulinho Lima em São Luiz, no Maranhão; Marcos Placco em São Pedro/SP. Luiz Pavan, Didinho Haddad e Beto Placco continuam em Araraquara e ainda flertam com música. Placco é o principal deles, apresentando-se em banda com a Beatles Again após passar por Som Beat e Onix.
VIVENDO
Os ensaios dos Hippies ocorriam na casa de Beto Placco, à época localizada na esquina da Alameda Rogério Pinto Ferraz com a Avenida Circular Mário Hyroio Arita. “Tocávamos no fundo da minha residência e o repertório tinha muita música internacional, com destaque para canções dos Beatles e Rolling Stones”, conta Placco.
O público da banda era diferente daqueles que frequentavam os bailes nos tradicionais clubes de Araraquara. Mesmo com shows no Araraquarense, por exemplo, a Hippies passou a se apresentar em outras casas locais.
“Nossos shows não davam para dançar. Era um rock´n´roll diferente, que seguia as tendências mundiais. Não tínhamos uniformes, tocávamos todos com roupas próprias”, conta o baterista. Entre os espaços, aparecem pelo O Barril (Raimundo) e O Porão (José Airton Cury), ambos na São Bento . O primeiro ficava na Avenida São Bento, na altura do Banco Bradesco. O outro na mesma avenida, só que embaixo do Hotel Municipal (Acessoriun hoje).
“Todo final de semana a gente tinha show. Fazíamos algumas apresentações no salão de festas do Asilo, por exemplo, mas o nosso forte eram as casas noturnas que começavam a chamar a moçada naquela época”, conta Placco.
Felizes com o nome que os Hippies tinham em Araraquara, os meninos sentiram que a inclusão de músicas de artistas nacionais, da Jovem Guarda, principalmente, começava a fazer falta. “O pessoal sempre pedia algo e não tínhamos nada ensaiado”, lembra Beto Placco.
Para tal, foi encontrada a solução: a soma de dois vocalistas na formação da banda: Marcos Totó e Marcos Placco. O guitarrista Luiz Pavan também foi convocado. Com um repertório mais recheado, shows pela região também começaram a pipocar, principalmente Barra Bonita, ‘onde não sei porque tínhamos tanto público’, afirma Beto Placco.
Inclusive, nessas viagens, em Jaú, a banda passou por apuros por conta de Carlinhos Nigro, dito o galã dos Hippies. Corriqueiro em todas as apresentações, diversos flertes ocorriam entre palco e público, mas, certa vez, em público da cidade, a paquera deu errado. “Acho que o Carlinhos mexeu com alguém que não podia e daí já viu, todos queriam bater na gente”, conta Beto em tom de brincadeira.
Com um LP compacto gravado ao vivo na Rádio Cultura, tudo caminhava bem com os Hippies porém, em dezembro de 1969, seu fundador, Beto Placco deixava o posto rumo a outra vida, agora casado e no mundo dos Seguros. Porém, ele voltou à música uma década depois.
Logo, Didinho Haddad assumiria as baquetas. Com essa formação, a banda duraria apenas mais um ano. “Desse tempo, carrego comigo muita saudade, principalmente da amizade e parceria que nós tínhamos”, reflete Placco.
NOME VIROU PROBLEMA
Didinho Haddad, 64, entrou para o grupo por um consenso geral. Com bagagem de shows ao lado da Balanço 3, com Beto Neves (Beatles Again) e Beto Haddad, sua participação nos Hippies foi rápida, porém ele guarda com carinho os shows no Clube dos Alfaiates, em São Carlos, entre outros.
Ao RCIA, ele ressalta a qualidade musical do baixista Paulinho Lima que, ao seu lado, fizeram parte do TUC, Teatro Universitário de Araraquara, comandado por Luis Antônio Martinez Corrêa. “Foram tempos maravilhosos”, lembra.
Segundo Haddad, o fim dos Hippies foi triste ou trágico, em teor de brincadeira. A banda encerrou suas atividades após ser vetada pelo promotor Geraldo de Arruda Campos em um festival no Colégio Progresso no fim dos anos 70. O motivo? Didinho Haddad e Paulinho Lima eram menores de idade. “Na verdade, enfrentávamos alguns problemas com o nome do grupo por conta do movimento de contestação que ganhava o mundo. Mas, muita gente, relacionava os hippies com consumo de drogas. Isso nos atingiu, de alguma maneira. Chegamos até mudar nossa grafia para Derips, mas tudo em vão. Foi triste, mas acabamos desistindo do grupo após esse incidente e cada um seguiu sua vida”, finaliza Didinho Haddad que, por logística, acabou migrando para o teclado, tocando hoje apenas em seu estúdio particular e eventos fechados.