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Unesp Araraquara desenvolve luvas cirúrgicas ecologicamente sustentáveis

Mais amigável ao meio ambiente, produto é tingido com corante natural produzido por fungos

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Cassamo é o cientista que liderou o desenvolvimento das luvas

Pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unesp, em Araraquara, desenvolveram luvas cirúrgicas ecologicamente sustentáveis que são tingidas com pigmentos fluorescentes produzidos pelo fungo Talaromyces amestolkiae, cultivado por cientistas do grupo de pesquisa Bioproducts Production and Purification Lab (BioPPuL) da Faculdade. Essa “tinta” natural, que poderá substituir pigmentos sintéticos mais tóxicos que atualmente são empregados na fabricação de vários produtos, possui ainda atividade antibacteriana, contribuindo para a proteção do consumidor e apresentando-se como uma proposta promissora na busca por soluções industriais seguras e ambientalmente amigáveis. A nova luva foi descrita em artigo publicado recentemente na revista científica internacional Journal of Industrial and Engineering Chemistry.

Luvas foram desenvolvidas na FCF

A ideia das luvas tingidas com colorantes naturais fomenta o protagonismo de produtos sem substâncias tóxicas, garantindo mais segurança e contribuindo com a natureza, pensando no posterior descarte do material. “Para fazer as luvas, nós juntamos os pigmentos naturais produzidos pelos fungos com o látex. A partir daí, fizemos testes físico-químicos, de coloração, mecânicos e de biocompatibilidade para avaliar se a luva seria tóxica. Nos testes, foi provado que não existe nenhuma toxicidade e que os pigmentos podem ser utilizados para a fabricação do produto”, explica um dos autores do trabalho, Prof. Dr. Cassamo Ussemane Mussagy, egresso da FCF e atual docente da Pontifícia Universidad Católica de Valparaíso, no Chile.

Pigmento gerado através da extração

É importante ressaltar que qualquer bioproduto aplicado à saúde deve passar por testes de segurança. Por conta disso, o professor da FCF Fernando Lucas Primo (líder do grupo de pesquisa “Bionanomaterials and Bioengineering Group”), juntamente com sua ex-orientada Dra. Camila F. Amantino, avaliaram a citotoxicidade da nova luva sustentável em fibroblastos (células presentes na pele). Os resultados mostraram que o material é biocompatível e seguro, sendo um aparato interessante para o desenvolvimento de novos produtos industriais e biotecnológicos. O trabalho, que também contou com a participação da professora Valéria de Carvalho Santos Ebinuma (líder do grupo BioPPuL), abre caminho para produção de outros tipos de luvas tingidas com corantes naturais de diferentes cores.

Grande parte do mercado consumidor de luvas cirúrgicas compra aquelas que são tingidas com o uso de certos pigmentos artificiais/sintéticos, que podem ser considerados prejudiciais tanto para os seres humanos como para o meio-ambiente.

“Nos últimos anos, temos trabalhado na busca por alternativas para esses pigmentos sintéticos, que são muito utilizados nas indústrias e obtidos a partir de algumas reações químicas. Em trabalhos anteriores dentro do grupo de pesquisa BioPPuL, desenvolvemos técnicas para aumentar a produção dos colorantes naturais, tais como os produzidos pelo fungo Talaromyces amestolkiae. No entanto, quando o colorante é produzido no interior do microrganismo, como normalmente acontece, é necessário aplicar técnicas de recuperação desse composto e, geralmente, muitos pesquisadores usam métodos menos sustentáveis para executar a tarefa. Nesse sentido, o grupo BioPPuL realizou uma inovação, fazendo com que os fungos produzissem o pigmento de forma extracelular e em maior quantidade, eliminando deste modo o uso de qualquer solvente”, celebra Cassamo.

Fungo Talaromyces amestolkiae

A proposta de desenvolver um biomaterial utilizando corantes naturais surgiu ainda em 2019, quando o egresso da FCF iniciou uma colaboração com o professor Rondinelli Herculano, coordenador do Grupo de Bioengenharia e Biomateriais da Faculdade, que atua há mais de uma década no desenvolvimento de adesivos à base de membranas de látex para regeneração dérmica ou reparo ósseo, incorporando diversos compostos bioativos como fármacos, peptídeos e proteínas. Diante do grande know how dos cientistas dentro dessa área, nasceu a ideia de produzir um novo produto: “Há a necessidade de que os pesquisadores saiam da zona de conforto, encontrando quais demandas devem ser solucionadas. Por isso, nós optamos por focar em luvas personalizadas sustentáveis. Como o látex é a matéria prima para produção de luvas cirúrgicas e vivemos em um mundo personalizado (customizado), no qual o consumidor monta seu próprio produto mediante a sua necessidade, decidimos desenvolver esse material”, conta Cassamo.

Entrave do mercado – Apesar de ser perceptível o aumento do interesse em ações de preservação do meio ambiente, ainda é possível observar que a prioridade mercadológica é por produtos financeiramente mais acessíveis. Por isso, o que se nota até o momento é que, mesmo com os avanços nos estudos das luvas de látex com colorantes naturais, a utilização desse produto ainda pode ser uma realidade distante. Sabendo disso, Cassamo explica: “A nossa luva não é a mais barata do mercado. No entanto, é preciso incentivar que o consumidor prefira usar alternativas que são mais seguras e menos nocivas ao meio ambiente em relação às convencionais, que são alternativas mais baratas, porém mais tóxicas”, salienta.

Apesar de ser mais custoso, o colorante natural produzido por fungos nos estudos do grupo de pesquisa da FCF possui alto nível de qualidade em sua aplicação, além de ser uma solução sustentável, sem substâncias tóxicas e obtida a partir de um processo mais simples, uma vez que a produção de colorantes sintéticos envolve uma série de etapas e reações químicas que alongam o processo. Cassamo indica que é fundamental o estreitamento da relação entre a universidade e a indústria na busca pelo barateamento da produção de alternativas mais sustentáveis. No entanto, ele afirma que esse compromisso é negligenciado pela maioria das empresas em virtude da preferência por métodos convencionais mais baratos, esquecendo que o futuro da população pode ser afetado por essas escolhas.

O pesquisador destaca a necessidade de novos investimentos para que a pesquisa possa avançar ainda mais: “A gente precisa seguir com algumas fases do processo. Primeiro a gente formulou, testou e deu conta de que é seguro. Agora vem a parte de otimizar o processo, buscar formas de diminuir o custo de produção e aprimorar algumas tecnologias utilizadas durante a produção. Mas, sem investimento, é muito difícil realizar uma pesquisa de ponta, que tenha impacto internacional”, finaliza.

Além dos professores citados anteriormente, o desenvolvimento da pesquisa contou com a participação de estudantes de Pós-graduação da FCF, dentre eles: Ariane A. Oshiro e Caio A. Lima.