De sorriso fácil e fala tranquila o agricultor e empresário Valdemar Pereira de 79 anos, ainda mantém o brilho nos olhos quando fala da compra de seu primeiro caminhão, que pagou à Usina Tamoio com muito trabalho.
Neto de portugueses nasceu em Araraquara e cresceu no sitio de 15 alqueires de seu pai no Chibarro. Nascido em 15 de novembro 1942, a família era composta por 9 irmãos, 4 mulheres e 5 homens e como de costume na época todos trabalhavam na roça. “Aos 5 anos eu já carpia, plantava e cortava cana, arava a terra com burro”, ri ele lembrando da infância.
O pequeno Valdemar estudava em uma escola rural chamada Água Azul, que ficava a cinco quilômetros de sua casa e fazia este trajeto a pé todos os dias até se formar no 4º ano primário.
Após terminar os estudos aos 13 anos, foi trabalhar no engenho de pinga que seu pai mantinha na propriedade tocada com burro. “Eu era o chefe ali, fiz muita pinga e da boa, era pura, alambique de cobre que hoje nem existe mais, alguns mineiros ainda mantém esses alambiques, naquele tempo a pinga era boa e vendíamos muito”, conta ele.
Devido ao sítio da família ser pequeno, ele e seus irmãos começaram a ganhar a vida cortando cana para a Usina Tamoio, onde juntaram um dinheiro e compraram um caminhão. “Meus irmãos eram mais velhos e dirigiam e eu com 13 anos ficava em cima, fazia carga e assim seguimos puxando cana”, ressaltou.
Em 1964 Valdemar se casou com Leonor, onde tiveram três filhos, Iracema, Irineu e Ivan.
“Eu e minha esposa nos conhecemos desde criança, morávamos perto e brincávamos juntos no sítio, foi indo, crescemos e nos casamos”, conta ele.
Devoto de Nossa Senhora Aparecida, Valdemar sua esposa e sua filha Iracema ainda criança foram para Aparecida do Norte, “fui pedir para que Nossa Senhora me ajudasse, pois nessa época meu caminhãozinho já estava velhinho. Quando cheguei de viagem, peguei minha bicicleta e fui até a Usina. Chegando lá encontrei João Torres que era chefe da Usina e ele me chamou e disse: você não veio aqui, nós vamos dar seu caminhão para outro. E eu perguntei, mas que caminhão? Então ele me explicou. A usina vai dar um caminhão para você trabalhar para ser pago com serviço. Na hora nem acreditei, fui buscar meu pai para que ele assinasse o contrato e aí sim, comecei a puxar cana, nesta época tinha por volta de 25 anos”, conta ele com os olhos marejados.
Mas como não só de cana vive o homem, certo dia apareceu um rapaz no sítio de Valdemar interessado em comprar grama, pois tinha pegado a empreitada para plantar na Rodovia Washington Luiz e convidou-o para ser sócio.
“Eu nunca tinha visto aquele rapaz, mas disse a ele, vamos lá ver este serviço de perto. Meu pai tinha um tratorzinho que eu usei para arrancar grama e paguei uma porcentagem para ele do que eu ia ganhar. E assim fiz, arrancava as fetas de grama e colocava no caminhão. Eu plantei grama de onde é a cervejaria hoje até a Polícia Rodoviária, nas duas pistas, nas rotatórias. Depois de terminar o trabalho fui buscar meu pagamento em Botucatu, que a empresa que prestava serviço para o DER era de lá. Eles me pagaram em dinheiro, eu trouxe dentro de uma caixa de sapato. E com este dinheiro, comprei meu primeiro caminhão tanque para puxar combustível já com a linha de transporte e a vista”, conta ele.
Valdemar diz que até hoje quando passa pela Washington Luiz, no trecho que plantou, agradece a Nossa Senhora Aparecida, pois tem certeza que foi ela quem o guiou, para aceitar um emprego de homem que ele nunca havia visto na vida.
Em 1971 já com seu caminhão tanque, trabalhava para a Companhia São Paulo de Combustíveis, abastecia na Capital Paulista e entregava para todos os postos da rede no interior do Estado.
Já em meados de 1973, Valdemar recebeu um telefonema, de Natal Arnosti, proprietário de uma transportadora e também dono de um posto de combustível, para uma conversa. Ele também não conhecia Natal, só sabia que ele era transportador da Ipiranga, mas foi ao encontro. Chegou ao posto e ficou aguardando, foi quando Natal e um outro rapaz o chamaram para entrar em um Fusca e apenas disseram “vamos”, e ele foi, sem saber sobre o que se tratava, partindo então para uma nova aventura.
“Sentei-me no banco traseiro do fusca e seguimos até a cidade de Jundiaí, onde tinha uma agência de caminhões da Mercedes. Os dois conversam entre eles e não me disseram nada sobre o que íamos fazer. Então pensei, olha só ele vai comprar caminhão e me trouxe para eu voltar dirigindo até Araraquara”, ri ele da história.
Chegaram à agência onde foram bem recebidos, Arnosti disse ao vendedor que precisaria de 3 caminhões, que ele ficaria com dois e o Valdemar ficaria com um.
“Na hora me assustei e disse: Natal como eu vou ficar com um caminhão, eu não tenho dinheiro. Ele olhou pra mim e disse: cala a boca. Você acredita que ele assinou 24 promissórias e me entregou dizendo, este você paga, eu vou te dar serviço para que você pague. O que eu poderia dizer além de “ta bom”, conta ele rindo da situação inusitada que viveu.
No dia seguinte ele já colocou um tanque e foi calibrar seu caminhão em Bauru, onde tirou a capacitação e já começou a trabalhar para a transportadora de Arnosti. Valdemar contratou um funcionário para trabalhar com seu antigo caminhão que continuou na Companhia São Paulo de Combustíveis enquanto ele trabalhava na Ipiranga.
“Sou muito grato ao Natal, sempre me dava serviço, ia para Paulínia e voltava duas vezes por dia, todos os dias, afinal precisava pagar meu caminhão e nesta época ainda morava no sítio”, disse.
MUDANÇA DE RUMO
E novamente Valdemar recebeu em seu sítio uma visita inusitada, era João Possi, que já trabalhava no meio do transporte de combustível. “Ele sabia que eu tinha dois caminhões um em cada empresa e me convidou para uma sociedade para que juntos formássemos uma empresa para trabalharmos direto com a Texaco. Aceitei, pois nas transportadoras que eu trabalhava, eu pagava comissão aos transportadores, e neste caso eu trabalharia direto com a distribuidora. Deixei então o caminhão que eu estava pagando ainda, na transportadora do Arnosti em respeito ao que ele tinha me ajudado e parti para uma nova empreitada.
Trouxe para a Texaco meu primeiro caminhão e começamos o negócio. Teve uma época que tínhamos cinco caminhões e devíamos os cinco, pagávamos as prestações de todos, era um martírio”, ri ele.
Agora sócios Pereira e Possi construíram a Transportadora Caravan que funciona até hoje. Trabalhando dentro da empresa eles souberam que em Araraquara um posto que ficava na Avenida Portugal iria fechar, pois o proprietário queria se aposentar. Eles conseguiram junto a ANP em 1991 mudar o posto do centro para a Alameda Paulista na Vila Xavier, nascia então o Posto Caravan.
“Nós trabalhamos muito, cuidávamos dos caminhões, trabalhávamos na bomba abastecendo os veículos e começamos a crescer, até os bancos gostavam da gente”, ri ele.
Depois de muito trabalho, eles receberam uma proposta da Texaco para outro posto. Eles teriam que comprar um terreno, assinar um contrato de exclusividade e a empresa construiria um novo posto para eles.
“Nós não tínhamos dinheiro, mas podíamos arrumar, vendemos dois caminhões e compramos um terreno na Vaz Filho e a Texaco construiu o posto, onde funciona até hoje”, frisou.
A partir de então trabalhando juntos, João e Valdemar cresceram e prosperaram. “Se tem algo que me orgulho é que sempre trabalhei com honestidade e plantei isso em nossos negócios, trouxe essa bagagem dos meus pais”, ressaltou.
Mas quem nasceu em meio aos canaviais não consegue se distanciar por muito tempo, uma hora volta às origens, e com o dinheiro que foi ganhando com seu trabalho, Valdemar começou a comprar terras em volta do sítio de seu pai.
“Comprava cinco alqueires de um, dois de outro, 10 do outros, vizinhos queriam vender e eu ia comprando, nunca fui perguntar se queriam vender, sempre me ofereciam. Fui juntando e hoje tenho 100 alqueires. Minhas terras estão ao redor do sítio que era de meu pai, que ficou para meus dois irmãos, ele fica bem no meio e eu cuido dele com mesmo amor, planto cana, tenho um pouco de gado, e faço porque eu gosto”, ressaltou.
NOVOS TEMPOS
Ele diz que de 1942 até hoje o mundo deu uma guinada de 360 graus e que teve que absorver toda essa mudança. “Nem sempre consegui acompanhar, mas tenho quem faça, quem acompanha a era tecnológica. Hoje me sinto como um jogador de futebol de certa idade, ele sabe jogar mas não tem condições de jogar. Sou eu quem comando tudo, vou à fazenda duas vezes por semana, vou ao posto, gosto de saber como tudo está caminhando, o que se paga e o que se compra. Ainda mando prender e mando soltar…rssss. Mas estou soltando a corda para meus filhos, os três trabalham comigo, são muito inteligentes e educados, quero que eles aprendam a nadar e toquem o que temos”, revelou ele.
Valdemar se diz satisfeito com a vida que construiu. “Para quem morava no sítio e tinha apenas uma bicicleta como patrimônio, até que fui bem”, se diverte o agricultor.
Costuma dizer que quando o cavalo para, tem que montar, que da próxima vez ele pode passar troteando. Hoje ele vê o mundo de forma diferente, diz que o tempo em que ele trabalhava muito para construir seu patrimônio era diferente. “Havia honestidade, as pessoas lutavam de verdade para sair do lugar comum, hoje mudou para pior. As pessoas assumem um cargo, já pensando em levar vantagem, não pensam em ajudar a sociedade, e isso é triste”, afirma o empresário.
O empresário emprega hoje mais de 50 colaboradores, tem oito carretas bitrem para transporte de combustíveis em sua transportadora e dois postos de combustíveis, além de ser produtor de cana-de-açúcar. Hoje acredita que deveria ter trabalhado menos e dado mais atenção à sua família, mas se orgulha do legado que deixará.
“Não me considero rico, sou um homem pobre e sempre digo aos meus filhos, cuidem do que temos, mas fiquem de olho em tudo, pois é difícil de conquistar. Tenho uma frase que trago para a vida – seja honesto, pois honestidade se conquista dia a dia”, finaliza Valdemar.
Nem sempre a vida lhe sorriu, enfrentou perdas, assaltos, roubos de cargas, mas a parte ruim ele prefere deixar adormecida e seguir adiante.
A família de Valdemar é associada Canasol, desde a inauguração da entidade há quase 70 anos. De modos simples, um homem que lutou com vida, que tem uma fé inabalada em Nossa Senhora, construiu ao longo do tempo com muito trabalho uma vida digna. Orgulha-se de seu diploma da 4ª série primária, mas sempre trabalhou como um engenheiro do tempo. Hoje faz parte de seu patrimônio até mesmo a escola rural que estudou “comprei a escola”, brinca ele. Traz na lembrança os bons momentos em que jogava futebol nos campos da Usina Tamoio e sabe dar o valor exato ao caminho que trilhou. A honestidade e o trabalho árduo lhe abriram portas, mas somente ele sabe a que preço.
Por Suze Timpani/Canasol