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Ele apostou no velho vinil e encontrou um novo mercado

O empreendedor paulista Michel Nath literalmente desenterrou antigas prensas de discos do ferro-velho, reformou os equipamentos e hoje fabrica 10 mil LPs por mês para um público que não para de crescer

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Você compraria um Cadillac 1953 abandonado em um ferro-velho há pelo menos duas décadas? Essa analogia foi utilizada pelo empresário Michel Nath, 43 anos, ao contar que adquiriu, em 2014, sete prensas utilizadas na fabricação de discos de vinil.

Também abandonadas em um ferro-velho durante 20 anos, as prensas, da mesma idade do Cadillac usado como exemplo, pertenciam à antiga gravadora Continental. Essa aquisição, aliada a uma missão e muita persistência, permitiu o pontapé inicial para o surgimento da Vinil Brasil, a segunda indústria do setor em operação no País – a outra é a Polysom, reativada em 2009.

Em pouco mais de cinco anos de atividades, a empresa já fabrica uma média de 10 mil LPs e compactos por mês. Cada LP tem um custo médio de produção que varia entre R$ 25  e R$ 39, dependendo da tiragem, que parte de lotes com 300 unidades. As vendas são sob encomenda e, por meio de parceria com uma gráfica, é possível confeccionar as capas dos álbuns.

A empresa aposta num segmento que cresce ano a ano desde a metade da década passada no mundo todo. Nos Estados Unidos, relatório publicado em setembro passado pela Associação Americana de Gravadoras (RIAA, na sigla em inglês) mostrou que as vendas de vinis iriam superar as de CDs ao final de 2019.

PRENSAS DA ANTIGA GRAVADORA CONTINENTAL FICARAM 20 ANOS
ABANDONADAS NO FERRO-VELHO…

Os dados consolidados para o ano ainda não foram revelados, mas assim mesmo já empolgam os amantes dos bolachões, como são carinhosamente conhecidos os vinis.

O ressurgimento de um formato que parecia morto, ou reverenciado apenas por saudosistas e colecionadores, na opinião de Nath, não tem nada a ver com modismo.

“Trata-se de consumidores que têm uma relação especial com a qualidade de áudio e que valorizam a preservação do legado cultural e histórico das músicas. Assim como os livros, os discos garantem a perenidade física da música”, afirmou.

PAIXÃO PELA MÚSICA

A paixão de Nath por discos de vinil e por música em geral vem desde a infância. Na adolescência, ele cursou a Universidade Livre de Música, onde estudou violão popular e guitarra. Paralelamente, sempre gostou de compor e escrever poesias. Chegou a trabalhar como DJ, em Londres. No entanto, nunca deixou de escutar seus LPs.

Ao voltar para o Brasil, em 2012, começou a trabalhar em um disco autoral. Dois anos depois, com o material pronto, Nath decidiu que queria gravar seu álbum em vinil, mesmo já tendo encomendado cerca de mil unidades em CD.

“Na época, tinha duas opções para fazer LPs. Ou em uma fábrica no Rio de Janeiro ou por meio de uma importadora que trazia discos fabricados na República Tcheca. Optei por esta última pela certeza da qualidade sonora”, lembrou.

TIRANDO A POEIRA

PRENSAS DA ANTIGA GRAVADORA CONTINENTAL FICARAM 20 ANOS
ABANDONADAS NO FERRO-VELHO…

O empreendedor tomou conhecimento das prensas abandonadas na mesma época em que seus discos chegaram da República Tcheca.

“Foi por meio de um anúncio numa rede social. Quando vi a oportunidade de reativá-las, vislumbrei a possibilidade de gerar um novo momento na cena musical brasileira. Então adquiri os equipamentos e os levei para uma garagem na Barra Funda, na mesma rua em que meus pais moravam quando eu nasci”, afirmou.

A partir daí, com a aquisição das prensas e por acreditar no importante papel do vinil para a preservação da cultura, o empresário mergulhou de cabeça no projeto da Vinil Brasil.

No entanto, um grande problema e desafio veio a seu encontro. Como restaurar as antigas prensas de 1953? Grande parte das peças para reposição não existia mais. Além disso, faltava mão de obra especializada na fabricação dos discos.

A solução foi buscar conhecimento sobre equipamentos, materiais e processos de produção. Paralelamente, Nath contratou antigos funcionários da Radio Corporation of America (RCA), uma das maiores fábricas de discos que já funcionou no Brasil. Também foram chamados funcionários das áreas de tecnologia industrial, já que muitas peças utilizadas receberam tecnologia atual.

Com as primeiras prensas em funcionamento, em 2015 a empresa instalou-se em um galpão também no bairro da Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

No ano passado, com o aumento da produção e a necessidade de um local mais amplo, a Vinil Brasil mudou-se para o atual endereço, na rua Visconde de Taunay, no Bom Retiro.

FÁBRICA DE TOCA-DISCOS

Entre os discos já fabricados pela Vinil Brasil, destacam-se álbuns como “A Mulher do Fim do Mundo”, de Elza Soares; “Dancê”, de Tulipa Ruiz; “A Mulher do Pau Brasil”, de Adriana Calcanhoto; o box com quatro compactos “Onisciente Coletivo”, do Ratos de Porão; além da edição inédita em vinil do disco “9 Luas”, dos Paralamas do Sucesso.

Para o futuro, a meta é expandir a capacidade de produção da unidade fabril. “Queremos que a Vinil Brasil se transforme em um selo, que possa lançar novos artistas. E quem sabe, dependendo da viabilidade econômica, que comece, mesmo que timidamente, a fabricar toca discos. Não custa sonhar”, concluiu Nath.

Vale lembrar que o Brasil não conta mais com fábricas de toca-discos. Os equipamentos à venda no País são importados e geralmente caros, mas de boa qualidade. Os mais acessíveis, a maioria com estilo retrô, são importados da China.

 

IMAGEM: Divulgação Vinil Brasil