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Esperando a revitalização, centro antigo ainda mantém as lembranças

Comerciantes acreditam que proibição da passagem pelo Terminal de Integração atrapalhou muito o desenvolvimento comercial da região, hoje às moscas.

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Velhos casarões da Avenida São Paulo e as cicatrizes deixadas pelo tempo

Inaugurado pelo então prefeito Rômulo Lupo, no dia 10 de maio de 1959, o Mercado Municipal de Araraquara, assim como em outras tantas cidades do Estado de São Paulo e do Brasil, já foi símbolo do comércio pujante, antes da era dos hipermercados e shoppings centers. Ele está inserido em um contexto que vai além de suas grossas paredes e segue pelas antigas ruas e avenidas que formam a região da antiga Estação de Trem de Araraquara. Uma região que não acompanhou as transformações trazidas pelas mudanças de costumes da população e tecnologia.

01 – Mercado Municipal outrora repleto de bancas e boxes, hoje movimento reduzido e a teimosia do lojista levar avante seu negócio; 02 – O fechamento do acesso pela antiga Rodoviária, hoje Terminal de Integração, afastou a circulação dos consumidores naquela região; 03 – O Mercado Municipal foi construído no final dos anos 50, sendo considerado por muitos anos como centro comercial da cidade pela sua variedade de produtos e artigos. Com a chegada das grandes redes, foi perdendo seus lojistas; 04 – O interior do Terminal de Integração e o que virou

Além da estação de trem, que foi inaugurada em 18 de janeiro de 1885, a instalação da Rodoviária, em 1968, também trouxe bastante progresso para aquela região central da cidade, que passou a ter uma grande concentração de pessoas. Em 1981, com a transferência da Rodoviária para as novas instalações na Via Expressa, esse movimento começou a diminuir.

TERMINAL DE PASSAGEIROS

Já em meados da década de 1990, com a instalação do Terminal Central de Integração, muitos comerciantes começaram a deixar a região, pois sabiam que com o fechamento e pagamento da passagem de pedestres pelo meio do Terminal as pessoas perderiam o interesse pelo comércio local e passariam a fazer suas compras em outros corredores comerciais.

MUDANÇAS INEVITÁVEIS

Josué Eiras e Waldomiro de Lima Júnior, o Mirinho, uma das poucas tabacarias que conseguiu suportar a passagem do tempo

Para o comerciante Josué Eiras, de 77 anos, que mantém a Tabacaria Mineira no ‘Mercadão’ desde a sua criação, as mudanças pelas quais a região passou ao longo dessas seis décadas foram inevitáveis. Ele acredita que o local necessita de um olhar mais atento do poder público que o abandonou há muito tempo.

“O Mercadão era o maior centro comercial da região. Ele abria às 6h e fechava às 18h e, durante a noite, funcionava como atacado, pois ainda não existia o Ceasa. O comércio da cidade era centralizado aqui. O forte eram as verduras, que vinham dos sítios da região. Mas você encontrava de tudo aqui, desde vestimentas a alimentos. Eu chegava a vender mil quilos de fumo por mês, hoje vendo 10% disso. Depois, quando começaram a construir mercados e varejões em vários bairros da cidade, o movimento começou a diminuir gradativamente”, relatou o comerciante à reportagem do Portal RCIA.

Perto dali o abandonado Hotel São Bento que era a coqueluche da cidade nos anos 30 e depois hospedagem para Santos de Pelé, Palmeiras, Corinthians e São Paulo quando dos seus jogos com a Ferroviária nos anos 60

TOM DE ABANDONO

Josué acredita que o fato de terem fechado o Terminal dos dois lados e proibirem que as pessoas passem pelo local sem pagar passagem, contribuiu para a debandada de comerciantes do local nas últimas décadas. “Eu conheço várias cidades e nunca vi esse modelo de terminal fechado em nenhum lugar. Isso não funciona”, opina.

Waldomiro de Lima Júnior, o Mirinho, de 65 anos, que trabalha na Tabacaria Mineira desde os 11 anos, também acredita que a instalação do Terminal de Integração atrapalhou o comércio da região. “O encontro das pessoas de todas as partes da cidade era no Mercadão. Nos finais de semana ficava lotado, não dava para andar aqui dentro. Depois da inauguração do Terminal tudo mudou. Sinto saudade do tempo de glória do Mercadão”, lembrou com saudosismo Mirinho.

SAÍDA DA PREFEITURA

O comerciante Waldomiro de Lima Júnior, o Mirinho, ressalta que o Mercadão está abandonado pela Prefeitura Municipal há muito tempo. Ele lembra que, desde a última gestão do prefeito Waldemar De Santi, no final dos anos 1990, a prefeitura não mantém nenhum funcionário no local. “Antigamente a gente tinha seguranças e fiscais, entre outros funcionários mantidos pela prefeitura, que ajudavam os comerciantes a cumprir o regulamento. Quando a prefeitura saiu ficou tudo sem normas, a gente se vira como pode. Depois disso, foram só promessas. Eu tinha uma outra loja de chapéus no piso superior, mas tive que mudá-la para outro lugar, pois aqui o prédio é antigo e não possui alvará, por isso, não conseguimos fazer seguro. Se acontece alguma coisa ruim, a gente perde tudo. Estamos abandonados pelo poder público”, finalizou.

O desabafo parece ser generalizado com reclamações e pedidos para que seja feita alguma revitalização.

Cenário degradante provocado por empresas que baixaram as portas

COMÉRCIO ATIVO

Para o empresário Ricardo Caparelli, de 70 anos, que comercializa móveis na região há 40 anos, não houve muitas mudanças nessas últimas quatro décadas, pois para ele, não há um comércio ativo no local. “Eu não notei muitas mudanças nesse tempo que estou aqui, pois nunca houve um comércio ativo. Mas, acredito que depois da instalação do Terminal Central de Integração, mesmo com o aumento do fluxo de pessoas aqui na região, o pessoal que utiliza o TCI chega muito cedo quando o comércio ainda está fechado. Na realidade, apesar do grande fluxo de pessoas, elas só passam por aqui para pegarem os ônibus, e vão embora logo. Aqui não é um ponto de parada para consumidores, eles preferem parar na Rua 9 de Julho ou mais para cima, onde fazem suas compras e depois descem aqui somente para pegarem o transporte”, entende o empresário.

Capparelli acredita que os comerciantes que estão instalados no interior do Terminal são prejudicados pelo fato dos clientes terem que pagar para entrar no local, antes de fazerem suas compras. “Fazer compras dentro do Terminal é muito complicado, pois o cliente tem que pagar a passagem para entrar. A pessoa que precisa comprar um medicamento na farmácia que existe lá, por exemplo, dependendo do preço, acaba indo comprar em outro lugar. Eu costumo cortar meu cabelo no salão do Terminal e todas as vezes tenho que pagar a passagem. Isso acaba encarecendo o serviço e o comerciante não tem o que fazer”, reclama Capparelli.

ABANDONO TOTAL

Empresário Ricardo Capparelli

Para o empresário, a região está abandonada pelo poder público, assim como outras regiões da cidade. “Eu vejo que o poder público abandonou essa área, assim como outras regiões. Eu vejo o Mercadão, que já foi um grande chamariz, está hoje sem nenhum atrativo. Não tem mais lojas, não tem mais bancas de verduras, por exemplo, isso afastou as pessoas de lá. Outro problema vivido pelos comerciantes aqui da região é a iluminação precária, como na época do Natal em que a gente fica isolado aqui, sem nenhuma iluminação especial e sem nenhum atrativo para os clientes. Se os comerciantes não se unirem e fizerem a iluminação do seu quarteirão, nada acontece, pois estamos abandonados pela prefeitura há muito tempo”, diz Capparelli.

NOVO MERCADÃO

O comerciante acha que falta um investimento conjunto para uma reestruturação do Mercado Municipal. “Eu gostaria de ver um Mercado Municipal vivo em Araraquara, com bancas de verduras, de queijos, com uma padaria, uma choperia bacana, como a gente vê em outras cidades. Acredito que isso traria de volta os clientes ao Mercadão que poderia ser novamente uma referência. Em São Carlos a gente vê um Mercado Municipal bem mais atrativo do que o nosso. Está faltando em Araraquara um ponto de encontro. Eu acho que se algum empresário investir nisso vai lucrar muito. Espero ver isso acontecer um dia”, finalizou.

Móveis Caparelli, há 40 anos no mesmo lugar, uma tradição em nosso comércio

O fotógrafo e jornalista Benedito Reginaldo Viviane, o Tetê, tem boas recordações dos 25 anos em que manteve um laboratório fotográfico no Mercado Municipal. Ele, que trabalhou no local entre os anos de 1983 e 2008, acredita que, pelo fato dos boxes do Mercadão serem particulares, o poder público não tem muito o que fazer para alavancar o comércio no local, mas entende que a prefeitura colabora, além de cuidar da iluminação externa do prédio.

Tetê lembra que na época da instalação do Terminal todo o comércio no entorno, entre hotéis, bares e lojas, sofreu um impacto grande. “O comércio é dinâmico, rotativo, inovador. A Ótica Lupo com mais de um século é exceção na Rua Nove de Julho. Provavelmente, nenhuma loja do Jaraguá ou do Lupo, das inauguradas sobreviveu… Quanto ao Mercado o sentimento é de carinho, saudade e gratidão. Com meu trabalho eu gerei empregos, me formei em Direito (1986) e Jornalismo (2002), criei meu filho Raul e dei conforto para a minha família. Portanto, uma vida construída com os inúmeros clientes que passaram pelo balcão do Foto Viviani. Evidente que nesse tempo, um grande círculo de amizades foi ampliado e muitas histórias foram registradas”, relembra o fotógrafo.

COMÉRCIO ATIVO

Área interna do Terminal de Integração

A falta de segurança no Terminal de Integração é uma das reclamações do cabeleireiro, Jean Gabriel dos Santos, de 22 anos, que trabalha no local há cerca de 10 anos. Para ele, a presença de agentes no Terminal dificultaria a ação de criminosos e daria mais segurança aos comerciantes e usuários.

“O meu tio mantém esse salão desde 1968, quando aqui ainda funcionava a Rodoviária de Araraquara. Eu trabalho aqui desde que tinha 13 anos e acompanhei as mudanças nos últimos tempos. Vejo com bons olhos a iniciativa da prefeitura em colocar essas portas de ferro nas lojas e, também, a instalação de câmeras de segurança distribuídas pelo Terminal, mas ainda sentimos certa falta de segurança. O salão já foi furtado mais de uma vez, assim como outros estabelecimentos aqui dentro. Se tivesse guardas aqui isso não aconteceria. Outro problema que vejo é a falta de estacionamentos na região para que os nossos clientes possam deixar seus carros enquanto estão aqui dentro, além do preço da passagem que o cliente tem que pagar para entrar no Terminal. Antes eles devolviam o valor quando a pessoa saía, mas atualmente não estão devolvendo mais”, ressalta.

REGIÃO COMPLICADA

Jean acredita que um dos motivos para a diminuição do movimento de compradores no Mercadão seja o abandono do local por alguns proprietários de boxes, que estão vazios há muito tempo, e também pela frequência de andarilhos e prostitutas nos bares da região.

“Muitas pessoas ficam com medo de frequentar a região que é utilizada por prostitutas e moradores de rua como dormitório e até local de encontros sexuais. Isso é ilegal e atrapalha o comércio”, entende o cabeleireiro, que espera ver mudanças nesse quadro em breve.