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IV Centenário, naquele imenso quarteirão da Vila Xavier

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Vila Xavier é um dos bairros mais antigos de Araraquara. Sempre manteve a boa vizinhança e muitas caras são conhecidas por aquela região. De futebol é quase que infinito. Mas, dos tantos times que por lá existiram, um chama atenção pelo seu nome e que brigou com os principais clubes amadores da cidade durante a disputa do amadorzão da LAF (Liga Araraquarense de Futebol) anos atrás.

Centenário 64Formação do IV Centenário em 1977: Bolão, Lemão, Carlão, Zague, Português e Zezo; Berto, Zéquinha, Amaral, Djalma e Ferrarezi

O surgimento do IV Centenário Futebol Clube é de grande peculiaridade só de olharmos para o nome. Foi por volta de 1965, no Bar do Silvio, localizado na Av. Padre Antônio Cesarino, quase esquina com a Rua de 13 de Maio, que em uma reunião entre futebolistas surgia o nome IV Centenário por indicação de uma pessoa que ali estava em alusão ao quarto centenário da cidade de São Paulo. E a homenagem não poderia ser outra: camisas com listas horizontais preta e vermelha, compradas na Rua 25 de Março da maior cidade do país. Os presidentes de honra seriam Benedito Primani e Silvio Arruda Prado, o vice-presidente.

E quem ficou incumbido de treinar o time foi Zé Albino, o eterno técnico do IV Centenário. Da casa em que morava na Rua Princesa Isabel em frente ao antigo campo do ACCO, o time comandava as pelejas em seus domínios contra os times locais e de fora da cidade. Sempre sugeriram uma grande rivalidade entre IV Centenário e ACCO por dividirem o mesmo “chapadão”, mas não era bem isso.

Centernário 65Silvio Arruda Prado, o vice-presidente de honra. Fundação do time foi em seu bar.

“Os rivais da Vila, que eram IV Centenário, Atlética, Portuguesa, Palmeirinha, e outros, todos os jogadores eram amigos. Só existia a rivalidade em campo, pois todos ali se davam muito bem fora dele”, conta o ex-atacante da equipe José Roberto Primani, o Pacote, que começou na equipe logo aos 16 anos de idade.

Diferente de muitas outras equipes, o IV Centenário não tinha uma rotina intensa de treinos; se preparava apenas no “chapadão”, todas as sextas, depois das 17h, quando os jogadores corriam envolta do campo sob orientação de Zé Albino, definindo o time que jogaria no fim de semana. “O Zé era um cara fora de série. A gente se preparava para os jogos na garagem da casa dele que dava de frente com o campo. Subíamos um morro e já estávamos no campo de terra, prontos para jogar”..

Centernario 66Zé Albino, primeiro e único treinador do time

Dos oito anos em que jogou no IV Centenário, Pacote nunca se esqueceu do seu grande parceiro de ataque daquele time. “Era eu de centroavante e o Jorge na ponta direita. Nós dois éramos muito rápidos. Modéstia a parte, a gente corria a mesma coisa dos jovens de hoje, que tem muito mais preparo físico do que os jogadores de antigamente. Lembro-me de um gol nosso marcado contra a Portuguesinha. Em menos de 40 segundos o Jorge saiu em disparada pelo lado direito, chegou até a linha de fundo, cruzou e fiz de cabeça. Infelizmente aquele jogo terminou empatado em 1×1”.

Em alguns jogos, quando chovia, Zé Albino pedia para que os jogadores deixassem suas chuteiras na garagem de sua casa para que ele desse aquele “trato” nelas. Quando passava do açougue, Zé Albino pedia para que separassem cerca de 2kg de sebo da carne que sobrava. Para que a chuteira não ficasse úmida e ressecasse, Zé Albino passada o sebo nas chuteiras esperava cerca de três dias e engraxava todas elas, ficando novinhas.

“Na época em que eu jogava pelo cascudo do Murtão (time de jovens no qual era administrado por Crisnamurti Teixeira), o Zé Albino me convidada para completar o time em alguns jogos quando faltava jogador. Lembro que o time do Murtão saia da cidade em um caminhão acompanhando o time do IV Centenário em fazendas aqui perto da cidade”, conta Milton Cardoso, ex-jogador de diversos times do futebol amador e ex-presidente da Associação Ferroviária de Esportes.

Beira de brejo, beira de rio. Das histórias que Milton e Pacote contaram, lembram-se das fazendas em que disputavam jogo. Perto da curva do Chibarro, ponto da rodovia Washington Luiz que liga Araraquara/Ibaté, havia a Fazenda Marilú, seção da antiga Usina Tamoio.

“Quando íamos jogar na Marilú, sempre ficava um funcionário da usina acompanhando nosso jogo, como se fosse um gândula. Fomos avisados que na beira do rio havia muita cobra e outros animais. Quando a bola caia lá, esse funcionário usava um pedaço de pau com uma rede na ponta para pegar a bola pra gente e dava na nossa mão para cobrar o lateral”, relembra Milton.

Centernário 71Milton Cardozo e Pacote, dois ídolos do nosso amadorismo

Dos tempos em que jogou e presidiu, Milton lamenta o esquecimento do futebol amador e dos estádios em nossa cidade. “Hoje o futebol amador não existe mais. Não tem mais aquele revelador de craques, como a Ferroviária fazia com os trabalhos de Picolin, Cana e Bazani. O leilão feito do Estádio Municipal e do Rubens Cruz (do Palmeirinha), sacramentou o fim do nosso futebol. O estádio do Jardim Botânico não foi bem recebido pelo público”.

PRAZER, MEU NOME É JORGE

Centernário 69Jorginho guarda com carinho sua carteira de atleta do IV Centenário

Parceiro predileto de Pacote, Adail Jorge Longuini teve grande passagem pelo IV Centenário. A carreira começou na vizinhança próxima ao campo do ACCO, quando as crianças se reuniam para jogar no “chapadão”. Durante três anos defendeu o Tricolor da Vila e logo depois, em 1970, entrou para a equipe do Paulista. Após ter passado na prova da Polícia Militar, ingressou no Grêmio da Polícia Militar e jogou pelo time por cerca de cinco anos. Frequentou outros clubes amadores da nossa região e hoje joga bola com os amigos no Clube Náutico.

Centernario 70Jorge e Jair, os irmãos Longuini

“Jogava eu Pacote, Picão e Zequinha na frente. Tinha o Alemão e o Portuguesão também no nosso time. A gente dava muito trabalho para os times mais tradicionais da cidade. Apesar de ter ficado pouco tempo, marquei muitos gols com a camisa do IV Centenário. No jogo contra a equipe do DEMA, saiu uma pancadaria no estádio. Na época eu tinha 16 para 17 anos e houve uma grande confusão em uma jogada dividida entre os jogadores e discussões com o árbitro. Isso até inflamou a torcida”.

Além das jogadas, Jorge conta dos jogadores que enfrentava durante a peleja, que não eram desleais, mas eram excelentes marcadores. “Fubeca, do Tamoio, e Robertinho, do Gracianauto, eram excelentes marcadores. Quando você o driblava, já tomava a sua frente tirando a sua bola. Eu era rápido, só que eles eram mais quando se defendiam. Ainda bem que uma hora eles cansavam e tomava a frente deles (risos)”.

ALEMÃO, O XERIFE CENTENÁRIO

Centernário 67Os amigos Zéquinha e Lemão

Zagueiro de estilo e classe. Hoje é mais fácil termos jogadores assim. Cerca de 40 anos atrás poucos tinham esta virtude. Era chutão pra frente para afastar o perigo, ou dava pontapé para matar a jogada. Não que isso não aconteça mais hoje, mas antigamente as entradas eram mais firmes e rígidas. Mas não foi assim com Luis Carlos Jerônymo, o Alemão.

“Comecei no IV Centenário da Vila Xavier com 19 anos e passei pelo ACCO e Benfica. Quase na década de 70 eu recebi um convite para jogar na Ferroviária, mas acabou não dando certo. Então ingressei no Palmeirinha atuando novamente no futebol amador da cidade”.

Nos jogos em que o IV Centenário mandava no campo do ACCO, o público sempre acompanhava o time. “Cerca de 500 pessoas estavam presentes naquele campo de terra batida. Os jogos contra o time do Cidade Alta eram sempre disputados. Era quase como uma guerra dentro de campo”.

Dono de um chute poderoso, o ex-zagueiro lembra de uma jogada que fez com que ele parasse de cobrar pênaltis para sempre. No jogo com o Flamengo da Vila Furlan, o IV Centenário estava perdendo de 3×0 logo no primeiro tempo. Em um segundo tempo épico, o Centenário descontou, chegando aos 3×2. Foi aí que Alemão entrou em ação.

Centernário 68Lemão, um dos grandes zagueiros do nosso futebol amador

“Quando o jogo estava 3×2 pra eles, o árbitro marcou pênalti ao nosso favor. E todo mundo começou a gritar meu nome, pedindo para eu chutar forte. Quando corri e chutei a bola, ela bateu no pé da trave, fez o efeito ao contrário e foi para fora do gol. Eu não acreditava que aquilo havia acontecido. Depois daquele dia nunca mais bati pênalti em toda a minha vida”.

Hoje, Alemão recorda dos times do futebol amador quando passa nos bairros da cidade. “Me dá uma vontade e uma saudade de jogar ao mesmo tempo.  Não vejo mais aqueles campinhos de terra espalhados pelos bairros. Hoje existem poucos e estão abandonados”.

O esfacelamento do futebol amador de nossa cidade foi um duro golpe para os grandes admiradores. Do Estádio Municipal mais cheio em que nos jogos da Ferroviária eram emocionantes, ainda mais quando a AFE enfrentava o campeão do principal campeonato da cidade, oportunidade de ver a bola rolando com amor e paixão. Tudo isso era imenso. Sucumbiu-se com o tempo.