
A inauguração da câmara fria para guardar o chopp Antarctica
Nem bem deu 6 horas da manhã e o “seu” Carvalho, como era chamado pelos lados do Carmo, caminha em passos curtos na direção da Padaria do Lima, na Rua 13. Todos os dias ele fazia daquele pedaço de chão seu ritual e como sempre, levava pra casa – duas bengalas e um pão sovado pontuado por oito gomos – exatamente iguais.
Carvalho convivia com uma Araraquara romântica, de pequenas árvores plantadas nas beiradas das calçadas formando um imenso corredor, e, por onde o vento passava carregando folhas catadas mais tarde pelos funcionários da Prefeitura que se ajeitavam em umas carroças esverdeadas, sempre puxadas por burros ou mulas.
Mas, aquele sábado – 19 de março de 1955 – para o seu Carvalho o dia era especial: ele cuidaria dos preparativos de inauguração no dia seguinte, da primeira câmara fria ou frigorífica instalada em Araraquara, apropriada para gelar o chope da Antarctica que começaria a ser distribuído pela sua empresa.
A confraternização com Arthur Friendereich, da Seleção Brasileira
O português nato que aqui chegou ao Brasil com 18 anos de idade, estava eufórico e até já havia trocado com a esposa Adélia, algumas palavras logo que acordou: “É um dia que não vou esquecer nunca, mulher”. Ele sentado na beira, da cama lembrou dos momentos difíceis que passara na juventude, quando chegando de Portugal, foi trabalhar na lavoura de café em Boa Esperança do Sul.
Em 1930, Carvalho começou a trabalhar na Estrada de Ferro Araraquara e logo após a aposentadoria, decidiu abrir aquilo que os fregueses chamavam de “buteco” na Avenida 7 de Setembro, vendendo bebidas, doces e salgados. “Graças, porém, à colaboração sempre presente do povo de Araraquara, nos foi possível ir ampliando e melhorando aquele estabelecimento. De boteco como o chamavam os clientes mais chegados, Deus nos deu a força necessária para transformá-lo naquilo que, depois, passou a ser denominado de bar”, dizia Carvalho, agora que está para inaugurar a câmara frigorífica em companhia dos diretores da Antarctica.
Distribuição dos produtos na cidade nos anos 50
A GRANDE FESTA DE INAUGURAÇÃO
20 de março de 1955. Domingo. Três horas da tarde. Na Rua Expedicionários do Brasil, 1292, onde hoje está localizado o Edifício Graziela, construí- do em Araraquara nos anos 80, está Antonio Rodrigues Carvalho aguardando os convidados para a inauguração da câmara frigorífica que vai conservar e refrigerar o chope Antarctica. Ao ato iniciado meia hora depois, revestido de simplicidade, compareceram as autoridades, gerentes de bancos, comerciantes, representantes da imprensa e diretores da Companhia Antarctica Paulista, instalada em Ribeirão Preto.
Dentre os representantes de cervejaria, estão o gerente Petrônio Bellini; o subgerente Agostinho Solero; o assistente da gerência, José Rodrigues Pio Filho; o fabricante de chope recém chegado da Alemanha, José Newmayer; seu auxiliar, Frederico Muller; o chefe de Vendas, Eugênio Van Gal. A maior atração da festa de inauguração, na verdade, foi Arthur Friendereich, que pela sua fama se transformou em diretor da Secção de Propaganda da Antarctica, o que é hoje, Diretoria de Marketing.
Frota de veículos para buscar os produtos e distribuí-los na região
Convidado por Carvalho, o chefe do Distrito da Companhia Paulista de Força e Luz, José Salles Gadelha, visivelmente comovido, agradeceu a honra que lhe foi oferecida para desatar a fita colocada bem à frente da câmara. Ao empresário, ele desejou prosperidade.
Carvalho, de calça e camisa de linho branco, logo que iniciou sua saudação disse que “não foi fácil inaugurar a câmara frigorífica e que empreendeu muitos esforços”. Segundo ele, a luta para a obtenção do material necessário não foi das mais fáceis. Em dado momento foi mais incisivo: “Não fosse essa circunstância, com o qual lutam hoje (1955) o comércio e a indústria, teríamos concluído antes”.
Um dos convidados, o prefeito Antonio Tavares Pereira Lima, que encerraria seu mandato no final do ano, agradeceu a Carvalho mais este melhoramento que Araraquara recebia. Homem simples, disse Pereira Lima, que faz do trabalho sua precípua função de vida, é um exemplo a ser seguido. Alegre, folgazão, comunicativo, dá mais alegria ao ambiente, completou.
Aos presentes, a família Carvalho ofereceu logo após, salgados, champagne e para completar um chope bem gelado, como não poderia deixar de ser para marcar a inauguração da câmara.
Peiró, na rua dois, dava assistência técnica aos veículos
ANOS DOURADOS
No final de 1952, Adélia e Antonio Rodrigues Carvalho, tinham oito filhos: Loris, Luiz, Laércio, Lourival, Luci, Lucindo, Laurindo e Lauro. Um dos filhos, Lourival, faleceu em acidente aos 33 anos de idade; Laércio, Luís e Lucindo partiram mais recentemente. Porém, todos eles tiveram uma convivência extremamente feliz com a Distribuidora Antarctica Carvalho, criada em 1945 na Rua Expedicionários do Brasil, época em que a cerveja tinha suas cotas de distribuição divididas entre J. Rodrigues, Dias Martins e os Irmãos Haddad.
Todos vendiam os produtos da Antarctica, até que nos anos 70 ficou decidida uma nova divisão para a venda da cerveja em Araraquara: caberia a Tufik Haddad a comercialização da linha férrea para cima, ou seja a Vila Xavier: O restante da cidade seria de Antonio Rodrigues Carvalho que agora já contava com a ajuda dos seus filhos.
Os negócios prosperaram tanto que em 1978, Carvalho adquiriu o prédio da Empresa Cruz que havia se transferido da Rua Imaculada Conceição, para a Rua Domingos Zanin, 264, no trevo da Sachs. Ele deixava a Expedicionários do Brasil, 1292 depois de 33 anos de atividades.
Com isso, contou em agosto do ano passado, Lucindo Carvalho, um dos seus filhos, a empresa ganhou projeção ainda maior tornando-se um dos maiores revendedores Antarctica do Estado, vendendo quase 55 mil dúzias de garrafas de cerveja por mês. A distribuidora antes já havia adquirido uma outra área para a construção de um prédio que abrigasse suas atividades, optando contudo em se instalar na antiga sede da Cruz.
A política das cervejarias em 1997 acabou colocando ponto final nos planos de expansão da distribuidora, pois nascia a Ambev unindo as centenárias Cervejaria Brahma e Companhia Antarctica, algum tempo depois, a Skol. A distribuidora a exemplo das outras espalhadas pelo País, fecharam as portas.
Dos filhos de Adélia e Antonio Rodrigues Carvalho, alguns permanecem no comércio: Lauro, possui um depósito de secos e molhados e Laurindo trabalha com produtos congelados.