
Os irmãos Pirolla reformando um fusca
Milton Ruy Pirolla é o caminho para quem deseja falar ou pedir opinião sobre carros antigos. Sua vida está intimamente ligada à restauração de veículos.
Os carros antigos exercem fascínio. Os colecionadores apaixonados por antigomobilismo concordam plenamente com essa afirmação. Fragmentos de eras passadas, os carros antigos são uma representação física da história da produção automobilística brasileira e mundial.
Suas peças, algumas obsoletas atualmente, guardam em si a memória da evolução tecnológica e da produção industrial. Seus motores, inclusive movidos a álcool, retratam a inovação brasileira na área de biocombustíveis e trazem resquícios das políticas públicas e da economia de décadas passadas, que geraram um mercado único no mundo – o de carros flex. Suas linhas e curvas preservam o desenvolvimento do design automobilístico que mudou muito nos últimos tempos. Mais do que itens de colecionadores, carros antigos são memórias que andam.
Mas a preservação dessas memórias exige cuidado constante. Exige também custos. E, ao contrário do que se imagina, o preço é contemporâneo.
O famoso Fordinho 29 que levou 11 anos para ser restaurado
O RESTAURADOR
Milton Ruy Pirolla, de 85 anos, é um dos mais conhecidos restauradores e antigomobilistas de Araraquara. Ele é um dos moradores mais antigos do São Geraldo, bairro tradicional da cidade e por lá quem perguntar “onde mora o Milton Pirolla”, qualquer um vai dizer que é na Avenida Cristovão Colombo.
Ele conta que dois fatores são principais ao se pensar na restauração dos veículos: encontrar as peças originais (ou que se adaptem) e ter mão de obra especializada.
“Na época em que o dólar estava 1 por 1, era muito mais fácil”, relembra Milton, que importou diversas peças dos Estados Unidos. Ele aponta que é difícil achar mão de obra especializada, tanto na cidade quanto na região. E diz que cada etapa acaba sendo feita em um lugar e por uma pessoa diferente. Por exemplo, a pintura dos veículos que ele restaura – que é uma das etapas mais caras – geralmente é realizada em Franca. “São raras as pessoas que trabalham com carros antigos. Daí uma das dificuldades de se reformar um carro”, afirma.
Carlos Pirolla mostra algumas peças e conta sobre a dificuldade de consegui-las
E os custos também são altos. A pintura por vezes chega a custar até15 mil reais. “Uma tinta especial que fui procurar custava 450 reais o litro. É um passatempo caro”, afirma Carlos Henrique Pirolla, filho de Milton. Ele cita que outros processos, como a cromagem das peças, o conserto da funilaria e a reprodução do estofamento também são trabalhosos e dispendiosos.
Carlos, que herdou a paixão pelo antigomobilismo do pai, conta que para restaurar o veículo é preciso ir procurando peças, comprando e trocando partes – quase como a montagem de um enorme quebra-cabeça.
“O grande barato do antigomobilismo é o garimpo que temos que fazer para achar as peças. E também os “rolos” que surgem na troca por essas peças. Eu, por exemplo, troquei uma caçamba de caminhonete por um para-choque” diz Carlos, animado.
O COLECIONADOR
Um dos xodós de Milton é o Ford 1929, primeiro carro que ele restaurou e que levou 11 anos para ficar pronto. “O carro estava muito bem feito, porque foi feito para mim, do meu jeito”, orgulha-se.
Por um bom tempo Pirolla circulou com o Fordinho pelas ruas da cidade, sendo o São Geraldo seu ponto de partida. A buzina festivamente era acionada com som de calhambeque quando o dono via um amigo. Tudo nele era praticamente original.
O “Fordinho”, como é carinhosamente chamado, foi feito do zero – desmanchado desde a sua base e totalmente restaurado. “Ficou em cima de quatro cavaletes só o chassi dele. Ficou pelado”, relembra Milton. Mas ele diz que nesta época não sofreu tanto para reformar o carro, porque o irmão tinha uma oficina e o ajudava.
Quando finalizado, o carro era alugado para casamentos. Milton diz que perdeu a conta de quantas noivas levou no “Fordinho”. E o fato mais curioso é que este veículo hoje é propriedade do cantor Daniel e está em Brotas, onde reside.
O “Fordinho” acabou sendo vendido para o cantor Daniel, em 2013, por 46 mil reais. Milton lembra que a negociação foi intermediada pelo pai do cantor, José Sebastião Camilo. Por meio de um conhecido em comum, que era morador de Brotas, José ficou sabendo do carro e entrou em contato para fechar negócio.
Até hoje a família guarda com carinho uma cópia do cheque emitido pelo cantor.
“Hoje um carro como esse vale em média 130 mil reais – preço de um carro novo” ressalta Carlos. Nos últimos dez anos, alguns automóveis antigos, como os mais clássicos, chegaram a valorizar mais que investimentos tradicionais, como a poupança, CDB e Tesouro Direto. Um estudo realizado pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP), feito em 2017, analisou 24 modelos entre os anos de 2005/2006 e 2015/2016 e apontou que, em média, os veículos valorizaram 23,9% acima da variação da Selic em dez anos.
Exposição de carros antigos em evento realizado no Clube Náutico