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Pedaços de Choro. Eles permanecem no tempo valorizando o romantismo dos velhos tempos.

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Pedacos de Choro 145

De 1980 até hoje, um grupo de músicos chorões resgata o que há de melhor na música popular brasileira. Na verdade eles persistem em desafiar a transformação musical de todos os tempos.

Pedacos de Choro 145Primeira formação: Laudelino, Itamar, Carlinhos, Flávio, Peru e Tinho

Marcamos um bate papo com o professor Flávio Módulo e o Car-linhos Bersanetti, idealizadores do grupo Pedaços de Choro, na sala da Pró-Reitoria de Graduação da Uniara, onde Flávio é o Pró-Reitor. Dia inesquecível, pois contaram que bem antes da fundação do grupo em 1980, eles juntamente com outros amigos como o Itamar, já se reuniam para tocar somente pela paixão de tocar. Certo dia o Baixinho (Laudelino), levou o Peru (Waldir Correa da Silveira) na casa do Flávio para uma dessas reuniões. O Peru tocou algumas músicas no cavaquinho, o Flávio cantou outras com o Baixinho  no violão de 7 cordas. Veio a ideia de completarem o grupo, mas sem compromisso sério.

Em 1980 o grupo foi convidado para tocar na antiga TV Morada do Sol, mas por ser dia de semana, alguns músicos como o Flávio não puderam ir. O Baixinho, o Peru e outros foram. Quando o apresentador Manoel Cristino perguntou se o grupo era aquele, Peru respondeu que era apenas um pedaço. Perguntado então pelo nome do grupo, o Peru não teve dúvidas: Pedaços de Choro. Estava criado aquele que se tornou o mais tradicional grupo de choro da cidade formado por Flávio Módulo, violão/voz; Carlos Bersanetti Neto, percussão/voz; Belarmino Cardoso, conhecido por Laudelino (Baixinho), violão de 7 cordas; Waldir Correa da Silveira (Peru), cavaquinho e Itamar Argondizo Nogueira, pandeiro. Com a morte do Baixinho, o Peru foi para o violão 7 cordas; Marcos Antônio Alves de Lima (Marquinhos), Cavaquinho; Benedito José Arruda (Tinho), bandolim e violão de 7 cordas.

Com o passar do tempo ocorreram mudanças e a participação temporária de outros amigos como o Aníbal Ângelo Romano, Jeferson de Paiva Lima (Fon), Ricardinho Lupatelli, Walmir de Araújo e o Geraldo Hilário da Silva (Gê Negão). Os próprios filhos de Flávio Módolo – Luiz Fernando e Flávio Júnior – se integraram ao grupo.

Pedacos de Choro 146Uma das históricas formações do grupo: Peru, Itamar, Carlinhos, Marquinhos, Tinho e Flávio Módolo               

O Pedaços de Choro foi contratado pelo Conselho Municipal de Turismo (COMTUR) e FUNDART, por vários anos, tocando em praças, bares, clubes ou nas“Serestas Itaú”, “Serestas A Caminho do Sol”, “Serestas na Escola”, e até em boates. Era muito frequente o grupo se apresentar em restaurantes como o Degraus, Bar do Freitas (do amigo Moacir), Velho Armazém e no final tocar de mesa em mesa. Esteve em várias cidades da região: São Carlos, Ribeirão Preto e na capital paulista. No seu variado repertório, que chegava a 130 músicas, além dos choros mais conhecidos de compositores como Jacó do Bandolim, Pixinguinha e Ernesto Nazaré, incluía sambas como “Na baixa do sapateiro” (Ary Barroso), “Lá vem a baiana” (Dorival Caimmy). Sambas de exaltação como “Canta Brasil” (Alcir Pires Vermelho e David Nasser) e sambas de compositores como Paulinho da Viola e Adoniran Barbosa. Incluía ainda intérpretes como Nelson Gonçalves, Francisco Alves e boleros do Trio Irakitan e Trio Los Panchos.

Durante sua carreira, o grupo se apresentou ao lado de artistas e músicos famosos, como Regional do Evandro, o flautista Carlos Poyares, maestro Benedito Costa, Rosita Gonzales, Carlos José, Francisco Egydio, Roberto Luna, Roberto Silva, Ataulfo Alves Júnior e Jamelão.

Toda a direção dos ensaios era de responsabilidade do Peru, que era um excelente músico e exigente quanto às harmonias e afinação. Em todas as andanças do grupo, as idas e vindas eram cheias de muita alegria e risadas.

Pedacos de Choro 149Francisco Egydio, Carlos José, Flávio Módolo, Carlinhos Bersanetti, Roberto Luna e Ataulfo Alves Júnior, antes de serem chamados para um show na 8ª Seresta a Caminho do Sol

AS HISTÓRIAS EM PEDAÇOS

Tocando durante quase 40 anos, Flávio e Carlinhos relembram fatos que ficaram na lembrança. Certa vez foram tocar na Biblioteca Municipal que estava lotada. Então resolveram entrar pelo meio do público atravessando todo o salão, em direção ao palco, cantando “Estão voltando as flores” de Paulo Soledade. A medida que iam passando, o público ia se levantado e aplaudindo entusiasticamente. Foi de arrepiar.

Um dia receberam a visita da Dona Zezé que tinha visto o grupo em Nova Europa e queria contratá-lo para tocar na sua casa em Ribeirão Preto. Era uma belíssima festa a caráter, onde as pessoas exibiam trajes e penteados característicos dos anos 40. O local era uma mansão maravilhosa e o show era da cantora convidada, Rosemary, interpretando músicas da Chiquinha Gonzaga com o acompanhamento do grupo Pedaços de Choro. Ficou uma beleza.

Pedacos de Choro 147Flávio Módolo Júnior passou a fazer parte do grupo figurando ao lado de Gê Negão, Carlinhos, Flávio, Tinho, Marquinhos e Peru

Era um sábado à tarde, dia 16 de novembro de 1985, e antes de tocar no casamento do Benedito Salvador Carlos (Benê) na Igreja da Matriz, o grupo fez uma rodinha na praça e começou a ensaiar, dando uma passadinha nas músicas. O jornalista Ivan Roberto, sem que os músicos percebessem, presenciou o ensaio e fez registro na sua crônica diária “Carta Aberta” publicada no Jornal O Diário da Araraquarense, edição do dia 23 de janeiro de 1986 – quinta feira. Foi uma surpresa para o grupo, que até hoje guarda o texto.

Mas o Benê conta que sempre achou que seu casamento poderia ser diferente, como realmente foi, com a apresentação do grupo. Disse que logo após o enlace, o Flávio acompanhado pelo Pedaços de Choro, cantou a música Paz do Meu Amor, de Luiz Vieira. Terminada a música fez-se um absoluto silêncio, o que gerou breve suspense, até que o Padre Oswaldo Baldan que acabara de celebrar a cerimônia, quebrou o silêncio com um aplauso de início pausado, mas logo intensificado e seguido calorosamente pelos presentes que lotavam a igreja Matriz de São Bento. Silvia, a noiva, garante que foi uma linda inovação. Imaginem um grupo de choro, na época, tocando dentro da igreja.

Em 2001, foram tocar em Santa Rita do Passa Quatro, na Semana do Zequinha de Abreu. O grupo chegou na hora do almoço e recebeu a indicação da rua que deveria subir para chegar no restaurante. Era a rua principal e horário de muito movimento. Os músicos resolveram subir a rua a pé e tocando. As pessoas saiam das lojas para ver e aplaudir o grupo passar. A tarde foram visitar e tocar num hospital. Recordam que entre as músicas apresentadas, atendendo ao pedido do administrador do hospital, o Flávio cantou Tardes de Lindóia. E à noite foram tocar na praça onde ficava a estação do trem. Com a praça cheia, o Flávio pegou o microfone e foi cantar entre as pessoas que passaram a cantar juntos com ele.

Pedacos de Choro 148Por onde o grupo passa recebe o carinho do público e dos artistas

Em 1981 o Itamar, pandeirista do grupo, e alguns amigos resolveram empresariar e contrataram uma dupla em início de carreira, até então pouco conhecida do grande público, Chitãozinho e Chororó, para um show no SESI em Catanduva. Para a abertura do evento, o Itamar levou o Pedaços de Choro que deveria tocar por uma hora, até a entrada dos artistas principais. Na hora marcada o espetáculo começou sem a presença do público. O grupo tocou por uma hora e nada do público aparecer. Continuaram tocando por mais meia hora e como não aparecia ninguém o Itamar resolveu encerrar a apresentação; os músicos foram sentar na plateia esperando a dupla que hoje goza de tão merecido sucesso internacional. Vejam só, o show não aconteceu por falta de público.

O grupo foi convidado para se apresentar no SESC Araraquara, para o pessoal da terceira idade. Faltando três dias para o evento, o Flávio foi até o SESC acertar detalhes como iluminação, posição no palco, aparelhagem e microfones, quando foi informado que o show deveria ser uma homenagem ao humorista, ator, cantor e compositor, o grande Adoniran Barbosa. Ficou apavorado por que isso não havia sido combinado. Então passou duas noites estruturando e escrevendo um roteiro e finalmente produziu o espetáculo. Flávio contava as histórias que envolviam as músicas e a carreira do Adoniran e interpretava junto com o grupo as suas composições.

O anfiteatro do SESC estava lotado com o pessoal da terceira idade, mas ficou ainda mais cheio com a chegada de uma grande quantidade de jovens com cerca de 16 ou 17 anos, que haviam terminado suas atividades esportivas. Flávio conta que, com uma certa preocupação, comentou com os músicos: “Estamos aqui tocando para os velhos e chegam esses jovens . . . não sei como vai ser”. Mas para surpresa geral do grupo, os jovens gostaram tanto que, no final do espetáculo vieram perguntar onde iam tocar novamente e dias depois quando foram tocar no Celeiro Choperia, lá estavam os jovens aplaudindo. Aprenderam então que o jovem precisa ter a oportunidade de ouvir a música para poder dizer gosto ou não gosto.

Outra curiosidade: Flávio lembra que na década de 80 havia um programa na Rádio Difusora de São Paulo, de nome “Rua da Saudade 1.040” (1.040 era o prefixo da emissora) onde o seu apresentador, o famoso radialista José de Pádua Reis costumava dizer: “Tem música que é música e tem música que não é música” ou seja, tem músicas criadas há muito tempo que em razão da beleza das suas melodias e harmonias, como Tico Tico no Fubá, Aquarela do Brasil e tantas outras, apesar do tempo que se passou todo mundo conhece.

Pedacos de Choro 150Flávio Módolo e Carlinhos Bersanetti, nos recebendo para a entrevista

TEXTO: JURACI BRANDÃO DE PAULA