A história conta um tempo romântico dos pilotos de motos que fantasiavam as ruas de Araraquara de forma corajosa. Era em agosto, mês de aniversário, que a cidade fervilhava e se envolvia em clima de festa.
O período que antecedia uma corrida de motocicletas era, para todos nós, tão emocionante como a própria prova. Um mês antes começávamos com todos os aprontos objetivando alcançar o melhor resultado possível para melhora de velocidade.
Disso resultavam os experimentos ligados ao motor, aerodinâmica e eletricidade buscando, através de novas tecnologias e que iam sendo conhecidas, ora por revistas especializadas, outras por informações de amigos especialistas em outras áreas e, por fim, em simples especulação mesmo. Assim, nosso universo de colaboradores ia sempre voluntariamente aumentando, como o Augusto Espeleta que cuidava do enrolamento de bobinas, querendo a qualidade que, naturalmente aumentava a confiabilidade e capacidade de melhora da faísca na vela de ignição. Tagliacozzi, uma pessoa apaixonada por veículos de duas rodas, trouxe sua experiência de funileiro em calhas para os escapamentos construídos em forma de funil, ganhando melhor compressão dos motores. Francisco Vayda e Romeu Baptistini, que construíam carrocerias de fibra de vidro para o carro Puma, equipado com motor de DKV, projeto maravilhoso e futurista desenvolvido pela família Malzzoni, emprestavam seus talentos para as carenagens. Edison Puccinelli (Tom) da Rádio Cultura, montado em sua italianíssima MONDIAL 250cc azul, despejava seus conhecimentos de eletrônica, na época, tão distante da nossa competência. EnioFrancicá, na aerodinâmica, Murilo Leonardo, professor da UFSCar, Engenheiro civil do D.E.R., que o tempo transformou seu amor em Doutor na mecânica, desde sempre estava do nosso lado, perpetuando conhecimentos e máquinas de um período de glamour e paixão. Todas essas pessoas, somadas, resultavam nas vitórias e sucesso de toda a galera. O laboratório de desenvolvimento eram as bancadas das oficinas do Penha, do Nêgo (Adolpho Tedeschi/José Roberto Tedeschi), do Waldemar Zago, e dos Faitos, mas, os testes reais eram feitos na estrada velha que liga Araraquara/Américo Brasiliense, caminho do clube da AABB do meu querido e saudoso JoacyrBraghini.
Lá, fazíamos defronte a oficina dos ALEMÃES nosso boxe, e das suas instalações nossa referência. Não raras vezes acabávamos usando e abusando daquela generosidade. Os testes não eram rachas, eram testes de verdade. Assim, a mesma motocicleta era testada por todos os pilotos. Penha, Nezinho (Evaldo Salerno), Neto (Olympio Bernardes), Luzia (Eduardo Luzia), Baiano (Celso Martinez), Edivilmo, Bianchini (Luiz Antonio), Pinho (José Manoel Sampaio), Zé Faito, Negão (Luiz Antonio Candido), Diogo, Rastelli e até eu, que pouco sabia perto daquele monte de “cobras”, e que também dava voltas trazendo minhas impressões que iam sendo somadas e discutidas, de forma que tomavam formato de regulagem final, assegurando a performance perfeita do conjunto. Era muito legal porque bastavam as motocicletas de corrida subirem a Fonte Luminosa, com destino à pista, ainda que da forma mais discreta possível (acelerando pouco) que, imediatamente, todo aquele pessoal das “jovens tardes de domingo” vinha chegando atrás rapidamente, quase que “dominados” pelo barulho encantador e o cheiro inesquecível das misturas de gasolina, Valvoline Racing, óleo de rícino, éter e acetona nas combinações do nosso jovem químico Edson Colombo.
O DIREITO DE SONHAR
Tinha de tudo, Adolpho Segnini, Dario Pires, Antonio Carlos Silvino, Jair Galeani e Juninho Roldão, Paulinho Ciborg& Cia., Roberto e Reinaldo Tamer, OS PREOCUPADOS Marcos Placco e o Doquinha da Chalu acompanhados da família Ciomino. Os TRABUZANAS nas pessoas do Marcha-Lenta (Dr. Emilio Montoro), Lori e ainda das gatíssimas Estela, Marli, Mirian (Joinha), Zezé e tantas outras, ainda, tão lindas jovens que a memória não me permite, instantaneamente, lembrar.
Na semana da corrida mesmo, bastava o fim do expediente comercial que tudo se transformava, como num passe de mágica. Na oficina do velho Faito, que de menino conheci e foi a porta de entrada para os meus sonhos de piloto, os tratores davam lugar às motocicletas, os tarugos de ferro para as chapas de onde saiam aqueles escapamentos em forma de funil, os tornos para ajustes dos cilindros e cabeçotes e o esmeril para acabamentos diversos. A solda nem se fale, qualquer retalho de ferro transformava-se em peça nova e ganhava forma, acabamento e textura artesanal. A gente ficava até altas horas da noite mexendo nas motocicletas, tudo em harmonia e cada piloto se solidarizando um com o outro que nem parecia que, na hora da corrida, era cada um pra si e o que valia mesmo era a vitória.
CORRIDA SÉRIA
A disputa era limpa, mas, arrojada. E ninguém dava moleza pra ninguém. Corri várias vezes com eles, vi Salerno, Penha, Neto, Luzia, Baiano, Negão e Zé Faito fazerem primeiro lugar, assisti o Diogo Faito nos seus projetos futurísticos e o Sergio em tocadas espetaculares com uma Honda 65 que urrava como carro de fórmula. Mais ainda, fiz parte do grupo de pilotos que se revezavam na hora do almoço aos domingos, para comer a famosa macarronada da Lurdeca, mãe dos Faito’s, refeição esta, sempre acompanhada das gostosíssimas Mimosas e Cotubas.
Assim, esse doce ritual também se repetia na Oficina do Nego, do Penha e do Zago e íamos nos visitando uns aos outros todos os dias, tão prazerosamente que, ainda hoje, quando o dia vai terminando, viajo nas minhas lembranças e volto a sentir aquele gostinho da felicidade de ter vivido uma adolescência numa época de ouro toda especial.
Araraquara foi um cenário grandioso em vitórias nas corridas de motocicleta, história de velocidade que já vinha de longe, dos também vitoriosos corredores de lambreta no início dos anos 60, tão bem representados por Manolo (Emanuel Toledo de Lima), Gildo Scarpa, Zezé Braghini, Pé de Brasa, Edmur, Berto da Funerária, Luiz Peixeiro e outros tantos que inundavam a Alameda Paulista, palco das corridas, espetáculo inesquecível.
Duas pessoas, que merecem reverência, são partes muito importantes neste cenário da história, de quem qualquer outro dia escreverei, VictórinhoBarbugli e Renan Alves, pilotos extraordinários que o destino levou para correr em pistas divinas.