Nas próximas semanas, quando as chuvas aumentarem, dois biólogos paulistas pretendem levar para os laranjais os compostos em que trabalharam nos últimos anos. Eles querem ver se, a céu aberto, protegem contra a bactéria Xanthomonas citri subsp. citri, causadora do cancro cítrico, uma doença antiga da citricultura nacional, que persiste em cerca de 20% das plantações de citros.
André Alexandrino, sócio da startup BionFarm, de São Carlos, pretende avaliar os inibidores que bloqueiam uma enzima da bactéria, sem a qual a doença não avança. Henrique Ferreira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro, vai a campo com formulações à base de eugenol, óleo marrom-escuro extraído do cravo-da-índia (Syzygium aromaticum). Os dois compostos apresentaram bons resultados em casa de vegetação e resultam de um trabalho integrado entre universidades, empresas, investidores privados e citricultores.
Problema mundial, o cancro cítrico causa manchas marrons nas folhas e nos frutos de todos os tipos de citros (laranjas, tangerinas e limões), embora algumas variedades sejam mais suscetíveis que outras. Outras espécies de Xanthomonas causam doenças em cerca de 400 espécies de plantas, entre elas as que produzem uvas, maracujás, tomates, repolhos, brócolis e couve-flores.
No Brasil, o cancro cítrico foi combatido por meio da eliminação de plantas doentes de 1957, ano em que foi identificado no país, a 2017, quando a erradicação foi substituída por outras formas de controle da doença, com o plantio de mudas sadias e de variedades mais resistentes, uso de quebra-ventos e destruição de frutos contaminados. A bactéria, que se dissemina entre as plantas por meio da água da chuva, é combatida também com agrotóxicos à base de cobre, que não resolvem o problema inteiramente.
“O preço dos defensivos agrícolas feitos com cobre ainda é imbatível, mas estamos nos preparando para quando os consumidores europeus não quiserem mais comprar citros tratados com cobre”, comenta Ferreira, que integra o Centro de Pesquisa em Biologia de Bactérias e Bacteriófagos, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) apoiados pela FAPESP. Embora eficiente, esse tipo de agrotóxico pode se acumular no solo e nas plantas.
Ferreira passou por essa situação no fim de 2021, quando um exportador de limões orgânicos pediu uma alternativa ao hipoclorito de sódio (água sanitária), que um comprador da Europa não queria mais que usasse para limpar as frutas. Em duas semanas, na própria Unesp, ele testou e validou o efeito bactericida de uma solução com 5% de eugenol, previamente aceita pelos importadores. A solução foi incorporada de imediato à limpeza dos limões antes do empacotamento, como detalhado em um artigo de março de 2021 na Food Processing and Preservation. Os resultados motivaram a inclusão do eugenol aos produtos que ele já testava contra cancro cítrico.
A persistência da doença motiva pesquisas em muitos países. Entre as mais recentes, um grupo da Universidade Dr. Panjabrao Deshmukh Krishi Vidyapeeth, na Índia, relatou em setembro de 2023 na Journal of Plant Disease Sciences que o extrato de duas plantas usadas na medicina tradicional do país, a amla (Emblica officinalis) e a babchi (Psoralea corylifolia), funcionou para eliminar X. citri em laboratório. Um mês depois, na Journal of Agricultural and Food Chemistry, uma equipe da Universidade Agrícola do Sul da China apresentou oito compostos que inibiram a doença em folhas de citros.
TRABALHO INTEGRADO
Ferreira conta que o eugenol e outros óleos essenciais, como o de orégano (Origanum vulgare) e o de capim-limão (Cymbopogon spp.), que também apresentaram bons resultados em casas de vegetação, constituem a segunda geração de compostos que ele começou a testar contra X. citri há 15 anos. O galato, derivado de um ácido que a planta utiliza contra ataques de insetos, representa a primeira geração e se mostrou eficaz para deter a multiplicação bacteriana, como detalhado em abril de 2015 na Frontiers in Microbiology.
Além do galato, Ferreira desenvolveu outros compostos com colegas de duas universidades dos Países Baixos e trabalha na formulação com os especialistas da Santa Clara Agrociência, empresa de defensivos químicos de Ribeirão Preto, interior paulista. “Temos mais de 15 formulações, já testadas e validadas em casas de vegetação, em fase de estudos de viabilidade econômica”, diz.
Otimista, Alexandrino afirma que os inibidores enzimáticos poderiam competir em preço com o cobre. A eficiência dos dois tipos de compostos se mostrou equivalente nos testes em casas de vegetação, como relatado em maio na revista Microbiology Spectrum. Alexandrino, em parceria com o irmão, Daniel, conseguiu o apoio de dois investidores e de um grande produtor de citros, que cederá uma área para os testes.
O desenvolvimento dos inibidores começou por volta de 2009. Em busca de proteínas de X. citri relevantes na evolução da doença, a química e farmacêutica-bioquímica Maria Teresa Marques Novo Mansur, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), encontrou a enzima fosfomanose isomerase/GDP-manose pirofosforilase (GDP significa difosfato de guanosina), também conhecida como XanB.
Detalhada em 2017 na Journal of Proteomics, essa enzima participa da produção da goma xantana, que facilita a interação da bactéria com a planta. Em seu doutorado na UFSCar, concluído em 2020, Alexandrino examinou o gene que produz a XanB. “Vimos por análises genéticas e testes in vivo que, sem essa enzima, a bactéria não causava a doença nos citros”, conta Mansur.
Para desenhar moléculas capazes de inibir a enzima, a química Mariana Barcelos, da equipe de Mansur, procurou o químico Carlos Henrique Tomich Paula da Silva, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Em dois anos, a partir de bases de moléculas e modelagem computacional, Tomich e Barcelos, fazendo o mestrado com ele, modelaram a estrutura tridimensional da enzima e encontraram os pontos de conexão com outras moléculas, os chamados sítios de ligação.
Em seguida, selecionaram os quatro inibidores mais promissores, todos derivados de carboidratos – três são amino açúcares e o outro um glicosídeo fenólico –, que bloqueiam a interação da bactéria com a planta. Como já eram produzidos comercialmente com outras finalidades, puderam ser importados e Alexandrino os avaliou: “Já temos umas 15 moléculas, mas nem todas são viáveis, por causa do custo de produção”.
Os testes em campo devem se estender por dois anos. “A eficiência dos novos compostos tende a ser menor do que em casa de vegetação, porque o vento e a chuva facilitam a entrada das bactérias nas plantas e o Sol pode acelerar a degradação dos defensivos”, adverte o engenheiro-agrônomo Franklin Behlau, do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), que participa das duas pesquisas.
Ainda que satisfeito com os resultados alcançados até agora, Behlau esboça uma preocupação relacionada à eficiência dos compostos: “Não adianta agir sobre as bactérias apenas quando os compostos são aplicados pouco tempo antes que elas cheguem. No pomar, o efeito tem de persistir por algumas semanas entre uma aplicação e outra. O cobre faz isso bem, mesmo com vento e chuva”.
Ao fim da realização dos testes, se bem-sucedidos, devem começar as avaliações formais exigidas pelos órgãos oficiais para registro e autorização para venda de novos produtos. (Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP)