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União Skina: O “diabo rubro” que nasceu numa esquina da Vila Xavier

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Uniao Esquina Brasao

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Meninos ainda, pés no chão, eles eram a alegria das ruas de terra e empoeiradas da Vila Xavier nos anos 60; quase todos vizinhos no mesmo bairro, carregando o sonho da bola de capotão lhes dando a garantia de um futuro. A Copa do Mundo de 70 ofertou a eles inspiração para montar um time de futebol e eram tão ousados, que até elegeram um presidente que foi saber da escolha no dia seguinte. E Odilon Ferreira, lisonjeado com a decisão, aceitou. Era assim, aquela “mulecada” da esquina da Avenida Carlos Baptista Magalhães com a Rua Bento de Barros, onde nasceu o UniãoSkina há 44 anos.

O clube se projetou rapidamente e contribuiu na propagação esportiva da Vila Xavier que passou a ser chamada de Cidade Alta pelo jornalista Wagner Belline, do então jornal O Diário.

O desafiodos meninos

A força interior de garotos com 13 e 14 anos de idade acabou sendo mais forte do que sepoderia imaginar, pois estando eles impressionados com o sucesso de clubes amadores como Palmeiras, Santana, Benfica, Estrela, e outros, foram em frente para criar um time que se situasse nas proximidades da Alameda Paulista.

Primeiro de junho de 1970. Os garotos da Vila Xavier que jogavam descalços no “mangueirão”, terreno no fim da Av. 22 de Agosto esquina com a Rua Padre Luciano, ao lado dos prédios do empresário Boaventura Gravina, Cônsul da Itália em São Paulo, mas residente em Araraquara, decidem calçar chuteiras e avançar para os gramados oficiais.

Da reunião na calçada da Av. Carlos Baptista Magalhães esquina com a Rua Bento de Barros (antiga Rua do Tesouro), surgiu o União Skina Esporte Clube. Os fundadores, todos menores de idade – Mário Augusto Viviani, Benedito Reginaldo Viviani (Tetê), Carlos Roberto Argente (Zó), José Roberto Alves (Betão) e Marcos Cumpri (Marcão), elegem o ferroviário Odilon Ferreira na presidência do clube, que só foi saber desta escolha “democrática” no dia seguinte.

Primeiro ato: uma rifa para compra do primeiro uniforme. Um LP dos Beatles é ofertado com adesão imediata dos colaboradores. O clima da Copa de 70 alimentava o entusiasmo dos jovens. O primeiro fardamento foi comprado numa liquidação da extinta Loja do Brondino, na Av. São Paulo ao lado da farmácia do “seo” Herculano Raia.

Camiseta branquinha com uma faixa vermelha diagonal. “Lembrava a seleção do Peru, do craque Cubillas da Copa de 70”, recorda Tetê Viviani, um dos fundadores do Skina.

A euforia durou pouco; na estreia em campo grande, no fim de junho com o Brasil inteiro comemorando o tri-campeonato no México, os meninos da esquina perderam para o experiente Olaria, da Estação Ferroviária, por 4 a 0. Outra decepção: na primeira lavada do uniforme a faixa vermelha desbotou e as camisas ficaram manchadas e ainda não havia números nas costas. O presidente Odilon Ferreira até queria reclamar com o Brondino, mas não foi.

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OUSADIA AO ENCARAR OS GRANDES

Uma boa conversa com o presidente da Associação Atlética Ferroviária, o ferroviário Alencarliense Rodrigues, e o União Skina consegue engrossar o quadro associativo do clube da Estrada de Ferro. “Arrumamos 20 associados e conseguimos a contrapartida de jogar uma vez por semana no campo da Atlética.

O Skina jogava preferencialmente aos domingos de manhã, às 9h, ou à tarde, às 16h dependendo da tabela do Campeonato Amador e do mando de jogo da Atlética. O acordo prosperou e nunca faltou adversário disposto a encarar o Skina no histórico estádio da Atlética”, conta Viviani.

ANDAR DA CARRUAGEM

O atleta Mário Augusto, ex-funcionário da Fábrica da Carimbos Araraquara, se prontificou em confeccionar o distintivo do clube e o volante Beni doou uniforme completo trazido do Rio de Janeiro, pelo patrão Olavo Pereira de Cordis, diretor da Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara. Outro avanço foi a filiação à Liga Araraquarense de Futebol, Federação Paulista de Futebol e Liga de Futebol de Salão.

O UniãoSkina tinha elenco jovem e ousado para enfrentar os grandes clubes da região. A estreia em torneios oficiais ocorreu em 1971, no Estádio Municipal quando empatou com o Grêmio da Polícia Militar no torneio em homenagem ao Jornal O Imparcial. “Participações em amistosos nas fazendas e cidades da região, torneios, campeonato varzeano, dente de leite, juvenil, futsal foram constantes nas décadas de 70 e 80”, completa Tetê Viviani.

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O MARKETING DA ÉPOCA

Com o intuito de arrecadar dinheiro para manter o clube, os diretores promoviam brincadeiras dançantes em salões alugados. As primeiras foram no salão da Atlética, ao lado do campo, depois no Canil na Vila Xavier, Estância Uirapuru, Santana, Gramophone e Nipo Brasileira, na Avenida José Bonifácio e no Internacional de Santa Lúcia. O som exclusivo do Chico Som, da Vila Velosa, era garantia de casa cheia. “Ele foi o DJ pioneiro da cidade. Tocava o baile inteiro só com vinil e poucos equipamentos, mas tinha qualidade musical variada”, afirma Tetê.

Outra fonte de renda que deu para contratar atletas de rivais do amador, no início dos anos 80, eram as sessões de cinema com “filmes pornô” e bingo na sede provisória do clube na Rua Barão do Rio Branco. Os ingressos eram vendidos sigilosamente nos bares da Vila. As exibições dos filmes super8mm adquiridos na Praça da Sé em São Paulo ocorriam no porão da sede. A mesa do projetor tinha fundo falso. Caso houvesse algum contratempo com a polícia, o filme erótico seria trocado por um de aventura sem problemas.  O vigia atento ficava em frente à sede para qualquer eventualidade. Após a exibição do filme, a diretoria promovia rodadas de bingo para reforçar a renda.

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Skina, o campeãoamador de 1983

O comprometimento daqueles meninos com o futebol do bairro era algo fantástico. Em meio aos fatos que se transformaram em lenda, está o criado por Ziza que na decisão, após a cobrança do escanteio, jogou areia no rosto do goleiro Narciso, do Dema. O avante Nivaldo aproveitou para fazer o gol da vitória.

Nem o dilúvio que caiu naquele domingo de dezembro de 1983 intimidou a torcida do UniãoSkina Esporte Clube que em maior número, empurrou o time da Vila Xavier para cima do Dema na final do Amador.

O placar final de 4 a 2, a favor dos skinenses foi comemorado nos bares do “Seo Chico Português e do Torquato”, redutos dos “diabinhos da vila”, batizados assim pelo jornalista esportivo e policial, Dirceu Zampieri ao destacar as camisas e meias vermelhas ostentadas pelo UniãoSkina.

No caminho para a decisão, o Skina venceu na semifinal o Carmo nas cobranças de pênaltis (4 a 3) após o empate em 1 a 1 no tempo normal e na prorrogação.

Com muita dificuldade também na outra semifinal, o Dema venceu o Alvorada (campeão de 1982) na prorrogação por 2 a 1.

Técnico do time campeão, Sérgio Onofre lembra dos jogos disputados na época e destaca o entrosamento do time. “A nossa equipe era muito boa. Entendia que cada jogo era uma decisão e todos tinham que jogar. Sempre obedeciam ao esquema tático”.

Apesar do grande triunfo sobre o Dema, Onofre destaca a campanha feita pelo Skina durante o campeonato de 1983. “A semifinal contra o Carmo foi marcante. Coloquei o Ziza no segundo tempo para segurar a bola. Era aquele jogador enjoado, que mexia com a moral do adversário. Lembro dele ter tomado um cartão amarelo de tanto fazer “cera”, mas continuou jogando a mesma coisa e falando um monte de coisas no ouvido dos zagueiros”, relembra o ex-técnico.

Personagem folclórico da equipe, José Carlos Anselmo da Costa, o popular Ziza, nunca teve pretensão em ser jogador. Sua paixão era a natação, mas após um acidente de um amigo nas piscinas da Ferroviária nos anos 70, optou pelo futebol para seguir praticando um esporte. “Minha carreira foi inteira no Skina. Quando formaram o time, eram jogadores jovens e eu estava lá no meio. Era um time para vencer e não perder. Enfrentamos os melhores da cidades e nos sagramos campeões”, detalha o ex-atacante.

Ziza foi um daqueles jogadores malandros, pronto para azucrinar a vida do adversário. E é claro que ele aprontou uma das suas numa final. “O jogo estava 0x0. Eu estava com a bola e parti em direção ao zagueiro. Ele deu um encontrão em mim, a bola foi para escanteio e eu fui para o alambrado (risos). Na cobrança, antes do goleiro Narciso sair do gol, me abaixei, peguei um punhado de terra que havia no campo e joguei em seu rosto. Ele ficou perdido e o Nivaldo subiu de cabeça para marcar o gol”.

Apesar da malandragem, Ziza sempre cumpriu a vida com simplicidade. Hoje, o filho da dona Zulmira, trabalha como pintor letrista. Em 2010 foi homenageado com o Prêmio Zumbi dos Palmares, organizado pela Câmara. Além disso, organiza as Festas das Crianças em creches, reunindo cerca de 400 crianças. “O que mais sinto falta é do respeito que as pessoas deveriam ter uma com as outras. O mundo está perdido e infelizmente temos que ver isso. O apoio da minha esposa (Fátima) e dos meus três filhos são essências para a minha vida”, conta o mestre Ziza.

PATRIMÔNIO

Com bailes, cinema, bingos e outras atividades, o Skina comprou 8 mil m² de terra na Chácara Flora. Em seguida, a diretoria conseguiu uma cessão em comodato de 10 mil m² de área atrás do Tiro de Guerra, na Vila Xavier. O autor da propositura foi o prefeito Waldemar De Santi e o prazo de duração de 20 anos, mas a Câmara só aprovou este prazo após muitos embates políticos. O vereador Rubens Bellardi Ferreira, defensor do UniãoSkina, chamou companheiros da Câmara Municipal de traidores e teve até sessão suspensa por falta de segurança.

As terras da Chácara Flora foram vendidas e os recursos aplicados na nova sede da Rua Bahia, ao lado das torres de televisão. Atualmente, o imóvel está de posse da Associação Cultural Amigos Afrodescendentes de Araraquara e Região.

Mas a vizinhança que sempre conviveu com “os meninos do Skina”, ainda hoje relembra com carinho das façanhas do grupo: “Nunca mais teremos a alegria de conviver com gente tão simples e que nos deu tantas alegrias”.

Quem ajudou a escrevera história do União Skina

O futebol amador ficou na saudade. Nem sombra do que era no passado. Em nome do progresso acabaram com a várzea, extinguiram os campeonatos de categorias inferiores. O que resta é só para manter a aparência.

Hoje, o Skina continua. Não da mesma forma que os amantes do futebol amador gostariam, mas trabalha com as categorias mirim, infantil e juvenil. Quem tem essa árdua missão no clube, é Edmilson Palason, que já foi presidente entre 94 e 95.

“Como técnico e representante do Skina, procuro preparar os jovens para que possam ter uma opção de futuro através do esporte. Inicialmente, passo para eles que, primeiro vem os estudos e depois o futebol. O esporte também serve para educar a criança com a visão de que ela possa ser alguém na vida”.

As revelações do Skina foram Rogério Seves (ex-AFE e Santos), Leandro Donizete (ex-AFE e Atlético Mineiro) e Tadeu (ex- São Paulo, Palmeiras e Grêmio). A equipe conta com o apoio da Droga Ven para a distribuição de uniformes de jogo e os treinos são realizados no antigo UniãoSkina aos sábados de manhã. Apesar dos esforços, Palason critica a falta de apoio ao esporte nas categorias de base.

“Não conseguimos mais apoio do município. Não temos mais campo para jogar, muito menos um campeonato para as categorias de base. O campeonato de interbairros que é realizado em Araraquara, não chega nem perto do que foi o futebol amador antigamente”, desabafa.

O certo é que o UniãoSkina sempre será lembrado pela forma que foi conduzido: da geração que trouxe uma nova cara ao esporte amador da cidade, com muita ousadia e sem medo de ser feliz.