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Sucesso e tietagem no tempo dos Jungles

Profissionalismo, marketing arrojado e visão de mercado uniram-se à garra e talento de jovens araraquarenses para dar origem àquele que seria o primeiro conjunto instrumental do Estado de São Paulo; fã clube, viagens e muitas conquistas permeiam essa história que começou em 1966 e terminou nove anos depois. Os ex-integrantes Tinho, Tony Pent, Sabaúna e Antonio Carlos Rodrigues dos Santos, Toninho, contam esta trajetória. Com vocês, The Jungles.

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Diversos fãs ao lado do grupo: Carlinhos (o segundo rapaz da esquerda para direita), Edson Schiavinato, Valtinho, Valdir (Pirú) e Tinho e Antonio Carlos Rodrigues dos Santos. O empresário do grupo, José Ignacio Pizani está sentado ao lado do bumbo The Jungles.

Por Matheus Vieira

Estávamos em plena ditadura militar. No Rio de Janeiro, a atriz francesa Brigitte Bardot causava alvoroço por passar o verão no balneário de Búzios. A Seleção Brasileira de Basquetebol Masculino ganhava a medalha de bronze olímpica derrotando Porto Rico na final dos Jogos Olímpicos de Verão do México. Por aqui, 1964, foi um ano marcante para sete rapazes de Araraquara (em torno dos 16 anos), que tinham um sonho em comum: formar um conjunto musical que fosse ao encontro da preferência dos jovens da época, com apresentações que desfilassem alegria e modernidade.

Nascia assim The Jungles, que logo se transformou em fenômeno na cidade, no Estado e também Brasil entre os anos de 1966 e 1975. A ideia da formação partiu de Benedito José Arruda, o Tinho, que convidou alguns amigos apaixonados por guitarras e baterias.

Da esquerda para a direita – Sabaúna, Carlinhos, Jeferson, Tony Pent, Valdir e Tinho

Ao longo de uma década, os araraquarenses foram além dos shows na cidade e região. Tocaram em localidades distantes, apresentaram-se na televisão, gravaram discos, inclusive algumas músicas próprias que fizeram sucesso. Tiveram até fã-clube e foram considerados o primeiro conjunto instrumental do Estado de São Paulo.

“Como todo jovem, jamais imaginei que a ideia daria tão certo. Fomos agradando amigos, depois mais pessoas e logo estávamos viajando para tocar”, conta Tinho. Assim, no palco, estavam Edison Schiavinato- Orêia (bateria), Waldir (guitarra-base), Tinho (guitarra-solo), Tony Pent (vocal), Waltinho (sax-tenor), Jeferson (teclados) e Carlinhos (contrabaixo). O primeiro vocalista, Antonio Carlos Rodrigues dos Santos (o Toninho da Rádio Cultura), passou a
atuar como disk jóquei (algo como uma fusão de comunicador com DJ).

A HISTÓRIA

José Inácio Gennari Pizani, Pedro Rodrigues e Luis Carlos Rodrigues eram os empresários. Tinho também fabricou as primeiras guitarras e baixos. Durante bom tempo desenvolveu amplificadores para o próprio grupo (Phoenix). Mais recentemente (década de 80), passou a produzir equipamentos eletro eletrônicos diversos, em escala industrial.

Formação de 1966: Edison (bateria), Waldir (guitarra-base), Tinho (guitarra-solo), Tony Pent (voz), Waltinho (sax-tenor), Jeferson (teclados) e Carlinhos (contrabaixo)

Os Jungles tiveram várias formações, mas sempre foram liderados por Tinho. Os integrantes Piru e Chico Mano Véio já morreram; Tony Pent, Edison Schiavinato, Valtinho e Jeferson Stringuetti se mudaram de Araraquara. Os demais, Tinho, Toninho, Carlinhos e Sabaúna continuam vivendo na cidade.

“Nunca fizemos um show ruim. Tudo era muito profissional. Acompanhávamos o que de melhor era feito no País. Tenho muito orgulho de ter participado desta história linda. Hoje a música está deteriorada, desgastada. Nós vivemos intensamente cada momento”, comenta Sabaúna que deixou Os Intocáveis para substituir Edison Schiavinato (Orêia), antecedendo o outro baterista, Chico Mano Véio.

OS PRIMEIROS PASSOS

Flávio Cabau

No início de tudo, uma grande figura foi importante: Flávio Cabau, falecido em 2011. Também jovem araraquarense, Cabau vislumbrou um potencial imenso nos músicos, incentivando-os a mergulhar de vez no meio musical.

“Numa tarde qualquer de 1964, eu e os colegas fomos visitar um pessoal que estava ensaiando nos fundos de uma casa na Vila Ferroviária. Lá fiquei conhecendo o Tinho, o Piru, Toninho Lorenzetti e fiquei empolgado com a performance do grupo e o carisma que eles transmitiam; acho que fui o primeiro fã”, contou certa vez, em entrevista.

Depois de conhecer o pessoal, Cabau levantou a possibilidade de uma apresentação em sua casa, pois todo domingo era dia de uma brincadeira dançante. Os meninos aceitaram prontamente o convite. Porém, havia um problema: a falta de aparelhagem para uma boa exibição.

O evento não podia ser cancelado pois tudo estava organizado: até os comes e bebes estavam prontos. A solução: emprestar de amigos. Cabau também disponibilizou seu amplificador Delta e as caixas acústicas, que já eram usados para animar as brincadeiras. “Tudo deu certo, a casa lotada e um sentimento ótimo. O grupo virou uma febre e na mesma noite, já recebeu convite par animar uma noite dançante no São Geraldo, na casa do meu amigo Otávio. A terceira apresentação foi no prédio do Lia, hoje Gran Hotel Morada do Sol. Daí pra frente, a carreira da banda deslanchou” afirmou Cabal, que por anos foi motorista da Kombi que transportava o grupo.

Toninho e Tony Pent: primeiro e segundo vocalistas dos Jungles

Logo, durante meses a fio, as tardes de sábado aguardavam pelo horário das dezesseis horas, quando se iniciava o programa “Na Onda”, ao vivo, sob o comando de Rubens Brunetti, padrinho do conjunto e então comunicador da Rádio Cultura Araraquara. À época, os ensaios ocorriam  no Clube de Campo do 22 de Agosto, antigo Lago Azul.

Cordão de isolamento era necessário para os integrantes da banda adentrarem às dependências da emissora. O auditório, naquele momento, superlotado; aguardava pelo lado de fora a chegada dos músicos. A gritaria era ensurdecedora na chegada. Durante o programa, balas, doces, bombons e flores eram arremessados ao palco, e ao final ficava repleto desses mimos.

“Tinhamos influência musical inspirada no conjunto ‘Os Incríveis’, mas começamos a criar o nosso estilo. As roupas eram impecavelmente confeccionadas pelo Serginho Milanês, grande alfaiate da época. Todos os bailes de Araraquara requisitavam a nossa presença”, lembra Tony Pent, que hoje mora em Ribeirão Preto.

Autor do livro ‘The Jungles – Um Sonho de Sete Vidas’, Tony Pent era uma celebridade em Araraquara. A semelhança com Roberto Carlos causava efeito. Sua apresentação como cantor do grupo foi, no mínimo, engraçada.  “Na hora do anúncio, eu precisava de um nome artístico. Daí o Toninho perguntou meu nome. Eu lhe disse: Antonio Penteado. Ele falou: você vai se chamar Tony Pent. Eu gostei. Então, ele disse no microfone: Com vocês, o cantor dos Jungles, Toooooony Pennnnnt”, recorda Pent.

E nisso colocaram muita pólvora e o cantor saiu em meio à fumaça. Mas algo deu errado. “A fumaceira começou a sufocar os presentes. As portas foram abertas. Achei que o emprego do Toninho e do Brunetti iam para o vinagre, pois a bagunça chegou na sala do gerente, Marcondes Machado, um homem que em raras vezes vimos dar uma gargalhada.

CRESCENDO

Waldir e Tinho: os guitarristas; na foto seguinte, peça de divulgação

O sucesso na cidade era gigante.  Alguns shows na Nipo chegavam a esgotar os ingressos em 15 minutos. No Salão do Asilo, a lotação ultrapassava as mil e quinhentas pessoas. Na inauguração do Gigantão em 1969, a apresentação reuniu mais de 10 mil. Nesse dia, também tocaram Paulo Sérgio, Martinha e Agnaldo Timóteo.

A primeira oportunidade de aparecer em grande escala veio em 1965, no programa ‘J.R e a Juventude’, do conhecido Julio Rosenberg, transmitido pela TV Tupi, Canal 4, em São Paulo. A viagem foi feita na perua Kombi de Karan Karan. No bagageiro, em cima, iam todos os instrumentos e dentro, todos se apertavam. A viagem foi longa, pois a Kombi era 1200.

“No caminho, Piru comprou no posto Lago Azul um maço de cigarros. Só que ao acender um dentro da Kombi, uma brasa acabou pegando fogo em uma de nossas blusas de frio, feitas de buclê, uma espécie de lã de nylon. No final, perdemos todas. Passamos muito frio”, conta Tony Pent.

O fato é que o programa classificou a banda em 2º lugar, sendo o primeiro colocado ‘Os Acadêmicos’, da capital. Na oportunidade, os Jungles foram consagrados como ‘O primeiro conjunto instrumental do Estado de São Paulo’.

Em 1966, durante o “I Festival de Musica Popular” do Instituto de Educação “Bento de Abreu” (IEBA), em Araraquara, os Jungles ficaram em 5º lugar. O primeiro colocado foi o The Condor Boys. A abertura do evento foi feita pela Banda Infanto Juvenil de Araraquara, regida pelo maestro Olavio Fellippe. Também participaram Balanço 3, Os Intocáveis, The Snakes, Os Besouros e Bola Branca.

“Como prêmios seriam distribuídas medalhas, gentilmente cedidas pelo comércio da cidade. Apresentaram o festival: Oswaldo Romio Zaniolo e Cinira Azevedo Vasconcelos. Os conjuntos foram julgados pelas autoridades no assunto: Profª Tereza Abritta (Professora de Música), Rubens Brunetti (Rádio Cultura), Adilson João Tellaroli (Rádio A Voz da Araraquarense), Antonio Carlos Rodrigues dos Santos (Rádio Cultura) e José Luiz Carcel (Rádio A Voz)”, diz o pesquisador Márcio Balducci.

O repertório era gigante, reunindo material para um baile de mais de cinco horas. “Além das autorais ‘Soninha’ e ‘Czardas’, o show tinha de Roberto Carlos  a Alice Cooper. De Tom Jones a Sergio Reis. Da Jovem Guarda, não deixávamos passar ninguém”, lembra Sabaúna.

COMPACTO E LP

Capa do LP, registro que reunia parte do vasto repertório da banda; O conjunto The Jungles lançou seu primeiro disco, com as músicas ‘Soninha’, de Tony Pent e ‘Czardas’, de Victorio Monti

Antes de gravarem o compacto e o LP, os Jungles preservaram algumas de suas execuções nos estúdios da Rádio Cultura Araraquara. Sob direção e produção de Toninho Rodrigues dos Santos, gravaram em acetato de celulose (mídia da época, em que se gravavam “jingles” e comerciais) números que foram dispersos e se perderam em mãos de fãs e admiradores.

Em outubro de 1968, o cantor Paulo Sérgio foi trazido pelos jornalistas Ivan Roberto Peroni e Wagner Bellini para um show no Asilo de Mendicidade e os Jungles acompanharam o cantor que disputava as paradas com Roberto Carlos. O sucesso foi enorme e a partir daí  os convidou para acompanhá-lo num show em Catanduva. Como não poderia deixar de acontecer, os meninos ‘abafaram’ e fizeram muitos outros shows em companhia do artista, que estava no auge de sua carreira.

Em 16 de março de 1968, os Jungles lançavam em São Paulo, pela gravadora Leão Disc Gravações e Promoções Artísticas, o primeiro compacto, com as músicas “Soninha”, de Tony Pent e “Czardas”, de Victorio Monti.

O texto da contracapa, transcrito a seguir, é de José Inácio Gennari Pizani, um dos empresários do conjunto. “Servimo-nos desta contracapa para enviar a todos os programadores, discotecários e disk-jockeys de todas as emissoras brasileiras, o nosso melhor agradecimento pela colaboração, que temos a certeza que iremos receber na divulgação de nosso primeiro disco”.

Agora, com o entusiasmo decorrente das primeiras vitórias, com aparelhamentos mais aperfeiçoados e arranjos mais cuidadosos, Os Jungles entregaram ao público o seu primeiro LP. Os êxitos ultrapassavam fronteiras, surgindo inúmeros convites para temporadas. Um ano depois, o jovem estudante Antonio Carlos Paravani, presidente da comissão de formatura do 3º ano do curso Normal do EEBA – Escola Estadual Bento de Abreu de Araraquara -, contratou o grupo  para se apresentar em todos os finais de semana no salão de festas do Asilo de Mendicidade que, naquela época era muito requisitado para as grandes realizações de brincadeiras dançantes.

“O sucesso do grupo era tão grande que, além de proporcionar uma ótima arrecadação para os futuros formandos, fez também com que os araraquarenses  tivessem garantido o faturamento de 1968”, comenta Toninho.

“Em Araraquara, tocávamos a semana toda. Tínhamos acabado de gravar o primeiro LP com parte do nosso repertório. Havia shows que saíamos acompanhados pela polícia tamanho o assédio. Viajamos o Brasil todo e chegamos a tocar na Bolívia. Éramos jovens, mas fizemos nosso trabalho”, finaliza Sabaúna.

“Vivíamos apenas da banda. E vivíamos bem. À época, tudo chegava atrasado no Brasil e seguíamos uma tendência atual para aquele tempo. Quando chegávamos em algum lugar, a novidade era sempre grande”, arremata Tinho.

Um fato que merece registro pela importância à preservação da memória dos Jungles, foi o Baile de Debutantes na cidade de Assis, nos anos 70. Entre os presentes, um médico, apreciador da boa música, possuía o hábito de gravar os conjuntos que se apresentavam naquele clube.

Logo ao início do baile, empolgado com a qualidade musical dos Jungles, retorna à sua residência para buscar o equipamento de gravação, um gravador de rolo, estereofônico. Ele então monta o equipamento no palco, instalando um dos microfones sob a bateria e o outro, em frente a uma das caixas de som, enquanto o conjunto executava já a segunda seleção.

“Para nossa surpresa e gratidão, alguns dias depois, recebíamos, pelas mãos do empresário, Pedro Rodrigues, uma cópia daquela gravação, que remasterizada, tornamos pública”, diz Tony Pent.

Periodicamente, os Jungles se apresentavam, gratuitamente, para os pacientes do Hospital Nestor Goulart Reis (Centro de Referência de Moléstias Infecciosas do Interior).  Mas, não apenas os Jungles se apresentaram para os pacientes. O próprio Paulo Sérgio, Nilton César e Evaldo Braga cantaram no hospital a pedido do diretor Francisco Galluci e do senhor Domingos Peroni, funcionário do Sanatório e pai do jornalista Ivan Roberto que, com Wagner Bellini, traziam os shows para nossa cidade.

LEGADO ETERNO

Apresentação no Teatro Municipal para quem curtiu um dos fenômenos musicais de Araraquara

Segundo Sabaúna, o fim dos Jungles foi algo natural, Algo como uma missão cumprida. Assim, chegou uma hora que cada jovem resolveu seguir seu caminho, mesmo com o conjunto ainda vivendo um ótimo momento.  “A saída do Jeferson, um dos pilares do grupo, foi perda irreparável. Alguns, como Carlinhos e eu, seguimos na música. Outros tomaram rumos diferentes”, conta Sabaúna, um dos mais brilhantes músicos da cidade.

A chegada da discoteca, na década de 70, também foi significativa. “Chegamos ao auge como uma banda de baile. Para sair daquela situação, deveríamos nos mudar para o São Paulo. Teve um empresário que até sugeriu três novos nomes para o grupo: ‘Casa das Máquinas’, ‘Urso Maior’ e ‘Placa Luminosa’. Não encaramos esta mudança”, afirma Tinho.

“A estória dos Jungles é também um pouco a história de Araraquara e daquele momento. Um grupo de rapazes que descobrem a guitarra elétrica, formam um conjunto e escrevem uma estória incrível, conquistando prêmios e o reconhecimento pelo profissionalismo e qualidade do trabalho que apresentavam nos estados do sudeste do país”, afirma Beto Caloni, roteirista do material.

Recentemente, a banda paulistana Churrasco Elétrico, que conta com os araraquarenses Lucas Gorla e Fábio Farello, gravou para o site PopLoad a versão dos Jungles para ‘Vai Mal Tudo’. “Temos um apreço especial pela banda que nos anos 60 participou de toda essa cena de maneira honrosa e foi consagrada como o primeiro conjunto instrumental do Estado de São Paulo”, diz Farello. A música pode ser encontrada no You Tube.

Da esquerda para a direita : Jeferson, Tinho, Sabaúna, Tony Pent, Valtinho e Carlinhos

Em dezembro de 2012, o Teatro Municipal viveu a reunião de Tony Pent, Valtinho, Carlinhos, Jeferson, Sabaúna e Tinho, que tocaram ao fim da apresentação do documentário “O Fenômeno Musical The Jungles – O Tempo Passou e Não Vimos”, produzido por Beto Caloni e Coca Ferraz.