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Vamos dançar ao som do conjunto musical Spectro 4.

À época, a banda tinha como grande diferencial o intenso trabalho vocal, comandado pelo cantor Enrico Caruso; juntos, os meninos que se conheceram no IEBA, animavam Araraquara em performances de quinta à segunda feira entre os anos de 1967 e 1971.

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Em quermesse na Barraca da Igreja Nossa Senhora das Graças, na Fonte Luminosa em 1969: Enrico Caruso, Abegar, Beto, Marcio Caruso, Márcio Balducci e Francisco

Por Matheus Vieira

Berço da civilização ocidental e uma superpotência cultural, a Itália pode, sim, abrigar o embrião de um dos conjuntos araraquarenses que animou muitas brincadeiras dançantes regadas à Cuba Libre na cidade e região entre 1967 e 1971.

Mas como? Foi da velha bota que descendentes da família Caruso cruzaram o oceano Atlântico rumo ao Brasil no fim do século XIX. E um dos descendentes dessa turma é o responsável pelo início da nossa história: Waldemar Caruso.

Cantor de ópera, ele fazia da música uma constante em sua casa, influenciando diretamente os filhos Enrico e Márcio, vocalista e guitarrista, que em 1967, ainda com a maioridade recentemente completa, resolveram montar seu primeiro conjunto musical.

O primeiro ensaio: Abegar, Enrico, Márcio e Alexandre Leão

Para a empreitada, chamaram o amigo baterista Abegar e outro guitarrista, Alexandre Leão. Enrico Caruso também acumulou a função de baixista. Nascia assim o conjunto musical Spectro 4 (originalmente Espectro 4, em português, ganhando, depois, adaptação para o inglês), essencialmente formada, nos seus primórdios, por alunos do chamado Instituto de Educação Bento de Abreu, o IEBA.

Diferentemente dos outros grupos de sucesso na época, como The Condor Boys e The Jungles, o Spectro 4, desde seu início, tinha um trabalho essencialmente vocal, com a parte instrumental em segundo plano. Todos cantavam, porém o talento de Enrico se sobressaia, não apenas dentro do conjunto, como perante aos outros vocalistas da época.

Ao todo, a Spectro 4 teve três formações. Fora os citados irmãos Enrico e Marcio Caruso, Abegar e Alexandre Leão, também somaram seus talentos Márcio Balducci (baixo), Francisco (teclado ex-Bruxos), Sérgio Sanches (guitarra), Pico (bateria) e Luis Alberto Fernandes – Beto (guitarra). Outra figura importante na trajetória do grupo foi Alceu Patrício de Almeida Santos, atuante como empresário.

O baixista Márcio Balducci, que veio da Condor Boys, ao lado do empresário Alceu Patrício

De todos, apenas Abegar faleceu. Francisco e Pico moram em Santos; Alexandre Leão em Florianópolis. Márcio Balducci vive em São José do Rio Preto. Pico é médico em Santos. Em nossa cidade, ficaram Luis Alberto, Sérgio Sanches, Marcio Caruso, Alceu Patrício e Enrico Caruso, estes dois últimos os principais responsáveis pela manutenção das lembranças da Spectro 4.

“Acima de tudo éramos amigos. Não vivíamos da banda, como muitos na época, então tudo era mais tranquilo conosco. Fazíamos shows realmente por diversão”. Assim, Enrico Caruso resume a pouca troca de formações no grupo, fato não tão comum para os conjuntos da cidade, que mudavam muitos membros por motivos diversos, de cunho pessoal e profissional.

A última formação da Spectro 4: Marcio, Enrico, Carlos, Francisco, Pico e Sérgio Sanches. Na foto ao lado os irmãos Caruso, Enrico e Márcio

INÍCIO FOI NA GARAGEM

Os primeiros ensaios (e boa parte deles) da Spectro 4 ocorriam na casa de Enrico e Marcio Caruzo, à época na Rua Zero. Todos os instrumentos pertenciam aos dois, presente do pai Waldemar. “Ele foi a São Paulo e voltou com tudo pronto”, lembra Enrico em tons saudosistas.

Estávamos no fim de 1967 e chegava a hora da primeira apresentação, marcada para um ano depois em um festival no salão de festas da Santa Cruz. A ansiedade tomava conta dos jovens, mas o sucesso obtido por Márcio, Alexandre, Abegar e Enrico foi intenso, com destaque para o último, premiado como melhor cantor da noite após interpretar o clássico L’amore, tema do filme italiano de Roberto Rossellini. Inclusive, a execução de músicas italianas era um dos pontos altos dos shows. Românticas, elas embalavam os casais e impulsionavam paqueras durante os bailes. “Também tocávamos rock nacional e internacional. Era um show bem completo. Duas músicas autorais fechavam o pacote: ‘LSD (Longe sem distância) e Pecato’, mas eram pouco executadas”, lembra Enrico.

Baile da Rainha, no Clube do Palmeirinhas, com transmissão ao vivo da Rádio Cultura de Araraquara. No comando e falando ao microfone, o jornalista Wagner Bellini

Assim, a fama da Spectro 4 começa a crescer e os convites também. Dentro dessa nova realidade surge uma figura importante: Alceu Patrício, amigo próximo dos músicos que passou a atuar como empresário. “A procura pelas apresentações já era intensa, então eu comecei a ajudá- los de alguma forma. Usávamos vestimentas especiais, que brilhavam no escuro. O sucesso com as garotas também era grande”, lembra Alceu.

AGENDA CHEIA E MUITA RIVALIDADE NO CAMINHO

Sérgio Sanches, um dos grandes astros do Conjunto Spectro 4, que até hoje é lembrado pelos quarentões

Segundo Enrico Caruso, as brincadeiras com ênfase comercial, além de bailes e noites nos clubes da cidade passaram a invadir a rotina da Spectro 4 de quinta a segunda-feira. Comum na época, o lado filantrópico também não foi esquecido, com apresentações no Asilo de Mendicidade (Avenida D. Pedro II, próximo ao Clube Araraquarense) e até uma participação no movimento “Santas Missões”, tocando nas igrejas durante a primeira missa do dia, às 6 horas. “Os anos de 1968 e 1969 foram insanos”, completa Alceu Patrício.

Em 1968, venceram o 1º Festival da Canção do IEBA com a música ‘Nosso último momento’, de autoria de Márcio Caruso. Apresentações pela região também preenchiam o cardápio, com performances por Matão, Rincão, Taquaritinga e Tupã, sendo essas duas últimas detentoras de duas boas histórias. A primeira delas fica por conta de uma briga com uma banda de Taquaritinga, que ao saber que o tecladista Francisco não gostava de ser chamado de Chiquinho, ficou a noite toda tirando o sarro do araraquarense, que não levou pra casa desaforo, saindo na mão com o pessoal.

A outra passagem, em Tupã, tem contornos mais tranquilos. Lá, o grupo participou, em maio de 1969, de um famoso encontro intitulado “4ª Briga dos Brasas”.

“Nossos músicos ficaram com a medalha de bronze, ganhando como prêmio um baixo Giannini Apollo, instrumento de primeira linha para aquele tempo. Não tivemos melhor classificação devido à música escolhida para apresentação na fase final ter sido ‘2001’, grande sucesso dos Mutantes. Ela não era conhecida na região. Tempos depois, através de cartas de amizades feitas na ocasião, soubemos  que as rádios, a partir da Briga dos Brasas, passaram a executar essa música”, conta Marcio Balducci.

Márcio Caruso e Marcio Balducci, relembram com carinho os bons momentos da banda

Por aqui, certa vez, na Escola Industrial, um episódio com os Jungles chamou atenção. Na ocasião, ambas as bandas foram contratadas para animar a mesma festa. “Isso era até comum, mas a estrutura deles era maior e, obviamente, tinham mais fãs que a gente. Nesse dia, o baile ficou dividido, com o pessoal que gostava de cada grupo em cada lado. Mas sem confusões e nada do tipo. Era saudável e divertido. O pessoal até brincava que o Tony Pent – vocal dos Jungles – e eu éramos concorrentes. No fim, todos eram amigos. E ainda somos”, descreve Enrico.

NO FIM O MESMO RUMO

Assim como relatamos em episódios anteriores desta série em bandas como The Condor Boys e The Jungles, o desfecho da Spectro 4 caminhou rumo ao mesmo horizonte: os jovens procurando outras profissões e, com isso, se afastando da música.

Dos meninos, estão na música: Francisco comandando a “Holliday”, uma grande banda de bailes e Sérgio Sanches que acabou sendo um dos fundadores, inclusive, da banda The Beatles Again. Márcio Balducci também se arriscou, mas deixou a arte para estudar Administração, tornando-se também professor e executivo de estatal de energia elétrica. Mas e os fundadores, os irmãos Caruso? Márcio, um exímio guitarrista, deixou o instrumento de lado se dedicando à medicina veterinária.

Porém, seu irmão, Enrico, foi num caminho um pouco diferente. Mesmo se formando em Direito e atuando como advogado, ele jamais deixou os palcos.

Com os outros, o contato foi perdido no decorrer dos anos. Atualmente, Enrico Caruso participa do Musicale Noi Due, animando festas com seu tradicional repertório de música italiana. Também gravou dois discos – ‘Último Romântico’ e ‘Pecato’. “A arte está no meu sangue e não tem como deixá-la de lado. Vou cantar até meus últimos dias”, finaliza o artista.

Com os recortes das publicações feitas pela imprensa local na época, as lembranças de Enrico Caruso e Alceu Patrício de Almeida Santos, que se transformou em um dos mais brilhantes jornalistas da cidade