Por Matheus Vieira
Nascia ali o Condor Boys, grupo musical que agitou nossa cidade até 1968. Na bagagem, medalha de ouro em concurso no IEBA, aparições na tv e muita saudade. O fundador Márcio Balducci e um dos bateristas da banda, Beto Placco, contam esta romântica história.
O que é um Condor? Simples. Pássaro de grande porte encontrado ao longo de toda a Cordilheira dos Andes e famoso por sua imponência alvinegra, o condor veio a ser, incidentalmente, o sobrenome de um grupo musical formado por amigos araraquarenses fãs de nomes como The Shadows, The Ventures, Incríveis, The Jordans, The Jet Blacks e também da Jovem Guarda: refiro-me a The Condor Boys.
Estávamos em 1966. O embrião de todo o projeto transita por algumas ruas do bairro do São José, mais precisamente no perímetro que envolve a Avenida Sete de Setembro com a Djalma Dutra, Rua Voluntários da Pátria e Padre Duarte.
Foi neste espaço que Moacir Begotti Malheiros (Moa) mostrou seu violão preto para o vizinho Luiz Alberto Fernandes (Beto), que também arriscava alguns acordes. À dupla, juntou-se Márcio Balducci, baixista. Formava-se assim a espinha dorsal que viria a sustentar a Condor Boys até seu desfecho, em 1968.
Para completar o time, foi chamado José Tescari Neto para a bateria. Porém, os tambores sempre foram um problema para a banda, que também contou com Glenn Miller (homenagem do pai ao ilustre músico Glenn Miller), Paulo Rossi, Marcos Totó e Beto Placco. O guitarrista Plácido Zocco também fez parte da trupe, unindo-se a ela após o primeiro show, também em 1966. Beto Placco, único ativo na música após o fim da The Condor Boys, assim como Beto Fernandes, moram em Araraquara. Marcio Balducci reside em São José do Rio Preto.
Moacir Begotti Malheiros vive (possivelmente) na Baixada Santista, mas sem comunicação há décadas. Paulo Rossi, Glenn Miller, Marcos Totó e Plácido Zocco já faleceram.
“Logo que migramos para as guitarras, começamos a animar palcos e festas, sempre felizes em uma época bacana. Foram momentos de alegria, desafios, belas amizades e muitas saudades. Foi um sonho; uma realização; um hobby divertido e até rentável”, lembra Márcio Balducci, que deixou a música, após passagem pelo Spetro4, para se formar em administração, trabalhando como bancário, professor universitário, vindo a se aposentar na Eletrobras.
VAMOS TOCAR
Para a ‘felicidade dos vizinhos’, o Conjunto Condor Boys começou a ensaiar na casa do Márcio Balducci, que ficava na Rua Voluntários da Pátria, entre a Sete de Setembro e Djalma Dutra. Os meninos estavam ansiosos para a primeira apresentação, marcada para o dia 8 de janeiro de 1966: uma festa de 15 anos. A debutante era a namorada do guitarrista Moacir. A festa foi até notícia no jornal O Imparcial.
“A primeira bateria que usamos foi comprada do ‘Oreia’ (Edson Geraldo Schiavinato – The Jungles). Até aí nada de mais. Difícil foi pagar por ela. Sorte dele que apareceu um ‘salvador da pátria’ (Dr. Osmar d’Azevedo Cruz) que nos emprestou dinheiro para quitar a dívida”, conta Balducci.
Mesmo com as dificuldades estruturais e usando equipamentos e instrumentos emprestados pelos The Jungles e Marco Placco, a performance foi um sucesso. Com isso, a notícia foi correndo a cidade. Sim, a Condor Boys começava a ficar conhecida em Araraquara. Logo, os convites passaram a pipocar.
A primeira brincadeira animada pelos Condor Boys foi no Clube dos Bancários. Emprestaram outro baterista, Glenn Miller, com bateria e tudo. Na volta, trouxeram os instrumentos na mão. Como o repertório era somente instrumental e restrito, tocavam todas as músicas por um longo tempo. Cada melodia durava de 7 a 9 minutos. “Foi um martírio, mas o pessoal adorou o grupo. Pudera, tinha um monte de amigos presentes”, brinca Balducci.
O show era recheado com tradicionais músicas de baile, versadas dos temas das big bands de Ray Connif, Bert Campfert e Billy Vaughn. Também havia composições do The Shadows; Ventures; Os Incríveis; The Jordans; The Rebbels; The Animals; The Jet Black, além de Roberto Carlos, Vips, Erasmo Carlos, Vanderléia e a turma da Jovem Guarda.
“A Condor Boys era requisitada para festas familiares e eventos dançantes. Éramos jovens, bonitos, bem trajados e namorados de meninas das melhores escolas da cidade. O pior castigo para os conjuntos que animavam brincadeiras era, ao final da promoção, receber dos promotores a notícia de que não havia dado lucro”, conta.
Beto Placco, que entrou no grupo após meses de sua fundação, nos conta que a Condor Boys tinha uma linha de trabalho bem definida, porém ele foi o responsável por um detalhe importante: as primeiras inserções de vocais em algumas canções.
“O grupo era instrumental. Havia muitos conjuntos assim e começar a cantar seria um diferencial. Assim, comecei a arriscar algumas músicas. Esse não era o foco principal, mas a Jovem Guarda com voz passou a integrar nosso repertório”, lembra.
CRESCENDO
Em 2 de julho 1966, vem a consagração do grupo diante dos araraquarenses: o 1º lugar no “I Festival de Musica Popular” do Instituto de Educação “Bento de Abreu” (IEBA). Com apresentação de Oswaldo Romio Zaniolo e Cinira Azevedo Vasconcelos, o evento tinha como jurados Profª Tereza Abritta (Professora de Música), Rubens Brunetti, Adilson João Tellaroli (radialistas), Antonio Carlos Rodrigues dos Santos (disk joquei) e José Luiz Carcél (radialista e jornalista). Também participaram The Jungles, Balanço 3, Os Intocáveis, The Snakes, Os Besouros e Bola Branca.
O vencedor também faria uma ponta num programa jovem da Televisão Tupi Canal 4, gerado na cidade de São Paulo. E foi pra lá que a Condor Boys rumou. Mas tudo isso só foi possível mediante os esforços de Osmar de Azevedo Cruz (funcionário da Delegacia Regional do Imposto de Renda) e do jornalista João Evangelista Ferraz.
Com isso, os araraquarenses conseguiram espaço no programa do renomado apresentador Julio Rosemberg. A apresentação ocorreu em 24 de julho de 1966. A viagem Araraquara – São Paulo foi feita em veículo DKV de propriedade de Osmar, que transportou parte dos instrumentos e dois componentes. Os demais foram de ônibus, levando partes da bateria.
Logo pela manhã, estavam todos uniformizados, à frente da TV Tupi. Outros conjuntos foram chegando, com seus instrumentos e algumas novidades, ainda não vistas no interior. Chamado por Julio Rosemberg, os Condor Boys atacaram de “My Blue Heaven”, um rock instrumental que tinha a segunda parte em ritmo acelerado e contagiante.
Uma equipe do cine jornal “O Mundo em Notícias” registrou o programa, fazendo cenas gerais e tomadas de foco com os garotos em ação.
As imagens foram incluídas numa edição do jornal cinematográfico, que correu os cinemas do País.
“Foi um sucesso e uma aprendizagem para todos. Os grupos da capital estavam à frente em equipamentos, instrumentos e principalmente técnicas de execução. Não éramos os mais simples, mas, honrosamente, estávamos em um nível intermediário”, analisa Márcio Balducci.
Após a realização do Programa Julio Rosemberg, enquanto guardavam os instrumentos e trocavam algumas palavras com integrantes de outros grupos, os araraquarenses foram interrompidos para que remontassem tudo e ficassem preparados, pois iriam participar, em seguida, do Club Papai Noel, gerado pela TV Cultura (Canal 2) e apresentado pelo então deputado Homero Silva.
“Foi uma ótima exibição, muito mais solta. Alguns grupos ficaram assistindo ao programa da TV Cultura e, ao final, vieram falar conosco com palavras de incentivos, perguntando origem, tempo de formação, etc. Tivemos a oportunidade. E aproveitamos”, relata Balducci.
Outro marco na história do grupo ocorreu em abril de 1967, em Marília. Lá, a Condor Boys ficou em 3º lugar no 1º Festival do Yé..Yé…Yé. Um detalhe a se lembrar é que, com certa frequência, os grupos de Araraquara atendiam a promoções beneficentes.
A Condor Boys proporcionou, em 23 de agosto de 1966, no Cine Odeon (depois Veneza), uma noite ao lado de nomes da cidade e região em um show beneficente ao Lar “Nosso Ninho Terezinha Maria Auxiliadora”.
Balducci conta que “Não só a Condor Boys, como outros grupos, não negavam, também, apresentações para os internos do Hospital Nestor Goulart Reis, que cuidava de portadores de doenças do aparelho respiratório”.
NOVA REALIDADE
Para os componentes, a banda era um hobby, uma diversão sadia e fonte de sucesso com as meninas. Animaram muitos aniversários, tiveram um público cativo e eram presença constante nas brincadeiras dançantes promovidas por comissões de formatura, normalmente dos cursos nível ginasial e médio.
Porém, no início de 1968, os músicos chegaram a conclusão que os objetivos pessoais estavam em desarmonia.
Assim, Beto Fernandes e Márcio Balducci abandonaram os sons e dedicaram-se a outras áreas. Beto Placco direcionou energias para uma formação com estilo mais moderno e execuções vocais, tendência da época. “As músicas cantadas tornavam as reuniões mais animadas. Para atender as mudanças seria necessário investir em equipamentos e recursos. A maioria do conjunto tinha como objetivo a formação educacional em nível superior e a profissionalização fora da arte. E assim foi feito”, relata Balducci.
Um dos últimos bailes que foi animado pelo Condor Boys foi na cidade de Guarapiranga. O transporte dos instrumentos foi feito em dois ‘Fordinhos 29’, ambos sem capotas. Então, na ida, tudo bem, tinha até sol.
Mas na volta, a madrugada não poupou todos de uma bela neblina acompanhada de um vento frio e muita poeira. Gripe geral. E o condor sumiu no horizonte, deixando muitas saudades.