Quem não conhecia o seu Aparício da Kibelanche? Todo mundo. E quem não conhecia, pelos menos já tinha ouvido falar. Na verdade, o nome dele era Apparecido Dahab, filho único de Tufik Dahab e Bassma Dahab, nascido somente nove anos após o casamento. Sua mãe tinha feito uma promessa a Nossa Senhora Aparecida para engravidar e quando aconteceu, tinha certeza que seria uma menina e, claro, se chamaria Aparecida. Como nasceu um menino, ela só mudou o ‘a’ para ‘o’. “Agora, se me perguntar por que sou chamado de Aparício, eu também não sei. Todo mundo começou a me chamar assim e parece que pegou. Só minha mãe sempre me chamou de Apparecido”, afirmou, sorrindo em janeiro de 2008, aos amigos.
Apparecido Dahab nasceu no bairro do Brás, em São Paulo, no dia 2 de novembro de 1930. Depois, mudou-se com a família para a Rua 25 de Março. Posteriormente, o pai Tufik Dahab levou a esposa e o filho para Rio Preto. E ele Aparício, gostava de lembrar: “Meu pai já era comerciante, como todo árabe. Começou a negociar ou, como se dizia, mascateava. E o campo de trabalho para os mascates era melhor no interior do que na capital”, contava. Lá, ficaram dois anos.
Em 1941, vieram para Araraquara. “Porque toda a família da minha mãe e a do meu pai morava na cidade”, relembrava. Aqui chegando, Tufik Dahab alugou exatamente o prédio da Kibelanche. De acordo com Aparício, eram seis portas de madeira. O pai ocupou três delas com a Feira das Meias e as outras foram alugadas para uma empresa. Havia uma extensão muito grande atrás das lojas e a família morava nos fundos. A Feira das Meias ficava num local privilegiado na época, em frente ao Clube 27 de Outubro, com todo o comércio ao redor.
Aparício Dahab começou a trabalhar aos 13 anos com um tio chamado Demétrio, que também imigrara do Líbano, na Casa Nenê, uma casa de armarinhos que vendia rendas, meadas de linha, botões e muitos produtos infantis. “Ele foi uma escola para mim”, afirmava orgulhoso ao falar de Demétrio.
Depois de alguns anos na loja, foi chamado para trabalhar no extinto Banco Paulista do Comércio. Começou como office-boy e trabalhou até chegar a contador, quando resolveu sair e aceitar um convite para trabalhar na Móveis Castelan (móveis e colchões). “Foi uma extensão porque como já era contador, entrei na parte administrativa. Devia ter uns 18 anos, aproximadamente”, relembrava.
Depois da loja de móveis, Aparício com 22 anos, foi trabalhar com a tia Wadia Karan Jabur, irmã de sua mãe e montaram “A Infantil”, loja de artigos infantis. “Eu achei interessante a ideia porque já estava no comércio”, dizia.
Em 1954, Aparício deixou a sociedade com a tia e foi trabalhar com o pai na Feira das Meias porque o negócio estava meio parado. Além das meias, a loja também vendia confecções e calçados, um verdadeiro magazine. “O ramo de calçados era muito ingrato naquela época, porque o governo resolveu carimbar o preço nos sapatos. A inflação era alta. Você vendia fiado e não podia cobrar nada a mais”, explicava.
Com 25 anos, Aparício casou-se com Isabelle Bou Assi Dahab, também de descendência libanesa, em 1956. O casal teve quatro filhos: Ricardo, Carlos Alberto, Renato e Cristina.
A KIBELANCHE
Aproveitando o local em frente o Clube 27 de Outubro, Aparício decidiu montar uma lanchonete, até porque havia carência de uma casa de alimentação na Rua 9 de Julho. “Começaram a me chamar de louco, mas acabei montando. Deixei a loja funcionando de um lado e do outro lado montei a lanchonete. Enquanto isso, liquidava os produtos até encerrar as atividades da loja”, dizia.
Foi uma ousadia que deu certo. A inauguração da Kibelanche aconteceu na véspera do Natal de 1961 e, no ano seguinte, ocorreu o encerramento das atividades da Feira das Meias. A lan- chonete começou como Kibelândia, mas como em São Paulo já havia uma lanchonete com o mesmo nome, Aparício mudou para Kibelanche.
A família inteira foi trabalhar na lanchonete. A luta foi com todo mundo junto. “Minha mãe foi para a cozinha. Meu pai ficava no caixa e meu filho mais velho o ajudava. Trabalhávamos todos e meus filhos cresceram ali. Minha esposa aprendeu com minha mãe e até hoje ela ainda está na cozinha da Kibelanche”, conta. No começo foi uma vida muito sacrificada. Quando tinha baile no Clube 27 trabalhávamos até às 6 horas da manhã e no dia seguinte estávamos abertos para atender o público.
Dentro do comércio de Araraquara Aparício fez de tudo um pouco: teve a única fábrica de flâmulas, que na época estava no apogeu da criação do silkscreen pra montagem; teve uma peixaria e uma empresa de construção de casas; foi dono dos restaurantes Gimba e Barril, foi presidente do Sindicato de Hotéis e Similares, presidente da Associação Comercial, diretor do Sindicato do Comércio Varejista e também Juiz Classista.
Com toda essa história feita de lutas e muito trabalho na cidade, Aparício foi homenageado com o título de Cidadão Araraquarense. Porém, recusou-se a ir receber a homenagem na Câmara, preferindo o seu escritório.“Mas, não pensem que se tratou de desprezo à homenagem. Ao contrário sentiu-se muito honrado, mas a justificativa foi simples: “Não gosto de aparecer, já passei dessa fase”, contou, sorrindo.
E foi com essa humildade que Aparício partiu no dia 26 de janeiro de 2016; acidentado ao descer de uma escada fraturou o fêmur e a bacia. Porém, não suportou a cirurgia, vindo a falecer e levando em sua bagagem uma história que serve de inspiração para muitos.