Fim de tarde de verão, perto das 17 horas, e Zezé chegou defronte sua casa, com aquela ‘lambretinha’ modelo Stander, pronta para a corrida, completamente ‘pelada’ e sem as suas já poucas latarias. Tinha uma cor azul, banco de vinil preto com assento único, escapamento em forma de funil, extremamente barulhenta, produzindo muita fumaça devido à sua rica mistura de gasolina e óleo Castrol R e que ele, buscando regulagem, acelerava desmedidamente.
Eu, que tinha mo máximo 6 ou 7 anos e em um tempo que criança ficar na rua, não representava perigo algum, na companhia de seu pai, Seu Pinante (Lindomar Braghini), que era meu padrinho de crisma, por minha única e exclusiva escolha, assistíamos a todo aquele espetáculo embasbacados.
Aquele barulho me remetia ao famoso DKW nº 10, magistralmente guiado por Marinho Camargo Filho, nas corridas da ‘Avenida 36’. Evidentemente que eu não sabia o porquê, mas já era a magia do motor 2 tempos, que era o propulsor do carro e seu mesmo modelo também para a lambreta. Seu barulho ensandecido, estridente, encantador e, ao mesmo tempo, inebriante.
Escutar aquele som era um balsamo para minha alma, a batida do motor, o cheiro da gasolina impregnada em meu corpo e em meus sonhos. Naquele dia eu queria ser um Zezé, um Gildo Scarpa ou Manolo.
Com a chegada de minha adolescência, mais a convivência nas oficinas, fui ampliando horizontes e ganhando novos sonhos, nascendo daí então novos ídolos: Evaldo Salerno, de quem aprendi a admirar a “tocada” muito técnica e também muito agressiva. Neto era magistral, tinha a capacidade de repetir meticulosamente as curvas de forma absolutamente igual a corrida inteira, sendo técnico e, ao mesmo tempo, determinado. Se comparado a um baile, Salerno conduzia a motocicleta e Neto se apropriava do salão.
Chegar em São Paulo, no Autódromo de Interlagos, foi um divisor de águas na minha vida. Tinha aqui as amizades e a convivência de ambos, acrescida de Baiano Faito (Celso Martinez), Zé Faito, Diogo Martinez, Nego (Adolpho Tedeschi), Pinho (José Manoel do Amaral Sampaio) e Edivilmo. Lá o encontro especial com Eduardo Luzia, que daqui já havia ido embora, Araraquara tinha ficado muito pequena para os seus sonhos: queria mais, queria ser profissional, queria patrocínio, queria equipamentos melhores, queria novas e avançadas tecnologias, queria protagonismo. Particularmente admirava sua coragem, seu desapego com suas raízes. Seu sucesso foi imediato, primeiro ganhou o País correndo pela equipe Banaurea, da cidade de Santos, disputou com expressivos resultados o Campeonato Paulista, o Brasileiro, as Quinhentas Milhas de Interlagos por três ou quatro vezes e em dupla com Neto, as Vinte e Quatro Horas do Brasil e a Taça Centauro que ganhou com muitos méritos, conseguindo respeito e admiração de seus pares.
Eduardo Luzia, diferentemente de Salerno e Victorinho Barbugli, não era um piloto agressivo, seu estilo era técnico, mais parecido com o “jeito” de Neto e Edivilmo Moraes. Fazia sua corrida em uma “tocada” só, sem erros, mantendo regularidade impressionante, também tirando todo o proveito de seu equipamento. Como todo piloto, também era sonhador e fazia verdadeiras loucuras para competir. Uma delas, nas Quinhentas Milhas de 1972, convidou um promissor empresário aqui de Araraquara, e que era proprietário de uma Yamaha R5 350cc, dois cilindros, dois tempos, para ser seu parceiro. Sua participação, com a motocicleta emprestada, foi maravilhosa, quanto ao seu co-piloto inexperiente que era, guardamos a recordação do mesmo ter andado na contramão da pista, confundindo-se na curva da junção, que ao invés de entrar para a esquerda, entrou para a direita, provocando um caos enorme nos treinos. Noutra oportunidade, com o aval de Danilo Gregolin, seu amigo pessoal, no dia da inauguração da Loja Jumbo Eletro, aqui em Araraquara, verdadeira festa para a população, que ali se aglomerava comprou uma Suzuki 380cc, dois tempos zerinha, e, no mesmo dia autorizou José da Penha Moreira a depená-la, ficando pronta para corridas.
Ao fim de sua carreira de piloto, virou um “manager”, preparador de motores espetacular que participou ativamente das carreiras vitoriosas dos pilotos Edimar Ferreira e César Barros, ambos participantes inclusive do Campeonato Mundial de Motocicleta.
Em um dos nossos derradeiros encontros, na oficina dos Faitos, rememoramos estas histórias, demos risadas, gargalhadas sem fim e choramos muito pela felicidade de uma amizade tão bonita e tão verdadeira de pilotos do Moto Clube.
Velhos tempos, belos dias
Texto: Benedito Salvador Carlos (Benê)
Colaboração: Leandro Pardine