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Eu vi o Estrela correndo. Eu vi o tempo nos pés daqueles senhores.

Ele nasceu como Clube Atlético Estrela Vermelha em 1952, sendo na época uma pequena réplica do Estrela Vermelha de Belgrado, um dos clubes mais populares da República da Sérvia, fundado em março de 1945. A partir de 19 de março de 1956, passou a ser Estrela Futebol Clube e por força da simplicidade dos seus diretores e jogadores, tornou-se por inteiro no time do Jardim Primavera.

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A primeira formação do Estrela Futebol Clube em 1953
Na camisa de futebol a estampa de uma estrela

Era 1957. Poucos dias antes do Natal. Nelson Mariottini, o “Nelson Batata” d’A Favorita, chega quase em cima da hora para abrir o “Araraquara Repórter”, um serviço de som na Praça da Matriz. Ele sabia que Araraquara acontecia ali no começo da noite aos domingos com o tradicional footing após o fim da missa. Como locutor do serviço de som e goleiro do Estrela, estufou o peito para dizer: “o nosso Estrela é campeão amador da cidade em 1957”.

Do lado de fora da cabine de som, os seus companheiros de time gritavam – é campeão.

Cinquenta e sete anos depois, podemos dizer que o Estrela não se apagou por inteiro; basta passar pelo Bar do Zinho, na Rua Gonçalves Dias esquina da Mauá e o que sobrou parece estar ali, resumido em uma das páginas mais importantes do futebol amador. Na época, o tempo pelo jeito parecia estar mergulhado nos sonhos de Jaime, Nelson Mariottini, Binho, Perci, Tagliacóssi, Chinin e Codeco; Valtinho, Geto, Galizé, Elcinho e Edinho que se transformaram em ídolos no pequeno mundo de fantasia que gira nas lembranças dos mais novos.

Réplica do uniforme do Estrela hoje no Museu do Futebol em Araraquara doado pelo jornalista Ivan Roberto Peroni

Não há como negar a dívida contraída pela cidade pelo que essa gente realizou, nem como determinar valores pelas alegrias proporcionadas por esses jovens senhores de ontem. O Estrela foi e sempre será a mostra da coragem e ousadia de um pequeno grupo de  esportistas, personagens de situações, algumas inenarráveis, pelas próprias circunstâncias que a vida nos proporciona de maneira festiva.

NAS NOITES DE LUAR FALTA UMA ESTRELA NO CÉU

Setembro de 1952. Dia 30. Terça-feira, pouco mais das 19h30. Nem bem começou a primavera e o céu estava florido de estrelas. Uma delas acaba sendo escolhida para simbolizar um time de futebol. Um a um os convidados foram chamados para entrar na casa de n° 348, da Avenida Mauá. Sem nome, mas por ironia do destino, ficou Estrela, time predestinado a ser o prolongamento dos lares de muita gente.

Orlando Coletti, o Monte, nome que sempre será lembrado dentro
do Estrela pelo seu amor ao clube

Jamais se pode pensar que a fundação do Estrela em 1952 teria sido afronta à Ferroviária, criada dois anos antes por Pereira Lima. Os dois clubes tinham o sangue dos ferroviários. Por questões políticas, Pereira Lima, da UDN, estava de um lado e Lino Morganti, do PTB, dono da Usina Tamoio, estava do outro. Como Pereira Lima havia deixado a AFE para ser prefeito de Araraquara, Lino Morganti decidiu ajudar o Estrela.

Na reunião daquele 30 de setembro de 1952, a política estava fora dos planos. Eram jovens senhores que apressavam a fundação do Estrela antes que a ADA se tornasse um time com gosto popular. Não deu tempo: a ADA foi fundada em 9 de janeiro e o Estrela apenas oito meses depois.

Time básico do Estrela, campeão em 60: presidente Rubens Comito, Codeco, Rodinha, Careca, Alécio, Gervásio, Tagliacóssi e Monte (treinador); Baia, Patema, Zinho, Babá e Amaral. O atacante Zinho foi o criador da Corrida de Santo Onofre.

Mesmo assim o Estrela foi em frente, se transformando num celeiro de grandes craques como Dudu (Palmeiras), Faustino (São Paulo), Mauro Pastor (Internacional), Zé Roberto, Miltinho, Natalino, Ruy Julio, entre outros.

Definiu-se em 1952, que a primeira diretoria do Estrela seria composta por Laurindo Teixeira Cardoso (presidente), Paulo Fernandes de Freitas (vice-presidente) e Élcio Marcantonio (secretário geral), tendo como base o futebol infantil e juvenil, além do amador, que conquistou diversos títulos. Após vários sucessores, em 19 de março de 1956, o clube se tornou Estrela Futebol Clube.

Técnico Arnaldo Araújo Zocco (Cana), Nilson, Tonho, Celso, Borba, Ditinho e Amauri; Serginho, Adalberto, Betinho, Zé Roberto e Odairzinho, uma das formações clássicas do Estrela na década de 70

O passo inicial para o clube tornar-se mais importante foi a partir da década de 60, quando o vereador e advogado Flávio Ferraz de Carvalho, junto ao prefeito Benedito de Oliveira, conseguiu a doação de um terreno para que fosse construído o estádio. Começou aí uma grande história fundamentada na coragem e na paixão dos esportistas pelo clube.

FUNDADORES DO ESTRELA

Rubens Comito foi um dos mais ativos diretores do Estrela nos anos 60, sendo também seu fundador

João Andrade (Zito Andrade), Valter Turione (Faixa), Osvaldo José Peixoto (Baia), Paulo Prisco, Orlando Colette (Monte), Dirceu Colette, Rubens Comito (Rubeta), Roberto Comito, Élcio Marcantonio, José Fernandes Freitas (Zeca Palito), Laurindo Francisco Gouveia, Valdir Prandi (Careca), Waldemar Marques Gouveia (Patema), Francisco Mazoni, Cícero de Marco, Wilson Canuto Rodrigues (Cusca), Pedro Ribeiro, Alcides Cardoso, Antônio Ferraz, Edson Barrico (Codeco), Daniel Marcos Rodrigues (Zinho),  Rafael Lucas Martines (Faito) e Pedro Ribeiro.

O ESTÁDIO FLÁVIO FERRAZ DE CARVALHO

Como boa parte de seus sócios era formada por ferroviários, o chamado “campo do Estrela” foi construído com ajuda de vários conselheiros e colaboradores, além de outros sócios. Todos os dias, após às 16h30, os voluntários saíam de seus respectivos trabalhos e ficavam até altas horas ajudando na construção de seu estádio, inclusive aos sábados, domingos e feriados.

Estádio Flávio Ferraz de Carvalho. Ele tinha essa denominação para homenagear ainda em vida seu maior torcedor e colaborador, o então vereador Flávio Ferraz. Lino Morganti ajudou com 100 mil tijolos

A paixão pelo clube era tanta que muitos voluntários com veículos próprios, iam até Guatapará retirar os 100.000 tijolos doados por Lino Morganti, um dos beneméritos do clube, para ajudar nas obras do estádio.

Com todo tijolo doado por Lino Morganti, mais tarde deputado federal, confirmou-se uma ligação política que sempre se manteve no anonimato, mesmo porque, nos anos 70 a Família Morganti começava a sentir os efeitos negativos de uma situação econômica que a levou a se transferir para Piracicaba, vindo depois a venda da Usina Tamoio para o Grupo Silva Gordo.

Flávio Ferraz, vereador e o maior torcedor do Estrela em todos os tempos, com seu primo Coca Ferraz, dono de um futebol fantástico

A partir de 1960, Flávio Ferraz de Carvalho, então com 24 anos, formado em Direito, começou crescer na política com o apoio do Estrela, para quem havia conseguido o terreno com o objetivo de construir o estádio.

UM NÃO VIVIA SEM O OUTRO

Político dos mais astutos, Flávio Ferraz de Carvalho nos anos 60 teve o seu nome colocado no Estádio do Estrela, clube cheio de histórias curiosas, algumas hilariantes.

Um dos filhos ilustres do Estrela era o ex- meia Laerte, que começou no Infantil. De lá passou pelo Comercial do Carmo (Juvenil) e foi para o futebol amador da Ferroviária, se tornando depois profissional. A carreira terminou cedo, aos 28 anos, devido a uma contusão no joelho. Mas ele nunca deixou de acompanhar o bom e velho futebol.

Laerte passou pelo Estrela e se tornou profissional na Ferroviária. Possuía um futebol clássico, inspiração que veio no talento de Clodoaldo que jogava no Santos

Apesar de ter passado por diversos times, Laerte guarda com carinho a lembrança de um jogo: a final entre Estrela x Corinthians do São Geraldo no Infantil. “A partida mais importante pra mim jogando pelo Estrela foi contra o Corintinha. Ganhamos por 4×1, e eu fiz dois gols”. Laerte lembra também uma de suas referências em ter começado a jogar bola. “Me inspirava no time do Santos de Pelé, Pepé, Zito e Clodoaldo. Era um time que encantou a todos e neles me espelhei muito”, conta.

Hoje Laerte é proprietário de um bar na Rua Américo Brasiliense, onde com alguns amigos fala das coisas boas que aconteceram no futebol amador.

Nei, campeão pelo Estrela na década de 60; ele faleceu em 2015 deixando enorme saudade em nossa comunidade pois era muito querido

Outro atleta que marcou época no amador do Estrela, foi o ex-lateral direito Nei Paschoalino, que jogou 8 anos pelo clube. Assim como Laerte, Nei se inspirou em Carlos Alberto Torres que na época atuava pelo Santos. Nei lembra de um longo tabu que o time estrelino viveu e se tornou um grande clássico na cidade.

“Por muitos anos, o Estrela não ganhava do Benfica. Em 1974 já estávamos fora da disputa do título, porém tínhamos um jogo contra eles para cumprir tabela. Em uma partida emocionante, tirei uma bola em cima da linha, depois de uma cobrança de falta aos 45’ do segundo tempo. Ganhamos de 1×0, gol de Betinho”, disse Nei, antes de falecer em 2015.

Dois momentos da história: Waldemar Marques Gouveia, o Patema, estava na reunião que marcou a fundação do Estrela há 64 anos. Além de fundador, foi também jogador sendo campeão amador; Natalino e Ovídio, dois craques anos mais tarde em 1960.

Ele contou também que, em certos jogos no futebol amador, o público era muito maior se comparado com as partidas da Ferroviária na época. Antes de cada jogo, os atletas se “concentravam” em um lugar muito peculiar: “Nos reuníamos na praça no Jardim Primavera para nos concentrarmos e falar sobre o que cada um iria fazer durante a partida”.

Agostinho e Sgobbi, uma vida voltada para o Estrela, nos bons e maus momentos

Na verdade, enquanto o Estrela não teve o seu estádio, o time disputava suas partidas no campo do Primavera, onde hoje é o Gigantão. O cenário mostrava uma enorme e centenária figueira, onde os atletas descansavam nos intervalos e até mesmo se trocavam para entrar em campo.

OS ÚLTIMOS PRESIDENTES

Do “campão” que o Estádio Flávio de Ferraz Carvalho possuía desde o seu início, as mudanças no clube foram ocorrendo com o passar dos anos. Na década de 90, o campo de extremidades longas deu espaço para dois mini-campos. Um barracão foi construído ao lado para eventos realizados pelos funcionários do clube. Anos mais tarde o barracão sumiu e criou-se o salão de festas, pois houve a fusão da CTA com o clube, época em que Coca Ferraz era o presidente da companhia.

Duarte com a camisa do Estrela, sua última versão

Aparecido Carlos Duarte, presidente que ficou no cargo por 10 anos e também o último, acreditava que a união do Estrela com a CTA até poderia dar resultado; no entanto, projetos e shows de porte não foram suficientes. A saída da CTA desta parceria provocou queda no quadro associativo passando o clube a depender de contribuições vindas dos diretores e conselheiros. Entretanto esses mesmos conselheiros presididos por Elcio Marcantonio, buscaram junto ao prefeito Marcelo Barbieri a anexação do patrimônio do Estrela ao município conforme mandava o estatuto do clube, no caso da paralisação de suas atividades.

Isso de fato aconteceu, sem ônus para o município, ficando o acordo de que o mesmo assumisse a responsabilidade de uma ação trabalhista que se iniciou com o valor de R$ 7 mil atingindo o montante de mais ou menos R$ 250 mil arbitrado pela Justiça.

Elcio Marcantonio

Na verdade, o Estrela sempre honrou seus compromissos financeiros e esse leasing com respeito a multa trabalhista só cresceu por negligência e informações falsas passadas à diretoria pelo advogado que nos representava, comenta Elcio Marcantonio.

Vale ressaltar que o município incorporou um patrimônio construído em 17mil metros quadrados em uma região valorizada e que está servindo as necessidades esportivas da cidade.

Duarte, o último presidente, conta que o estádio já foi considerado o segundo melhor de Araraquara e que times, como Botafogo e Vasco, ambos do Rio de Janeiro, treinavam no campo para a disputa de jogos contra a Ferroviária pela Série A do Brasileirão. “Até o Santos de Pelé já treinou no Estrela”, lembra com saudades.

Apesar do Estrela ter se firmado como um dos clubes amadores importantes da cidade, chegou ao seu fim. O clube hoje é complexo esportivo com mini-campos, quadras de areia e piscina. Os jogos memoráveis continuam na cabeça de quem passa pela Avenida José Parisi e vê a fachada com o nome de Flávio Ferraz de Carvalho.

Observação: A história do Estrela Futebol Clube escrita em 2014 pelos jornalistas Ivan Roberto Peroni e Rafael Zocco faz parte do livro Lembranças com Pé no chão. A publicação ocorreu antes da Prefeitura Municipal vender o Estádio Flávio Ferraz de Carvalho para o Daae – Departamento Autônomo de Água e Esgoto – acabando com parte da história esportiva da cidade.