
Era 1955. Setembro. Era um pouco mais das 10h30 quando o protético Geraldo Luiz Dall’Acqua, o “Lalo”, está pronto para deixar o consultório de Jacintho Ananias, na Avenida Feijó. Ele costumeiramente subia a 9 de Julho para chegar ao Bar do Flávio Piva, bem ao lado do prédio que 61 anos depois abrigaria a D Paschoal.
Calça social, cinto preto apertando aquele corpo franzino, camisa branqueada por imposição da profissão, Lalo tinha como uma das suas marcas, os cabelos lisos envoltos com a Brilhantina Glostora comprada na Farmácia do Clóvis Colombo, perto do Parque Infantil.
Naquele 16 de setembro, sexta-feira, logo que chegou ao bar, encostado no balcão, ele falou ao Piva: “Vou fundar um time de futebol e a sede vai ser aqui”. Já com o nome do Bangu Atlético Clube na ponta da língua, Lalo disse que uma das preocupações no fim de semana seria comunicar a decisão ao cronista Sidney Schiavon, d’O Imparcial, até então o único jornal diário da cidade.
Sábado e domingo o assunto não foi outro senão a criação do Bangu, pelos lados do Jardim Primavera, que já possuía um time: Primavera FC, com sua base montada no Bar do Laitano (ao lado da hoje Drogaven). Menos de 100 metros do Laitano estava o Bar do Piva, transformado na casa do Bangu.
Uma semana depois, o próprio Sidney Schiavon levou para o programa Janela Esportiva, da Rádio Cultura, a palavra do Lalo a anunciar a fundação do Bangu que aproveitava o clima de euforia pela campanha da Ferroviária no futebol paulista, pois no ano seguinte, estaria ela na Divisão Especial do Campeonato Paulista ao vencer o Botafogo por 6 a 3.
NO FUTEBOL, ELE ERA O BEM AMADO
Aos domingos, a partir das 11h, os meninos do Bangu se juntavam no Bar do Piva, na Rua 9 de Julho e de lá saíam para jogar futebol em fazendas pela região ou cidades vizinhas.

Muitos podem considerar a falta de criatividade de alguns para a criação de times de futebol apenas “copiando” o nome de um que já faz grande sucesso. Besteira. É apenas uma forma singela de homenagear a quem o inspirou na fundação do clube. Afinal, o que seria de nós se não houvesse história? Estrela, Palmeiras, Flamengo, Vasco, todos escreveram histórias na cidade com sua imponência e não apenas com o nome. Conseguiram o seu respeito dentro e fora do campo, e são lembrados até hoje pelo que fizeram.

Com o Bangu não foi diferente. Na década de 50, no auge do futebol, surgiu em Araraquara o alvirrubro comandado por Geraldo Luiz Dall’Aqua, o popular Lalo, protético e depois dono de um açougue que ficava localizado na Rua São Bento, quase esquina com a Avenida Padre Francisco Colturato. Lalo foi o grande precursor do time na cidade, com a colaboração inicialmente de amigos que frequentavam o Bar do Piva.
O Bangu contava com jogadores do juvenil e time amador. O ex-atacante da equipe, Roberto Delfino, o Padeirinho, fez parte deste grupo com quem conviveu no amador da cidade. “A gente sempre treinava no campo do Jardim Primavera, onde foi construído o Gigantão. Éramos jovens trabalhadores, e sempre treinávamos as terças e quintas, logo após o serviço”.

Padeirinho recorda dos tempos que viveu dentro dos campos, das viagens e de como Lalo ajudava os jogadores. “Ele conseguia muitos jogos de camisa. Os uniformes do Bangu não tinham uma coloração fixa, pois eram modelos diferentes. Viajamos para muitos lugares aqui da região e fazíamos frente à Ferroviária de Bazani”, relembra.
A menção à Ferrinha é bem simples. Como treinava próximo à Fonte Luminosa, o Bangu fazia amistosos com o time grená no campo de treinamento que ficava localizado abaixo do estádio. Aquilo foi uma recompensa e privilégio para os simples jogadores de Lalo.

Outro que fez parte do Bangu foi Benedito Carlos Piveta, mais conhecido como Neno Piveta. Quando criança, Neno já frequentava as ruas da cidade atrás da bola, mas foi aos 15 anos que surgiu a oportunidade de ir para o Bangu. “Apesar de novo, eu já estava jogando bocha também. Quando os amigos chamavam para jogar bola, combinavam de ir até o local onde o Bangu treinava e a partir daí, eu entrei para o time de Lalo como volante”.
ARMADILHAS QUE O LALO ARMAVA
Um time cheio de malícias e recursos técnicos que o tornavam bem diferentes dos grandes clubes amadores da época. Assim era Lalo, assim era o Bangu.
Das grandes viagens feitas, Neno recorda das “armadilhas” que Lalo aprontava. Cheio de contatos, o presidente do Bangu sempre avisava aos adversários que jogadores dos grandes times da época da cidade, como Palmeirinha, Santana e até mesmo da Ferroviária, participariam dos jogos do alvirrubro.
“Uma vez fomos jogar em Novo Horizonte com a equipe local e o clube de lá fez até panfletagem do confronto que iam fazer conosco. Chegava na hora, o Lalo falava que o jogador não pôde vir por problemas na família. Ele inventava a vinda de atletas apenas para conseguir os amistosos (risos)”.
Para atrair mais jogadores, Lalo ainda propunha ao grupo do Bangu, carne de graça em seu açougue. “Toda vez que a gente jogava, ele distribuía carne que vendia em seu açougue para todo o time, como se fosse um pagamento de “bicho””, conta o ex-volante e agora campeão de bocha da cidade (Neno Piveta).

Outro que esteve presente naquela época, que não jogou, mas ajudou muito Lalo, foi o serralheiro Valter Minotti, que casou com a irmã de Lalo. Quando surgia um problema no time, Lalo recorria ao cunhado para achar a solução. “Quando o Lalo precisava, eu bancava os jogos de uniforme do time, pois ficavam muito desgastados. Ou ele me pagava ou dava em carne depois (rs)”.
Minotti ressalta também da importância do falecido amigo ao Bangu. “O Lalo era um cara fantástico. Se dependesse dele, dava a roupa do corpo para ser uniforme do jogador. Fazia isso tudo por amor ao time e ao esporte. Era um grande fissurado em futebol e como ele, poucos existiam na cidade”.
QUEM ESTAVA NO COMEÇO DO BANGU
Dias depois de ser anunciada a fundação do Bangu, no final de 1955 e praticamente inspirado pela empolgação causada pela Ferroviária, que em 56 disputaria o Campeonato Paulista após vencer na final o Botafogo de Ribeirão Preto, o presidente Lalo começou a requisitar jogadores que se reuniam no Bar do Piva, na 9 de Julho. Ele montou verdadeira seleção e por alguns anos, o Bangu disputou o Campeonato Amador da cidade, chegando a revelar atletas que posteriormente atuaram na Ferroviária. O Bangu chegou a disputar a final do Campeonato Juvenil de Araraquara com a própria Ferroviária, perdendo graças a atuação desastrosa do árbitro que “judiou” do Banguzinho.
O DIA MAIS TRÁGICO PARA O BANGU
23 de dezembro de 1967, um sábado, chuva fina caindo. O caminhão que levava cerca de 30 jovens em sua carroceria, desgovernado, sai da rodovia Washington Luís entra no acostamento e volta para a pista. Os meninos que estavam na guarda do caminhão perdem o equilíbrio e caem. Duas pessoas morreram.
Apesar das boas lembranças vividas e guardadas daquela época, o serralheiro Walter Minotti, que sempre acompanhou o Bangu do seu cunhado Lalo, relembra a tragédia envolvendo os jogadores e diretores do time que seguiam para mais uma partida amistosa de futebol em uma fazenda a caminho de Matão. O time havia saído do Bar do Piva, pouco depois das 12h30, relembra Minotti.
Walter dirigia a sua caminhonete Chevrolet pela estrada e um caminhão com carroceria de madeira carregava os jogadores. “Olhando pelo retrovisor, eu vi o caminhão entrando pelo acostamento. Percebi que algo estava estranho e fiquei sabendo depois que o motorista perdeu o controle. O caminhão freou com tudo e os jogadores balançaram para frente e para trás. Quando voltaram para trás, cerca de 10 pessoas caíram da carroceria. Na hora aquilo bateu um desespero”.

Neste acidente, oito pessoas ficaram feridas e duas vieram a falecer. Francisco Brasilino perdeu o seu irmão, Alcênio, neste trágico acidente. “Eu era o irmão mais velho e naquele dia do acidente eu estava na rua e fiquei sabendo do ocorrido quando cheguei em casa. Ele foi resgatado com vida, mas faleceu nove dias depois na Santa Casa”, recorda com tristeza.
Brasilino lembra da infância com o irmão. Hoje, o momento já foi superado. “Como a maioria dos irmãos, éramos grudados. Aonde eu ia, ele vinha atrás e vice-versa. Jogávamos bola nas ruas, bolinha de gude e até pião. Aquilo que ocorreu com ele foi uma tragédia”.
Ex-funcionário da Estrada de Ferro na época do governador Carvalho Pinto, Brasilino saiu da companhia e foi se dedicar à música, mais precisamente com o seu violão. Mantém as recordações da bossa nova no pequeno quarto em sua casa e fala com orgulho de ter dado aula por cinco anos para Paulo Martelli.
“O violão faz parte da minha família e da minha vida. Vivi grandes tempos com apresentações no Teatro Municipal, Clube 22 de Agosto, Clube 27, Melusa… deu para tocar bastante violão e deixar os problemas de lado (risos)”.

O MENINO ARNALDINHO
Arnaldo era um dos filhos de Jorge Inácio e Minervina, irmã de Linho, um dos moradores mais conhecidos da Rua Voluntários da Pátria entre as avenidas São Geraldo e Monteiro Lobato. Com seus 14 anos de idade, Arnaldinho ou Dinho como os seus primos Lauriberto e Zé Carlos Inácio o chamavam, gostava de futebol e integrava o segundo time do Bangu.
Naqueles tempos, recorda Walter Minotti, os clubes da cidade saiam para jogar na região e levavam os titulares e os “cascudos” que seriam o time aspirante. Arnaldo bateu com a cabeça no chão, morrendo instantaneamente. A cidade naquele dezembro foi tomada pela dor e tristeza.

Alcênio, Lalo, Arnaldo e toda a história que o Bangu construiu jamais serão esquecidos. O legado continua vivo para os amantes do futebol amador e falam deste time humilde que encheu os olhos de lágrimas de alegria e de tristeza, mas sempre reverenciarão os jogadores que fizeram parte deste clube do povo araraquarense.