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Quando o time jogava, Tamoio parecia ser uma usina fantasma

Usina Tamoio Futebol Clube escreveu uma das mais importantes e brilhantes histórias em nosso futebol amador.

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1956 - Pernambuco, Gregório, Cadorin, Rubens, Laerte e Buru; Jair, Carlito, Cornélio, Lilo e Baia

Eles eram de braços fortes, pernas alongadas, uns jovens senhores a deslizar seus sonhos por ruas e avenidas dos verdes canaviais

Cortavam ao vento o que seria um balançar à frente do adversário nas tardes de domingo. Uns respiravam o silêncio que vinha com o cheiro da cana tombando; outros de mãos abertas na espera da bola disparada no avanço do inimigo.

Diziam ser jogadores de futebol cuja feição na imensidão dos campos, os tornava mais donos de si, assustando os que pela frente vinham. Cada um criava seu jeito de ser na hora da apresentação: arqueiro, beque de espera, médio volante, influenciados pelo que o rádio esportivo criara nos anos 40.

Trabalho e futebol eram a condução para o amor em fuga nas quermesses e missas da santificada Usina, capaz de tornar tantos João e Maria, em marido e mulher. E tamanha era a festa em casos assim, que os Morganti se transportavam a um mundo distante, para que a alegria não se prendesse a quatro paredes da pequena casa da colônia.

O quadro não era senão a realidade ponteada pela fumaça das chaminés, a cana levada no dorso do trem, a bola correndo nos fins de semana, a mulher aguardando o filho que vem.

A vida era uma poesia a cada gol do Tamoio, simbolizado pelo índio imponente que cansamos de ver e que hoje, nos leva a lembrar da Usina que se tornava uma “cidade fantasma” quando o time saia para jogar.

1965 – Laerte, Daia, Menon, Ditinho, Galvão, Dito Cabeludo e Cita; agachados: Roberto, Jarina, Tutinha, Nelsinho e Amaral

A CIDADE GRANDE DENTRO DA USINA

A Usina Tamoio contribuiu na vida de muitas pessoas, não apenas com o futebol em suas terras, mas com Araraquara e região. De grande propriedade agroindustrial pertencente à família Morganti, na época, parte integrante da Refinadora Paulista S.A, surgia, em 1930, um time de futebol que proporcionaria aos empregados e funcionários daquela empresa, a prática esportiva.

Igreja da Usina Tamoio

Apoiados pela direção da indústria, os idealizadores do movimento para fundação de um clube na Usina estruturaram a base em que se assentaria a entidade esportiva e social, para proporcionar entretenimento aos associados. O futebol teria o nome da empresa, que representavam e cabiam honrar. Surgiu assim a Usina Tamoio Futebol Clube, se tornado um dos mais importantes e respeitados clubes de futebol amador do Estado.

A usina oferecia uma estrutura surreal. Uma cidade dentro de uma indústria. Trabalhadores ficavam com suas famílias acomodados em casas construídas nas fazendas próximas à sede principal, contendo armazéns, restaurantes e até cinemas, sendo um deles dentro da igreja.

Apesar de ser uma forma de lazer em que os funcionários e pessoas ligadas à usina usufruíam, o comprometimento era quase a mesma coisa com o trabalho. Os funcionários eram convidados a jogar pelo time da Tamoio, passando por uma espécie de peneira. Isso em todas as seções que faziam parte do complexo. Ao ingressar na equipe, o trabalhador podia sair mais cedo do serviço para treinos as quartas e sextas-feiras, depois das 16h. Quem não comparecesse era suspenso do time.

Em 1946, se filiou à Federação Paulista de Futebol e à Liga Araraquarense de Futebol, podendo disputar os principais campeonatos do futebol amador do estado de São Paulo. Tendo em mãos este direito, sagrou-se campeão Amador da cidade (1954), além de ter conquistado o Setor 4 do Campeonato do Interior do Estado.

A diretoria de 1955 era constituída por Romeu Graziano (Presidente), Alcindo Machado Guimarães (1º vice-presidente), José Veltri (2º vice-presidente), Camilo Tôrres (Secretário Geral), Vitorino Natalin Kraspski (1º Secretário), Mário Della Valle (2º Secretário), Moacir Baccarin (1º Tesoureiro) Mário Marca-tto (2º Tesoureiro), Miguel Veltri (Diretor de Esportes), Antônio Codrin (2º Diretor de Esportes), Aylton Guimarães Fernandes, Otto Ernani Muller e Wladimir Orloff (Conselho Fiscal), José Lusne, Luiz Simionato e Kurt Dudalski (Conselheiros).

A SUNTUOSIDADE DO ESTÁDIO COMENDADOR DE FREITAS

Foi neste estádio na Tamoio que a Ferroviária jogou contra o Santos em abril de1970, em comemoração ao primeiro aniversário da Usina, que tinha saído das mãos dos Morganti, sendo comprada por Silva Gordo, se tornando assim a Refinadora Paulista

Uma das grandes pérolas que a Usina investiu foi no Estádio Comendador Freitas, que viria ser a casa do time da Tamoio. Inaugurado em 51, mesmo ano da Fonte Luminosa, foi ponto de encontro de grandes clubes que vinham enfrentar a Ferroviária na Fonte.

Com uma obra arquitetônica impecável, o Estádio Comendador Freitas possuía até camarotes, o que hoje na Arena da Fonte se chama de área vip. No reservado, os donos, diretores e autoridades assistiam aos jogos.

Um fato curioso chamou atenção dos torcedores da época, mas que aos poucos a veracidade foi se confirmando com o passar do tempo. A partida entre Ferroviária e Santos no “Comendador Freitas” é fato verídico, e aconteceu no dia 26 de abril de 1970, domingo pela manhã, em comemoração ao primeiro aniversário da Administração da Refinadora Paulista S.A.

O empresário Pedro Morganti

Num segundo momento, embora haja vários exageros no relato dos bastidores do jogo que reuniu centenas de torcedores, é que realmente a AFE venceu por 1 a 0, gol aos 21 minutos do segundo tempo de Amaral, atacante que substituiu Nelsinho no transcorrer da partida. Para enfrentar o Santos, a Ferroviária aproveitou folga no Paulistinha 70, depois de vencer o clássico Bota-Ferro, por 2 a 0.

Há ‘um pequeno detalhe’, esquecido por boa parte dos contadores da história do Santos em Tamoio: é que Pelé, Rei do Futebol não jogou, bem como os outros craques, alguns deles futuros campeões mundiais na Copa do México. Porém, nada apagará a festividade que foi a vinda do Santos para encarar a Ferroviária; contudo para registro oficial, é preciso mencionar que o Santos jogou com time misto: Agnaldo; Zelão, Paulo, Orlando e Murias; Alexandre e Nenê; David, Adilson (Álvaro), Barga (Gilberto) e Fito.

Já o técnico Vail Mota escalou a AFE com: Carlos Alberto; Baiano, Fernando, Ticão e Fogueira; Muri e Bazani (Bebeto); Valdir (Peixinho), Zé Luiz (Rui Júlio), Ismael (Lance) e Nelsinho (Amaral). Na ocasião não houve cobrança de ingressos e o árbitro da partida foi Arnaldo Júnior.

Tamoio, campeão de 1979 com Cabelo, Rega, Vaguinho, Vareja, Icão, Menon e Charuto; Chumbinho, Gu, Dirceu, Geraldo José e Turdinho

Não resta dúvida que o desfile de Pelé e demais titulares iria fazer com que o amistoso tivesse mais pompa, independente do resultado, visto as vitórias da AFE sobre o Santos, com ou sem Pelé, em Araraquara, ser fato normal naqueles anos 60 e 70. Mas para as futuras gerações é interessante florearmos o fato, exaltarmos a promoção e a sacada de um jogo inesquecível para os araraquarenses, mas com as informações corretas.

Um ano mais tarde, no dia 7 de março de 1971, em partida realizada na Fonte Luminosa, a Ferroviária estraçalhou o Santos de Cejas, Clodoaldo, Pelé e Edu, por 4 a 1, com gols de Lance, Zé Luiz, Bazani e Ney, enquanto Douglas que entrou no lugar de Pelé, marcou o gol de honra santista.

1979, ERA O FIM DA FILA. TAMOIO O CAMPEÃO DA CIDADE

Tudo começou em 1941: para motivar seus colaboradores, a Usina Tamoio criou o Campeonato de Corte de Cana premiando o vencedor ao final de cada safra. Paralelamente, o futebol começava a despontar também como forma de proporcionar o lazer e o companheirismo entre todos.

Orlando (Anchieta), Tutinha e Alcebíades, três grandes atletas da Usina Tamoio nos anos 60; ao fundo a posição dos camarotes no estádio, uma preciosidade para os padrões da época.

Depois do título de 1954, a equipe do Tamoio sempre ficou no quase. O clube tinha bons jogadores, mas era uma época em que vários times se sobressaiam e ficava difícil escolher um campeão de fato no certame. Vinte e quatro anos depois, este dia para os jogadores do Tamoio finalmente chegou.  Tamoio e Santana decidiram o Campeonato Amador no Estádio Tenente Siqueira Campos em um jogo de tirar o fôlego, com muita disputa no torneio no imaculado Municipal.

Tamoio começou melhor. Logo na primeira descida, o habilidoso Chumbinho abriu o placar para a usina açucareira. Durante este período, o Santana sentiu muito a falta de Nardinho, um dos destaques da equipe.

Não tardou e o Tamoio viria ampliar o placar: após levantamento na área, ninguém da defesa do Santana pulou para cortar e a bola sobrou para novo levantamento em direção ao gol. Os zagueiros Sidney e Marcos nada fizeram e Gu fuzilou para o gol de Edmar: 2×0 para o Tamoio.

Mas no segundo tempo, o Santana entrou nos trilhos e foi para cima do time da usina acomodado por causa do placar. Os santanenses voltaram renovados para a decisão. Numa jogada pela linha de fundo de Luiz Roberto, o atacante Zé Magrelo recebeu na pequena área, virou rapidamente deixando a zaga neutralizada, deu um drible no goleiro e chutou cruzado, diminuindo a diferença.

Vadéco não pode atuar na grande final de 79, porém, lembra com carinho da participação do time na Copa Arizona (cigarros) promovida pel’A Gazeta Esportiva

Mesmo com o gol, Tamoio continuou no mesmo ritmo, enquanto o Santana continuava a pressão. O castigo logo chegou. Ferrarezi, que havia entrado no lugar de Fio, cruzou a bola pra área e o arqueiro Menon saiu de forma estabanada, tomando um gol inesperado. O empate chegou, mas os times mantinham a mesma serenidade em campo.

Tudo indicava que o jogo se encaminharia para a prorrogação. Mas após cobrança de escanteio, Gu acertou um ‘sem pulo’ sensacional na grande área e liquidou a fatura para o Tamoio de forma heróica e emocionante.

SAUDADES

Na decisão com o Santana, o goleiro Donizete Simioni ficou no banco, enquanto Wilson Menon era o titular. O jovem Donizete estava sendo preparado para ser utilizado nas temporadas seguintes, pois aquele seria o último ano de Menon na equipe.

“Na época, eu tinha 19 anos e pude acompanhar aquele time em uma grande final com o Santana. A vantagem que construímos, o empate do Santana e o ‘sem pulo’ que o Gu deu dentro da grande área para sagrarmos campeões com 3×2, aquilo tudo foi inesquecível”, relembra Simioni.

O Tamoio sempre teve equipes competitivas. Em 1980, já como titular, Simioni participou da campanha que levou o time ao vice-campeonato, perdendo para o Flamengo. “Em 1980 tínhamos um time fantástico. Acho que era melhor até mesmo que o elenco campeão em 79. Na decisão contra o Flamengo no Municipal, jogamos muito bem, mas tomamos um gol de bobeira, total descuido. Tentamos reagir, mas sem sucesso”.

Elvio Perassoli, o Charuto, com a esposa Neusa

O interessante é que ao recordar de tantas passagens do time do Tamoio pelo esporte amador, observamos o brilho nos olhos do antigo atleta.

Rivaldo Motta Jr., o Vadéco, foi lateral esquerdo do Tamoio por muitos anos. Ele estava no time que conquistou o campeonato em 1979, porém, algo de inusitado aconteceu naquele ano e não pôde jogar a grande final.

“Jogava pelo Tamoio, porém, no meio do campeonato, a diretoria encaminhou a minha transferência para o Palmeirinha. Tudo estava certo, mas aconteceu algum problema com a documentação e, no meio desse imbróglio todo, perderam a ficha de inscrição. Não pude jogar a final do campeonato, pois não estava mais inscrito pelo time”, lamenta Vadéco.

No entanto, ele fala com orgulho sobre ter participado da Copa Arizona, que reunia equipes amadoras de todo o Brasil. O torneio era organizado pelo extinto Cigarros Arizona e o jornal A Gazeta Esportiva (o lema era “Se a Gazeta Esportiva não deu, ninguém sabe o que aconteceu”). Era uma espécie de Campeonato Brasileiro de clubes amadores.

“A Copa Arizona foi um dos grandes torneios que disputei pelo Tamoio na década de 70. No entanto, ficamos pelo meio do caminho, nas oitavas-de-final. Tínhamos um bom time, mas os adversários eram duríssimos. Perdemos para um clube de Barueri nas penalidades. Era muito disputado”.

Vadéco tinha o futebol como vício. Aos 15 anos, saiu de casa para se aventurar com a bola, mesmo sendo contrariado pelo pai. Foi para a casa da avó em São Carlos e lá jogou pelos times juvenis do Madrugada e Canarinho, os dois melhores da cidade. Na procura de um sustento, conseguiu um emprego no Banco Nacional. “Maduro, retornei para Araraquara. Nasci e cresci na Usina Tamoio, jogando pelo dente de leite. Meus pais acabaram aceitando meu destino e não houve mais discussão sobre isso. E por Tamoio eu continuei; sinto orgulho de ter vivido lá uma grande parte da minha vida. Foram dias maravilhosos. Não dá para esquecer”, finaliza.

DE JOELHOS PARA PAGAR PROMESSA

Wilson Menon, mergulha no passado e relembra com a Revista Comércio & Indústria, os momentos vividos como goleiro do time de futebol campeão da Tamoio em 1979 – trinta e nove anos depois. Ele se emocionou

Mas, quem é aquele baixinho debaixo do gol? É o goleiro do Tamoio? Sim, é Wilson Menon. A altura erauma desconfiança para o adversário. Perto dos seus 1,75m, Menon tinha grande impulsão, um diferencial para o goleiro na época.

“Joguei por 18 anos no Tamoio. Era uma grande responsabilidade representar o time e a empresa. Quando dos jogos no Estádio Comendador Freitas, me sentia num time grande ao ver a torcida inflamada. Era bom aquilo”, recorda hoje em sua casa o goleiro Menon.

Das boas lembranças vem um lance inusitado na final do campeonato de 1979: “Estava com 35 anos. Era meu último ano no Tamoio. Queria muito ganhar aquele título e prometi: se eu ganhar vou atravessar o campo de joelhos”. Os 3×2 foram suficientes para que a partida ganhasse requintes de emoção, sofrimento e alegria para que Menon fizesse o trajeto de uma lateral a outra, de joelhos. “Não me contive. Logo após o apito final, fui até a lateral, me ajoelhei e segui em frente. Alguns torcedores invadiram o campo querendo tirar a minha camisa e os companheiros queriam me abraçar. Falei para ninguém tocar em mim até que concluísse o percurso (risos)”.

Outro personagem importante na história do futebol do Tamoio foi Élvio Perassoli, o popular Charuto. Da família que nasceu e viveu na Usina, Charuto seguiu os mesmos passos e criou a sua família nas terras dos Morganti. Apaixonado por futebol jogou como volante por 20 anos, entre as seções e o time principal da Usina. “Nasci, cresci e criei minha família lá. Era algo surreal, coisa que não vemos mais hoje em dia. As colônias, as fazendas, as pessoas, as amizades. Tudo. O cinema que havia se instalado na igreja de Tamoio e fora dela. Hoje só resta a saudade e agradeço muito pelo que Pedro Morganti fez por mim e por todos da Tamoio”.

Para Charuto, a Usina parecia um distrito. Chegou a ter cerca de 13 mil habitantes nas colônias que haviam nas seções. Todas as fazendas aos arredores foram compradas por Pedro Morganti. O tratamento era de luxo, tanto que na Santa Casa de Araraquara havia uma ala especial apenas para quem trabalhava na Tamoio, pois na Usina havia apenas um ambulatório.

Outra peculiaridade que acontecia na Usina, era um campeonato um tanto quanto diferente, o qual Charuto recorda. “A esposa de Pedro Morganti, Gianina, e o seu filho Hélio, organizavam vários eventos dentro da Tamoio. Entre eles, tinha o campeonato de corte de cana, reunindo todas as secções”.

Em 1955, a Usina Tamoio foi palco de uma produção cinematográfica, com direção de Carlos Coimbra: “Armas da Vingança” com o galã Hélio Souto e Vera Nunes. O filme narra a história de um fazendeiro que está prestes a falir. Para salvar a fazenda, a filha se casa com o irmão do futuro noivo, causando indignação na família. Porém, o marido morre de forma precoce, fazendo com que a moça se reaproxime da sua antiga paixão.

Distintivo da Usina Tamoio

Outro fato interessante é que para os Jogos Operários de Primeiro de Maio, a torcida criou uma marchinha. Pouco tempo depois, a música foi adotada por todos como o hino oficial da Usina Tamoio, fato raro para uma equipe amadora. Confira a letra na íntegra:

“Ê… Tamoio (4x)

Tamoio

Terra bonita

Tão alegre e tão gentil

Terra do trabalho

Onde ao soar do malho

Se constrói um novo e fecundo Brasil

Tamoio

Terra da cana

Do açúcar e da água ardente

Terra da loirinha

E da morena engraçadinha

Que encanta e prende o coração da gente

Venha Tamoio

Venha conhecer

A maior usina

Deste meu Brasil

Na paz luminosa dos campos de casa

Na rubra e ardente fornalha

Contente e feliz

Cantando e feliz

Cantando trabalha

Um povo viril”