Angelina era era viúva de um rico produtor rural. A cidade viu nascer através do seu ato, um dos mais famosos times do futebol amador em todos os tempos, que posteriormente ficou conhecido como Santana.
Criou-se desta forma o templo do Futebol Amador. Era assim na década de 50 que o cronista esportivo Sidney Schiavon, estava acostumado a chamar o Estádio Municipal, em muitas vezes “Cândido de Barros”, em outras, “Tenente Siqueira Campos” e que o tempo se encarregou de mostrar que hoje não é nenhum e nem outro.
Por esse grandioso templo desfilaram os bem aventurados mestres da bola como Sylvio Barini, Olívio Pinotti, Paulo Dorsa e outros que transformavam as manhãs de domingo no ponto de concentração de fiéis torcedores da pequena vila chamada Independência, mais tarde Santana.
Por ironia do destino, o clube surgiu da devoção de uma mulher chamada Angelina, que poderia ser angel ou simplesmente anjo a ajudar sua gente. Ela também fez surgir o novo bairro, depois a igreja, num pedaço de chão com povo simples que imaginava a precisão do coração da cidade a bater mais forte do lado de lá.
O Santana Futebol Clube mostra na sua história fatos que como este da viúva Angelina, nos leva a entender cada vez mais o mistério que cerca a vida dos nossos antepassados.
NÃO ERA APENAS UM TIME, MAS UM BAIRRO
Nomes populares e expressivos da comunidade se juntaram na fundação do Santana, que embora sem grandes recursos, surgiu para fazer frente às equipes sustentadas por uma classe mais abastada como o Paulista e o Palestra Itália. Aos poucos, o clube foi se definindo como o “Santana do doutor Crocce”.
1931. Aquele ano seria importante para uma agremiação que dali surgiria, graças a uma produtora rural. Angelina Lacerda de Carvalho. Viúva de Joaquim de Carvalho e filha de Antonio Lourenço Corrêa teve papel fundamental para o nascimento do Santana Futebol Clube no dia 10 de maio daquele ano.
Reunidos em uma sala na Rua São Bento, nº 139, Luiz Galeazzi, João Rodrigues Martins, Pedro Caracho, José Mariottini, Francisco Coletti, Ângelo Galeazzi, Frassi Roque, Fausto Colturato, José Cardilo, Raul Soares Marinho, José Veroni e José Caracho, lideravam a fundação do clube, que representaria a Vila Independência, tendo a partir daí rica atuação no futebol amador da cidade.
Mas o que Angelina tem a ver com uma história voltada para um time de futebol amador? Simples. Se não fosse ela, nem mesmo o time se chamaria Santana. Por Angelina ser devota desta santa, os fundadores a homenagearam, pois o terreno de sua propriedade na zona urbana foi doado para que a sede do clube funcionasse na Rua 9 de Julho, esquina com a Avenida Barroso.
No início, apenas os jogadores que moravam nas imediações da Vila Independência integravam o elenco. Com o passar do tempo, outros atletas começaram a representar o time em campeonatos e amistosos, como Paulo Dorsa, Virgílio Araújo, Damásio Bergo, Armando Dall’Acqua, Sylvio Barini, Ermetti Goi, Olívio Pinotti, Armando Barbarini e outros. Sem dúvida, o Santana teve participação fundamental no cenário esportivo local durante a década de 30. O clube não dispunha de tantos recursos, como Paulista e Palestra Itália, mas não se sentia inseguro graças ao apoio dos irmãos Galeazzi. Assim, o clube se manteve em atividade enquanto outros entraram na falência.
O grande ímpeto do time fez com que a Vila Independência ficasse conhecida como Santana e sua sede, com excelente estrutura, fosse reconhecida pelos desportistas da capital paulistana em apenas cinco anos de vida. As categorias existentes na época eram Juvenil e Amador, sendo política do clube mesclar os jogadores, onde os garotos atuavam ao lado dos veteranos, formando apenas um time. A agremiação com o tempo foi crescendo, surgindo na sua vida a figura carismática de Leonardo Crocce Filho, que deu ao Santana, novo perfil.
PIO, OLHANDO PARA O ÁLBUM: “OLHA EU AQUI”
O Santana projetou nos anos 60 vários jogadores para times profissionais. Entre eles, Pio que atuou no Palmeiras e Pãina que jogou na Ferroviária. Muitos não seguiram carreira, porém, eram verdadeiros craques.
A época dourada do futebol amador marcou a cidade. Era como se fossem times da capital, alguns sem estádios, mas todos com torcida. A rivalidade se estendia entre a Vila Xavier com Palmeiras e Benfica com o Carmo; Primavera com Bangú e Estrela, por exemplo. O dia do jogo era sagrado para os aficcionados que nunca abandonavam o seu time. Ari Bacarini, ex-lateral esquerdo e direito do Santana nos anos 50, recorda dos confrontos diante do Estrela.
“Os times do futebol amador eram rivais. Mas quando jogavam Santana x Estrela, a briga se tornava particular entre as torcidas. Os jogos eram disputados e as torcidas aguerridas assim como todos nós”, relembra. Além disso, conta de outro time rival que se impunha: “Os jogos contra a Usina Tamoio eram difíceis e quase impossível ganhar deles, principalmente quando aconteciam no campo deles”, declara Bacarini.
Vice-campeão de 1979, Edimar Claro começou a carreira no gol embora com estatura baixa para um goleiro. “Quando jogava futebol com os amigos, queria ficar na linha, mas por ser baixinho, sempre me colocavam no gol”. Jogador por seis anos do Santana, Edimar destaca o time de 79 como o melhor em que já atuou. “Os jogadores eram muito técnicos. Marcuíra, Fogosa, Galinha, Zé Magrelo (irmão de Coca), Ferrarezi. Eles combinavam entre si que, quem desse balão durante a partida, seria substituído”, conta o ex-goleiro.
Em uma final contra a Usina Tamoio, houve um lance durante o jogo, que poderia mudar a história. “A partida estava empatada e, em um ataque, fizemos o gol. Os gols no Estádio Municipal eram, praticamente, colados na parede que separava a arquibancada ou alambrado. O chute foi tão forte que a bola entrou, bateu na parede e voltou. O bandeirinha correu para o meio-campo (validando o gol), só que o árbitro entendeu que a bola foi para fora e deu tiro de meta, anulando o gol e assumindo a responsabilidade do lance. Aquela bola entrou e muito (risos)”, recorda Claro. Na ocasião o time da Usina Tamoio venceu por 3×2 com o Municipal lotado.
INÉDITO: SANTANA CAMPEÃO REGIONAL
Leonardo Crocce Filho, que também foi vereador em nossa cidade no período de 1964/1973, parece ter passado a Beto Michetti todo seu conhecimento em mais de 60 anos com o futebol amador.
Já nos anos 90, ainda na era Leonardo Crocce Filho, a equipe conseguiu título inédito para o amador de Araraquara: o Regional de Futebol, contando com as principais equipes do interior. Beto Michetti, ex-jogador e treinador do time, foi quem comandou a esquadra vermelha durante a conquista. Ele começou a carreira no Infantil do Santana em 1973, aos 14 anos, em seguida foi promovido ao time amador, mas não ficou por muito tempo, rodando por outros clubes da cidade.
Apesar disso, nunca perdeu contato com Crocce, e, em 1998, foi convidado para treinar o Infantil do Santana. “Treinei o time e no primeiro ano fui pé quente e me sagrei campeão”, diz Michetti. “O time era muito bom e alguns jogadores despontaram no futebol profissional, como o Leandro Donizete (Atlético-MG), Fabiano (ex- Santos) e Gilsinho (ex-Corinthians, Sport e depois no Ventforet Kofu, do Japão)”, relembra.
Além deles, o técnico conta a história do centroavante Fábio, que foi levado para a Itália por Careca. “Na época, mantinha muito contato com o Careca, apresentei o Fábio, ele gostou do seu futebol, levando-o para a Itália”, conta.
Assumindo o time amador em 1999, Michetti ganhou o título mais importante de sua carreira. “Foi um feito inédito para o nosso futebol. Nenhuma outra equipe havia conseguido um título daquele porte para a nossa cidade”. O treinador recorda do jogo duro contra Borborema nas semifinais do campeonato. “Lá em Borborema, perdemos de 3×1 e precisávamos reverter a situação no Estádio Municipal. E deu certo. Repetimos o placar que eles fizeram contra nós e, por termos melhor campanha, fomos para a final contra o Descalvadense”. No jogo, um fato curioso: “Félix, meia do Descalvadense, estava suspenso. Era o principal jogador deles, já havia jogado pelo Santos, e fazia a diferença. Porém, ele estava suspenso para a primeira partida. Já o Santana estava com três jogadores suspensos e tinha dificuldades de escalar o time para a decisão. A diretoria deles propôs uma troca. Caso aceitássemos a presença de Félix, poderíamos escalar os nossos três suspensos. A nossa diretoria achou loucura, mas aceitei a ideia deles e deu resultado. A troca de 1 por 3 nos favoreceu e fomos campeões”, relembra Michetti.
Também campeão do Inter-Bairros com o Real Sport, o técnico lamenta o estado atual do futebol amador na cidade. “Na grande época do “Amadorzão”, havia aqui estádios de sobra, aonde poderia se praticar vários jogos. Depois, os jogos passaram a ser realizados no Estádio do Botânico, desgastando muito o gramado e os jogadores correndo sério risco de lesões. A maioria tinha medo de jogar lá por causa disso”.
As histórias contadas aqui mostram como o futebol amador representou a vida de cada um. Além de diversão, havia o comprometimento, sem contar a formação do caráter daqueles jovens, hoje senhores, para o restante de suas vidas. Além disso, uma das dádivas foi a amizade que se proliferou nos anos vividos juntos e que reina até hoje. Não só graças a ajuda que o Santana proporcionou, mas para que o jovem se tornasse cidadão e de forma bem sucedida em nossa sociedade.
O SANTANA DE TODOS OS TEMPOS
Na década de 50 circulou pela cidade um álbum de figurinhas contendo os times do nosso futebol amador. O livreto apresentava os dados oficiais fornecidos pela Liga Araraquarense de Futebol.
O AMADO MESTRE
Dentista de renome na cidade, Leonardo Crocce Filho escreveu a história do Santana, buscando colocar o clube no topo do futebol amador até nos jogos amistosos em outras cidades, ou em campos rivais. Ele dizia que para ser grande seria preciso pensar grande.
Houve tempo em que descendente de família italiana precisava alterar o sobrenome, em função da Segunda Guerra Mundial. O Palestra Itália passou para Palmeiras, em São Paulo e em Minas, o também Palestra se tornou Cruzeiro; em Araraquara, a Sociedade Italiana se transformou em Clube 22 de Agosto. Da mesma forma as famílias tiveram que aceitar a mudança. Assim, alguns Crocce adotaram o sobrenome Cruz. Leonardo Cruz, pai de Leonardo Crocce Filho, foi o fundador da Empresa Cruz, conceituada empresa de transporte rodoviário. Com ações na empresa, Crocce tinha poder para investir no Santana.
Além de cuidar dos dentes dos jogadores, ele pagava faculdade para alguns deles. José Nilgerson Barbosa, o Pãina, lembra bem da recepção feita por Crocce no time Infantil do Santana. “Na época jogávamos descalços no campo de terra batida, onde hoje é o IEBA. O “seo” Crocce me deu um par novo de chuteiras. Fui o único a ganhar aquilo”, comenta o ex-zagueiro. Paina conta ainda que Crocce era muito inteligente. “Quando contratava um jogador sabia onde colocá-lo na equipe. Era um diferencial para nós”, diz Paina.
Outro jogador ilustre do futebol do Santana: Osmar Alberto Volpe, o Pio, ponta esquerda de extrema rapidez: “Comecei a jogar no Infantil do Santana em 1961, com 17 anos. Foi uma época gratificante. Ver sempre o Estádio Municipal lotado era emocionante”, relembra o jogador. A carreira de Pio foi meteórica. Atuando por dois anos no clube varzeano, se mudou para a Ferroviária, campeã logo no primeiro ano (a Ferroviária foi octacampeã infantil nas décadas de 50 e 60).
“Porém, o amador da Ferroviária tinha muitos jogadores do Santana. Na época era difícil ganhar dela, pois investiam pesado em todas as divisões”. Pio lembra ainda do seu primeiro ato com a camisa vermelha. “Minha estréia foi contra o Paulista. Como era novo na equipe, alguns companheiros me falavam do lateral direito Rodocino, que batia muito. Pensei: “se eu não for o mais rápido, o mais forte vai me pegar” e foi assim o jogo inteiro. Pegava a bola para correr dele (risos)”. Logo depois, Pio brilharia no time profissional da Ferrinha e seria contratado pelo Palmeiras na época da Academia, jogando com Dudu (ex-Ferroviária) e Ademir da Guia.