A disparada nos preços da arroba bovina e a dificuldade de repasse integral desses custos para a carne no mercado interno têm afetado margens na indústria brasileira, levando a uma onda de suspensões temporárias de produção que reduz abates e a oferta aos consumidores, conforme fontes e representantes do setor ouvidos pela Reuters.
O presidente da Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos), Paulo Mustefaga, afirmou que diversas unidades de pequeno, médio e grande portes passaram por paralisações ou ainda estão paradas em função das adversidades domésticas. Ele não soube detalhar em números.
“O preço do boi subiu cerca de 60% em um ano e a indústria conseguiu repassar no máximo 40% dos custos… (o setor) está com uma dificuldade muito grande de fechar as contas”, disse.
Além da arroba em máximas históricas de cerca de R$ 320, motivadas por baixa oferta de gado e forte demanda externa, ele ressaltou a redução do poder de compra das famílias brasileiras causada pela crise econômica como fatores para as suspensões de abates.
As medidas de isolamento contra a Covid-19 e o aumento de despesas com grãos usados na ração – milho e farelo de soja -, que onera o confinamento, fizeram com que a situação se agravasse na pecuária.
“O setor está exportando muito bem, mas esta demanda dos frigoríficos exportadores também é um fator que contribui para manter o custo do boi ainda mais alto”, afirmou.
Somente em março, as exportações de carne bovina do Brasil avançaram 8% ante igual período do ano anterior, impulsionadas por um aumento nas aquisições pela China após as comemorações do feriado de Ano Novo Lunar no país asiático, conforme dados da Abrafrigo.
Apesar disso, Mustefaga disse que até mesmo nos grandes frigoríficos “o ajuste de produção é menor, mas existe”. Vale destacar que cerca de 70% da produção de carnes do Brasil é consumida no mercado interno.
Mesmo diante das suspensões de abates em frigoríficos, os preços da arroba subiram 6,5% no Estado de São Paulo desde o início de março, enquanto a carcaça bovina no atacado na Grande São Paulo avançou 4,9% no mesmo período, segundo os dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
CASOS ENTRE GRANDES
A Minerva Foods, maior exportadora de carne bovina da América do Sul, está atualmente com operações paradas e funcionários em férias coletivas na unidade de Mirassol D’Oeste (MT), ainda sem previsão de retorno, disse uma pessoa próxima à empresa na condição de anonimato.
No mês passado, a companhia também parou as atividades da planta de José Bonifácio (SP) por cerca de 20 dias, acrescentou a fonte, porém lá a operação já foi normalizada.
“O motivo foi melhorar a eficiência operacional, tendo em vista o cenário, mas também vale lembrar que a diversificação geográfica da empresa permite que ela garanta as entregas aos clientes”, disse o interlocutor.
Procurada, a Minerva não quis comentar.
A Marfrig Global Foods, segunda maior processadora de carne bovina do Brasil, confirmou à Reuters que concedeu férias coletivas aos colaboradores “como parte da estratégia de produção” na unidade de Alegrete (RS). Após 30 dias de suspensão, as atividades foram retomadas em 1º de abril.
Pelo mesmo motivo, a Marfrig também paralisou temporariamente em março as operações da planta localizada em Chupinguaia (RO), acrescentou a empresa.
Em Goiás, a Frigol, quarto maior frigorífico de bovinos no país, anunciou na semana passada o encerramento das operações na planta de Cachoeira Alta e sua devolução, por ser arrendada, para focar nas unidades habilitadas para exportação.
Posteriormente, o CEO da Frigol, Marcos Câmara, disse à Reuters que a decisão de deixar a atividade na unidade goiana foi, entre outros fatores, por ser a única planta da empresa com maior dependência da demanda interna.
“Temos outras duas plantas habilitadas para a China e uma terceira que atende aos protocolos para embarcar à Israel… No ano passado, 42% da receita da Frigol foi com exportação, nesse ano pretendemos passar de 50%”, afirmou o executivo.
Ele também disse que várias empresas anunciaram férias coletivas recentemente ou estão colocando unidades à venda, porque o problema de baixa disponibilidade de gado é comum a todos no setor. “Recebemos todo mês uma ou duas ofertas de arrendamento ou (para fazermos) aquisição”, citou.
O presidente da Abrafrigo acredita que nos próximos dois meses a oferta de gado pode melhorar um pouco, devido ao período sazonal de seca nos pastos, mas, em linhas gerais, o cenário de restrição de animais prontos para abate pode se estender até 2022, em meio à retenção de fêmeas.
Fonte: Reuters